Antes do evento que marcou o 90º aniversário de Gonzaga Rodrigues, com o lançamento de seu mais recente livro — Com os olhos no chão — recebemos convite de sua neta, Lays, para gravar em vídeo uma fala a seu respeito. Alguns compromissos relacionados com o centenário de Carlos Romero, também de junho, inclusive com amigos que vieram de longe para confraternizar conosco, e alguns dissabores não previstos impediram-nos de atender ao pedido.
Mas o que teria um arquiteto, metido às letras e à música, a dizer de um escritor já tão falado, estudado e analisado por gente que realmente entende (!) de crítica literária?...
Do pouco que me coube sentir ao longo de certa intimidade com as crônicas de Gonzaga, consegui chegar a duas conclusões: a da contestação e a da constatação.
Primeiro devo contestar, em se tratando do cronista, a célebre afirmação de que “toda unanimidade é burra”. Pois não há, ou pelo menos desconheço quem não admire o que Gonzaga produziu e ainda produz com singular notabilidade no universo das letras paraibanas. Como diz o escritor Francisco Gil Messias, se ele não fosse da “aldeia”, sua obra já teria se desgarrado para muito além dos mares paraibanos.
A segunda, a constatação, não poderia ser outra: é no gênero da crônica que o talento se revela de maneira mais cristalina nos que escrevem. É a forma mais legítima de se tornar grande a partir do que é enganosamente pequeno; de contar segredos graúdos sobre coisas que aparentam miúdas apenas ao olhar corriqueiro de quem não enxerga no cotidiano todo o tempo do mundo. É saber estar longe e acima para ver melhor o que está perto e embaixo.
Embora tenha exercido com igual esmero outras formas de escrever, é na crônica (o que mais li dele) que Gonzaga cabe inteiro, límpido, sempre atento; da formiga que percorre munida o caminho de volta, em cumprimentos de parceria enfileirada, à magnífica copa do “sombroso gigante” que desdenha da “igreja universal do reino dos homens” que se iludem crentes na monumentalidade arquitetônica. Ele sabe que à sombra da magnífica folhagem abrigará fé maior do que embaixo de portentosas naves jamais imaginadas por quem ensinou que é nos montes desnudos que se vislumbra o reino dos céus.
Das graciosas criaturinhas, como as lavandeiras, as vistas enevoadas pela idade dos olhos — mas não pela íris limpa da alma letrada —, se estendem ao tempo dos bondes, dos pontos sem réis, do cais sem navios, da cidade velha e nova, que do rio foi pro mar e lá se perdeu na imensidão sem freio, sem volta, sem escrúpulos.
Porque é na pureza da crônica que a transparência acontece, na simplicidade dos sentimentos que arrebatam e desentranham, com a devida sutileza, a volúpia das emoções, vívidas ou vividas, do ontem, do hoje e do sempre.
Em tempos ingratos, num mundo em que amizades de priscas datas são esquecidas por gente iludida com podres poderes, mantém-se em mim gratidão de se pôr em moldura, ao velho Gonzaga. De quem recebi, quando de ilusões acadêmicas meu olhar se ofuscou, a verdadeira vitória: “Você ganhou, Romero! Terá sido o primeiro disputante que com apenas 5 votos levanta uma memória estética e espiritual que não trai a natureza da cidade de Coriolano” [...] “Você ganhou, e seu pai, agora em sua verdadeira imortalidade, sabe disto bem melhor que nós outros, pobres ingênuos”. Muito obrigado, e parabéns a você, Gonzaga, pelos louros da escrita e pelos que me cobriram.
Reforço-lhe a mencionada gratidão que sequer um dia deixou de existir, apesar dos pesares do dia após dia…