Viajar dá trabalho, e o turista é sobretudo um obreiro do seu lazer. Tem que providenciar os documentos; juntar os remédios que não pode deixar de tomar, se for o caso (depois de certa idade, sempre é o caso); fazer e conduzir as malas não só aos aeroportos como também aos locais onde vai se hospedar. Tudo isso exige um preparo físico que só é compensado pelo alívio espiritual que a quebra da rotina e a ida a outros lugares devem lhe trazer.
O problema é quando a esses encargos acrescentam-se imprevistos que tornam aborrecido o que devia ser apenas trabalhoso. Passamos por pelo menos dois deles. O primeiro foi um enorme atraso no aeroporto do Recife – não inferior a duas horas, o que chegou a assustar parte dos passageiros.
O que estaria acontecendo? Ninguém explicava nada. Um sujeito à minha frente começou a esculhambar em voz alta a companhia aérea, e isso fez com que um funcionário que passava se detivesse diante de nós para explicar, polidamente, o motivo do preocupante atraso: estavam, por determinação superior, desinfeccionando a cabine do comandante.
Alguns acreditaram, outros não. Pelo tempo que a desinfecção durava, devia haver na tal cabine uma diversidade de cepas microbianas capaz de contaminar toda a nave. Especulava-se que o problema era outro (ligado, talvez, a falha mecânica), e a empresa não queria nos informar.
A tranquilidade voltou quando vimos aparecer o staff responsável pela condução da aeronave – à frente o comandante com expressão saudável e profissional. Não, o avião não iria cair.
O segundo imprevisto foi mais grave, pois gerou no pequeno grupo de que participávamos apreensão e prejuízo financeiro. Também esteve ligado à aviação, mas de um modo diferente. Vamos lá: fazia parte do nosso roteiro uma conexão em Madrid antes de chegarmos a Porto. Vimos, enquanto esperávamos o embarque para a capital da Espanha, nossas malas serem postas no bagageiro existente na parte inferior da aeronave – malas sem lacre, que na última hora uma funcionária nos impediu de acomodar dentro do avião.
Voo tranquilo. Depois de desembarcar em Porto, postamo-nos diante da esteira para recolher as bagagens. A espera foi inútil, pois elas não chegaram. Quando a sinuosa engenhoca parou de rodar, olhamos uns para os outros desalentados e tratamos de procurar o setor competente para fazer a reclamação. De lá saímos aflitos, embora nos tivessem garantido que as malas voltariam a seus donos. E se isso não ocorresse? Com o extravio da bagagem, perderíamos tudo o que até então havíamos comprado – em moeda local, obviamente! Uma perda e tanto.
O fato é que precisávamos ir ao hotel para fazer o check-in e mudar de roupa. Mas que roupas? O sumiço das malas acabou representando um pequeno acréscimo ao que gastamos com a viagem, mas pelo menos ganhei pijamas e cuecas novos. Até pensei depois em guardá-los para filosoficamente relembrar que, na vida, aos momentos bons podem se intercalar os ruins.
As bagagens apareceram, enfim. Amarotadas, manuseadas além do que deviam, mas chegaram. Tratamos logo de abri-las para ver se continham tudo o que a minha mulher havia acomodado com uma técnica e uma paciência de que só as pessoas do seu sexo são capazes. Minha apreensão crescia. Eu receava, por exemplo, que algum torcedor de time adversário tivesse surripiado a camisa do Real Madrid que eu comprara para o neto Luiz Guilherme numa loja especializada.
Mas estava tudo lá. Ou quase tudo. Faltavam... os pirulitos. Denise tinha envolvido em plástico-bolha alguns pirulitos para os nossos netos. Deles restavam apenas dois. Minto; havia um terceiro com a hastezinha cortada (haveria nisso algum simbolismo?).
Não consegui entender por que, entre tantos objetos de maior valor, resolveram levar justamente os pirulitos. Pelo menos, caso tenham se decepcionado com o que havia no pacote, não ficaram a chupar o dedo... Consolo-me pensando que, dos males, o menor. Terrível seria se tivessem trocado as guloseimas por drogas. Ou por joias não declaradas. Eu seguramente não estaria aqui para contar a história.