No sábado, dia 17/06, quando entrei no Seminário Arquidiocesano da Paraíba, onde aconteceu a festinha junina da Escola Sempre Viva, pa...

O Lugar

No sábado, dia 17/06, quando entrei no Seminário Arquidiocesano da Paraíba, onde aconteceu a festinha junina da Escola Sempre Viva, para ver minha neta, Luísa, dançar a dancinha do sapo, me deparei com um espaço que me fez rodopiar pelas linhas da vida. Lembrei imediatamente do livro O Lugar, da premiada (Nobel Literatura 2022), a francesa Annie Ernaux, cujo tema é a relação com seu pai, a distância de classe, a sua posse como professora, e o amor que se quebrou. Mas as minhas lembranças eram outras. Não tinham um apanhado sociológico, mas a memória de épocas marcantes dos meus anos.

Claude e Ana Adelaide Acervo da autora
Casei a primeira vez na capela desse Seminário, lá no início dos anos 70. De vestido de noiva (com rendas do Ceará), sandália rasteira e flor do jardim nos cabelos. E cheguei na capela antes dos convidados. Sempre pontual. Naqueles tempos o costume era casar na Catedral, no Carmo ou no Pio X, e não se usava fazer dessa cerimônia algo simples assim. O ritual exigia pompa. Mas o meu foi despretensioso.

Anos depois, voltei ao Seminário. Dessa vez já com meu companheiro Juca, e para acompanhar/assistir às plenárias do Partido dos Trabalhadores. Quantos domingos participando de eleições partidárias, votações, lá nos anos 90, e presenciando discussões acaloradas, em que ele protagonizava, com o seu saber político, as várias tendências do PT. A cada uma dessas visitas, onde o hoje Deputado Federal, Padre Luiz Couto, se hospedava, eu circulava pelos jardins, pelos corredores, com os olhos de quem, um dia, tinha ouvido Jesus Alegria dos Homens dedilhado num órgão e a visão de um bolo de noiva com champanhe em taças redondas para um brinde de Viva os Noivos!

Seminário Arquidiocesano (PB) João Daniel
E sábado último, eis que estava eu de novo no Seminário. Dessa vez, com outras gerações pela frente. Outras noivas e noivos da quadrilha da Festa Junina. A ironia é que re-encontrei o meu primeiro noivo. Temos crianças comuns pelo meio da vida. Quando os lugares se entrecortam. As famílias se entrecruzam, e o xote se repete. As crianças, todas vestidas de matutos. Lembrei dos meus filhos quando pequenos – calça jeans remendada, camisa xadrez, lenço no pescoço e bigode feito com os meus lápis pretos de olho. Tudo tão simples. Dava gosto de ver a alegria dos pequenos, ontem e hoje. As danças dos pequenininhos, dos maiores, e aqueles que desde cedo se sobressaem no gosto pelo palco e aplausos. Essa escola sempre prioriza a cultura local. E o forró, xote e baião imperam, mesmo no primeiro número dos estudantes do violino.

Lucas, Luiza e Ana Adelaide Peixoto / São João da Escola Sempre Viva
Acervo da autora
Enquanto esperavam, as crianças se enfileiravam. Vi uma noiva toda sapeca, de pintinhas no rosto, top e saia abaixo do umbigo, e um véuzinho serelepe. Os pais posicionados na frente, por vez, para registrarem aquele momento dançante, e muitos com os olhos marejados. Os meus ficaram quando vi Luísa de matuta a se requebrar na dança do sapo.

O palhaço Adilson, veterano na Escola, foi o mestre de palco e apresentador. Soltava lera com cada um que passava; reclamava do calor; e orientava aqueles menores que choravam arrependidos de um dia ter ensaiado. Na mesa, canjica, bolo de milho e um famoso patê vegetariano, que é o carro chefe dos lanches da Sempre Viva.

Adilson Lucena @pipi.adilsonlucena
Fiquei a pensar na vida e de como ela passa rápido. Como ela muda de lugar, literal e simbolicamente. Como tudo passa. E sobre os ciclos, os encontros e re-encontros. Se fechasse os olhos, poderia ouvir um órgão tímido a tocar a marcha nupcial, e aquela menina, aos 19 anos, se comprometendo com o amor, que foi infinito enquanto durou; ou das falas alteradas das eleições do PT. Hoje tudo isso transformado em sanfona, milho, e as estampas de chita alvoroçadas das crianças em um São João particular.

Ana Adelaide Acervo da autora
Ao fim da festa, voltei ao livro de Ernaux, e a sua “autossociobiorafia”, em que ela tão bem escreve sobre as relações familiares, uma vida regida pela necessidade, e “transforma o lugar social ocupado pelo pai em parte constitutiva da própria criação.”

Com o meu vestido de noiva na memória, as bandeiras de um partido que elegeu o nosso presidente, e um pagode russo de Luiz Gonzaga, voltei para casa abastecida, e ao contrário do pai de Ernaux, sabendo direitinho o que era belo, o valor das coisas, e a sacralização dessas mesmas coisas.

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