Podem considerar um desperdício tratar de galinhas numa crônica. As criações de quintal estão sumindo. Em regiões rurais são mantidos os bichos e aves em convívio. Prevalece o espírito de cultura da fauna doméstica.
Amanhecer o dia sacudindo milho, trocando a ração de animais, alisando o dorso de um cavalo, ordenhando as vacas, conversando com bem-te-vis. Coisa considerada anômala para uma época em que somos triturados e “amansados” por vias modernosas, numa rápida desumanização e fuga dos gostosos momentos de comunhão com nossos irmãos como diria São Francisco de Assis. Este, um apaixonado pelos seres criados, tratando-os como irmãos. Hoje, seria considerado um louco, um larápio de convicções e práticas equivocadas capazes de nos tornarmos delas reféns. É só consultar o termômetro das práticas hodiernas: o “mercúrio” marcará acima de quarenta graus de indiferença a tal conversa. Por isso, este texto será desprestigiado por quem pertence de corpo e alma à confraria da insensibilidade para com as práticas fartamente cultivas (até cultuadas) em épocas atrás.
Mas, vamos à frente. Quem, nas grandes cidades, escuta o canto de galo? Ou, ao sair, conversa com o papagaio? Cachorros e cadelinhas arrumados nos tops da vida com tosquias e laçarotes são encontrados em passeios. Quando visitamos la Buenos Aires querida, eu e Emília vimos grupos de cães conduzidos pelas praças por pessoas zelosas. |Os chamados “cuidadores” que são pagos para exercerem a profissão. Inusitado, pelo menos para nós. Ignoro tal prática no Brasil.
As galinhas que ciscam na primeira frase habitavam o terreiro de nossa casa, sob as goiabeiras exuberantes. Havia um galo tenor que inchava o peito, batia as asas, sacudia o canto, acordando os moradores da rua para as tarefas diárias. O galinheiro ficava alvoroçado. Dentre elas havia duas: gogó de sola e outra pedrês. A primeira era uma ave pacífica, madura, digamos centrada, tipo “vovó” das outras companheiras. Espécie de responsável pela ordem, afugentando intrusos. A pedrês, bem mais jovem, um encanto. E raridade: punha dois ovos por dia. Disputávamos apanhar o produto posto (molhado, fresquinho) sobre o chão de areia.
Ao nos mudarmos da Rua da Areia, tivemos de nos desfazer das amigas do galinheiro. O que mais me entristeceu foi presenciar a morte da “vovó”. E a pedrês levada num balaio para ser abatida para a panela.