Uma sociedade que não enxerga a educação como valor essencial, também é insensível à preservação da memória, indiferente à necessidade de transmissão da cultura. Por mais duro que seja admitir, não foi outra a realidade onde se inseriu a preocupação do Desembargador Raphael Carneiro Arnaud, buscando recuperar para as novas gerações o perfil de Alcides Carneiro.
Sob a motivação imediata do Centenário de nascimento do grande orador paraibano, o magistrado descobriu na pesquisa uma outra forma de fazer justiça.
Empenhando-se em evitar que a insensibilidade histórica sepulte no esquecimento um tribuno cujas construções eloquentes, há bem poucas décadas, eram repetidas pelas pessoas, com o mesmo entusiasmo que se declamam os versos dos poetas.
"Recordar não é viver, porque recordar é viver de lembrança e viver de lembrança é morrer de saudade" Assim minha avó recitava, com fervorosa exaltação, e guardei para sempre na memória. Essa contestação da frase-feita, da forma simples mil vezes repetida, que criava outra verdade, convencia e arrebatava, incorporando-se ao domínio popular.
Mas Alcides Carneiro não se limitou ao discurso de improviso que lhe rendeu tanta popularidade e que permite a comparação de sua oratória inspirada com a tradição oral dos cantadores nordestinos.
A condição de homem culto, dedicado à carreira jurídica como advogado, promotor e magistrado de nome nacional, bem como a paixão pela literatura, que fez do ilustre paraibano leitor permanente de grandes romancistas e poetas, são elementos estruturais que se evidenciam no tecido de outra categoria de discursos. Desde o primeiro pronunciamento, Alcides muito jovem, saudando, em nome dos alunos da Faculdade de Direito de Recife, o professor José Joaquim Seabra, egresso do exílio, já se percebe o texto preparado, escrito, onde se revela a sedimentação da leitura reflexiva. Um processo que se foi intensificando em dezenas de outras saudações, sempre em momentos especiais, quando a escolha do orador tinha a clara significação da honra ao mérito.
Raphael seleciona e comenta passagens marcantes de muitos desses discursos. As ocasiões em que foram proferidos e as personalidades a quem se dirigiam são dados suficientes para que se possa inferir o prestígio do orador nos grandes centros culturais do país.
Mas o pesquisador ainda acrescenta opiniões de nomes como Gilberto Amado, Menotti Del Pichia, Santiago Dantas, Desembargador Manuel Carlos, Assis Chateaubriand, etc. Em todos, a expressão do entusiasmo e do encantamento ante a palavra do tribuno paraibano.
Merece atenção especial, porque talvez seja o mais característico do Alcides Carneiro culto e erudito, o ensaio que ele escreveu para a posse na Academia Paraibana de Letras, em 03 de novembro de 1962. Publicado dois anos depois, através de A União Editora, constitui, hoje, uma preciosidade bibliográfica. Em sua estrutura, identificam-se três vertentes: a confessional, o elogio da poesia e o enfoque revelador e definitivo da vida e obra de Pereira da Silva.
No plano da confissão, encontra-se o motivo por que esse discurso sobre o ararunense imortal continua até hoje insuperável. É que, na ordem valorativa de Alcides Carneiro, a poesia e os poetas ocupavam o lugar de maior destaque, sendo considerados o ponto mais elevado da expressão intelectual. Toda a conceituação de poesia que se expõe, ao longo do texto, reitera essa convicção. E a comparação que Alcides constrói através de metáforas se impõe como síntese: "A prosa - é tronco que muitos abarcam; o verso - é fronde que poucos atingem". Curiosamente, dois decassílabos, na estrutura paralelística e antitética, que bem poderiam compor o fecho de ouro de um soneto.
Foi esse desmedido amor pela poesia que levou o grande tribuno a percorrer toda a trajetória de vida do poeta de Araruna que saiu adolescente de sua terra e, sozinho, no Rio de Janeiro, redimensionou a saga do retirante nordestino. Foi o desmedido amor pela poesia que fez Alcides Carneiro reconstituir, minuciosamente, a realidade sócio-cultural de que o extraordinário ararunense participou, no sul do país, até ingressar na Academia Brasileira de Letras. Para então, depois de inseri-la na circunstância em que foi produzida, expor e analisar a obra poética de Pereira da Silva.
Erguer um monumento a Alcides Carneiro é reeditar esse discurso-ensaio em grande tiragem, para distribuir, generosamente, nas escolas, nas instituições culturais, em cada recanto onde houver um leitor. Pois, como sentenciou o orador centenário: "A claridade do presente não dispensa a luz do passado, e de uma e outra há de precisar o esplendor do futuro".