Sou daqueles que não tiveram o privilégio de conhecê-lo mais de perto, mas nem por isso me privei de seu conhecimento, pois, como leitor assíduo, acompanhei seus escritos nos jornais e nos livros, veículos mais do que suficientes para me porem a par de seu pensamento e de seu jeito de ser. Claro que conhecê-lo pessoalmente muito ter-me-ia enriquecido em todos os sentidos, todavia a vida não me concedeu tal oportunidade, de modo que me virei como pude. Aliás, é assim que faço e fiz com outros luminares da aldeia, como Gonzaga Rodrigues e Luiz Augusto Crispim, por exemplo: não podendo adentrar sua intimidade, satisfaço-me com seus textos, com sua obra, e assim vou construindo no meu íntimo o perfil de cada um, a partir de suas próprias palavras, suas próprias confissões.
No caso de Carlos Romero, havia a evidente distância das gerações, que, por si só, muitas vezes impede a aproximação das pessoas: ele, da década de 1920; eu, da de 1950; trinta anos, portanto, o que não é pouco tempo, como sabemos, pois quando vim ao mundo, ele já era homem feito, senhor de seu destino. Poderia também ter sido seu aluno no curso de Direito da UFPB nos anos 1970, mas terminei indo para a classe do professor Hélio Soares, na cadeira de Direito Comercial, tão árdua para a maioria dos alunos e talvez até mesmo para os docentes … Enfim, nossos caminhos não se cruzaram, mesmo na aldeia comum, propiciadora de tantos encontros. Mas, como disse, fui seguindo seus passos nos jornais e nos livros que publicou, e isso o tornou próximo a mim, como costumam se tornar os autores de nossa predileção. Esse conhecimento exclusivamente literário de certa forma me bastou – e me basta - e é com base nele que agora escrevo estas poucas linhas reverentes.
Durante vários anos, ele foi o decano da crônica aldeã. Esse posto decorrente da longevidade dava-lhe, em alguma medida, uma espécie de autoridade sobre os confrades de ofício, entre os quais tive a ousadia de me incluir a partir dos idos de 2009, no saudoso jornal Correio da Paraíba e no suplemento de A União, o Correio das Artes. Honra imensa para mim, leitor promovido a colega do consagrado cronista, mestre de gerações. Nossos textos às vezes saíam na mesma folha e essa proximidade jornalística foi a única de que pudemos desfrutar, para lamento meu, certamente.
Admirava e admiro a leveza e a sabedoria de suas crônicas, fruto, logo compreendi, de sua vasta experiência de vida, mas também de seu temperamento, sua maneira de ser e de estar no mundo, estudioso que também era das coisas do outro lado da existência, tudo contribuindo para a sua mansidão e a sua doçura. Que eram, no fim das contas, as dos sábios verdadeiros, aqueles que bem conhecem a efemeridade de tudo e a inutilidade da sôfrega busca de meras ilusões. Tudo isso ele soube transferir de si para seus textos, originando, naturalmente, sem nenhum esforço, uma legião de fãs, fiéis até o fim.
Que bom era começar o dia com suas palavras de paz! Palavras sempre a favor do bem e do belo, em suas mais diversas manifestações. Nunca uma agressão a quem quer que fosse, nunca uma afirmação mais ríspida sobre qualquer assunto. Sempre o conciliador, o arauto do perdão, o visionário da harmonia. Viajante incansável e culto, quantas viagens não estimulou sem que soubesse! Apreciador da arte e da música, quantos discípulos não formou sem que desconfiasse! Esse um dos méritos maiores de sua ação e de sua obra em nossas letras. Esse o exemplo que fica para os colegas de ofício, idosos e jovens, todos alunos de seu magistério personalíssimo.
Nasceu em Alagoa Nova, modesto e curioso burgo fértil de escritores. Vêm-me à memória de pronto os nomes de Gonzaga Rodrigues, Willis Leal e Eudes Barros. Algum significado isso deve ter, imagino, pois é realmente uma coisa inusitada. Surpreende tanto quanto Umbuzeiro, berço de Epitácio, João Pessoa e Assis Chateaubriand. Mistérios da vida, mistérios paraibanos.
De seus livros, destaco dois, começando pelos respectivos títulos: O Papa e a mulher nua, saborosas crônicas de viagens, e Lições de Viver, coletânea de crônicas que são mesmo verdadeiros ensinamentos de vida, mas sem moralismos e sem ares professorais, tudo dentro da simplicidade e da sabedoria típicas do autor, fino observador da existência e rico personagem bem vivido. Essas obras merecem reedição, assim como as demais publicações do escritor, para que não se percam no olvido e sirvam de farol para as novas gerações de autores locais.
Impõe-se registrar que sua memória tem sido muito bem cuidada por Alaurinda, Carlos Filho e Germano. Este é o guardião-mor, criador e mantenedor do Ambiente de Leitura Carlos Romero, uma realidade alvissareira de nossa cena cultural. Prova de que, aqui na aldeia, a posteridade dos ilustres é sempre uma responsabilidade antes da família que do Estado. Que ninguém espere nada dos órgãos e entidades públicos. Cada qual que cuide amorosamente – e privadamente – da lembrança de seus queridos.
Neste centenário, que sejam muitas as homenagens ao mestre cronista e ao mestre de tantas coisas mais. E que a Paraíba saiba fazer justiça ao valioso patrimônio que a tem distinguido na paisagem humana do Brasil. São os meus votos.