Não sabiam que Alberico ganhou na loteria? Pois, dormiu entre bugalhos e amanheceu na agência para conferir o sorteio. Fora-lhe favorável. O senhor está passando mal? Caiu pálido e trêmulo. Trouxeram-lhe um café esperto. Quando foi recobrando o sentido e reorganizando as forças, abriu um sorriso, saiu dançando rua afora, amassando a paisagem, deglutindo os favos oferecidos pela novidade. Está totalmente biruta. Quem diria? Alberico que fazia bicos e comia em cabresto curto com a família grande, agora ficara fora do mundo, atacado, quem sabe, por essas esquisitices e transtornos.
A cabeça da gente não vale um trocado. Lamentavam-se os que conviviam mais de perto com aquele homem do povo, cantador de melodias antigas, despachando a pequena freguesia na teimosa bodega, uma barraquinha toda carcomida. Às vezes estava tão cansado que não aguentava ir para casa. Dormia entre os aromas mistos de cachaça, querosene, outros produtos apertados entre as prateleiras. Armava a rede e somente acordava quando o galo do vizinho dava o primeiro canto. Acordou e foi até a loteria e voltou avariado, conforme entendiam alguns. Seu Alberico guardou seu segredo. Era lá besta para dizer a ninguém sobre o malote de fortuna que conquistara pela sorte!
Desapareceu no oco do pau. A mulher e os cinco meninos, os vizinhos, os amigos de jogo, até o cachorro magérrimo chorava um ganido agoureiro com saudade do dono. Uma calamidade. A Polícia foi chamada a cair na procura do homem desaparecido. Mas, à exceção de quem escreve agora para contar o sucedido e o leitor, ninguém, àquela altura, sabia da versão verdadeira. Muitos levantavam suposições comprometedoras. Ele fugiu com alguém. Ou está quebrado, não pode pagar o que comprou e se furou pelo mundo para escapar de um processo judicial. Poderia ter ficado suspenso, temporariamente, das suas chamadas faculdades mentais, suponhamos. O trajeto foi a beira da linha do trem? Ninguém vira. Ou algum ônibus em direção ao Recife? Aqui tinha parente: um velho tio que morava sozinho em Encruzilhada.
Que nada! O telefonema atendido pelo tio de Alberico frustrou as expectativas. Não estivera por lá. E os dias completaram uma semana. Todos já davam por morto o tão estimado homem, um homem bom, ordeiro, trabalhador, honesto era ele. As lamúrias aumentavam, ao passo que os policiais iam afastando a possibilidade de encontrá-lo. Doido, sacudido por aí, desmoralizado, entregue à sarjeta. A voz de lamentação era uma, reuniões com novenas conduzidas aos pés da imagem de Nossa Senhora Desatadora dos Nós.
Quando todos não mais tinham esperança alguma, surgiu Alberico. Em frangalhos. Entrou calado, se deitou no meio da sala da choupana, e ergueu a cartela da sorte comprada na loteria. Foi isso, disse. Errei na conferência. Com a vista curta confundi um dos algarismos. Tive medo de ser furtado. Estive não sei onde. Rasgou com fúria o papel, único comprovante de sua riqueza que jamais viria. Voltou a despachar na bodega: ao assinar um documento, veio a notar que ele era “rico” só no nome: Alberico.