Lá naqueles tempos distantes de minha infância, uma ligação telefônica de onde eu morava, São José dos Campos, para São Paulo demorava algo em torno de quatro horas. Precisava pedir a ligação à telefonista e ficar esperando que ela conseguisse completar a chamada. Dava tempo de ir até à capital paulista, resolver o que se era para resolver, voltar e ainda haveria um tempinho de crédito, de sobra. A distância entre essas duas cidades, ao que me consta é de apenas 98 km. Mas as coisas naqueles tempos eram assim, parece que o mundo tinha menos pressa. E tinha que ter.
Não havia a tecnologia de hoje para acelerar o modo de vida de quem viveu a calma daqueles anos.
Não passaria pela minha cabeça de menino que hoje eu conversaria com um neto meu, distante que só, vendo a carinha desse meu interlocutor como tivéssemos frente a frente. Muito do que nos facilita a vida hoje, não passava de mera ficção lá nos meus verdes anos.
Ter um celular à mão, com essa penca de aplicativos, não dava para imaginar. Essa proliferação de “games” disponibilizados nessas modernas engenhocas e que hipnotizam as crianças, roubam-lhes horas e mais horas eu não imaginaria que um dia viria existir.
Mas o que me leva a pensar nessas coisas, aparentemente tão óbvias? Muito simples. Fiquei me imaginando, com sete ou oito anos e que um túnel do tempo me trouxesse para os dias de hoje. Como seria meu encantamento? De que tamanho? Não ia mais penar com a caligrafia, hoje pouco se escreve, digita-se. Não sofreria com a tabuada, há máquinas que fazem contas por mim, Dá para desconfiar que determinados conhecimentos tendem a desaparecer. Daqui a uns dez ou vinte anos, as escolas ensinarão a gurizada a fazer contas? Creio que não.
E quando jogassem um celular ou dessas suas versões mais modernas em minhas mãos? Não ia mais precisar ficar de joelhos para a telefonista completar a ligação para eu matar a saudade dos meus avós. Poderia falar com eles no momento que quisesse. Melhor, ainda, poderia vê-los em tempo real.
E fizéssemos exatamente o contrário? O túnel do tempo, ao invés de avançar, retrocedesse? Colocaria meu neto Miguel – o Migui – no alto de suas dez primaveras dentro de uma dessas engenhocas que povoam minha ficção e faria esse caboclinho viajar uns sessenta anos para trás.
Se estivesse por lá, conservando a idade que tenho, a primeira coisa que ensinaria era como fabricar uma pipa: papel celofane, as varetas de bambu devidamente trabalhadas, a rabiola em forma de corrente para dar estabilidade ao voo. Linha também era da marca “Corrente”, número 10, acomodada num pequeno e tosco aparelho, a carretilha. Depois esperar os ventos de julho para disputar com a garotada da rua aquela guerra no céu entre o nosso spitfire, contra toda a esquadrilha inimiga.
Ah, ensinaria a disputa com bolinhas de gude. Também como ajeitar aquela esfera de entre os dedos, usando o polegar como espécie de gatilho para imprimir força e velocidade durante as contendas. Sim, contendas, porque poderia se jogar “as brinca” ou “as ganha”. Mostraria como enrolar o barbante — a fieira — em torno de um pião e depois num gesto estudado fazê-lo girar cheio de bossa num chão de terra batida.
Não perderia uma matinê no Cine Santana. Assistiríamos a todos os episódios de “Os perigos de Nioka”. Veríamos Gregory Peck, Randolph Scott, Roy Rogers, Kirk Douglas, Alan Ladd. Tom Mix. John Wayne, essa turma toda contra aquele bando de índios, e de bandidos como Lee Van Cliff e Jack Palance. Trocaríamos gibis antes das matinês e lá estaria o Zé Pupu, nosso doido favorito, fantasiado de mocinho, todo paramentado da cabeça aos pés, inclusive com revólver de espoleta para disparar quando a fita mostrasse que mocinho era mocinho e bandido era bandido.
Jogariamos bola mesmo que chovesse. Os times eram escolhidos na base do par ou ímpar e as partidas não tinham tempo para terminar. Era na base do seis vira de doze acaba. Faltas eram marcadas no grito e precisavam ser falta mesmo e não esse não me toques, não me reles que a gente vê nos jogos da televisão. Não precisava de juiz. O time que tivesse o mais forte e destemido sempre estaria com a razão.
À saída das aulas podia acontecer uma briga. Os valentes ficavam frente a frente e o único round começava depois que alguém colocasse a mão entre os dois e dissesse; “Quem for homem cospe aqui”. Mas ninguém ficava inimigo de ninguém.
Ah Miguelito, se estivesse por aqui, iria para escola com óleo “Glostora” no cabelo e calçando “Vulcabrás”. Foi assim a infância do seu avô. Tínhamos mais tempo de ser felizes.