No dia em que aconteceu a mudança da estação do outono para o inverno, manhã cedinho, com o sol maneiro que iluminava o jardim de...

A roseira e o besouro

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No dia em que aconteceu a mudança da estação do outono para o inverno, manhã cedinho, com o sol maneiro que iluminava o jardim de nossa casa, um jardim pequeno, onde há flores e plantas suculentas, quando observava de perto uma roseira, inesperadamente surge um besourinho por entre as pétalas úmidas pelo orvalho.

Parei por um instante. Se não observei em longo tempo o visitante que agitava suas asinhas e pulava de uma pétala a outra, deixei que meu pensamento fosse até ao antigo jardim de nossa casa, em Tapuio, igualmente pequeno, cercado de vara para proteger de predadores e que também servia de suporte para as plantas que mamãe cultivava.

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José Nunes
O besouro, de cor preta, pequeno, mas ágil nas atividades de polinização, sequer notou a minha presença. Não me incomodei com isso. Estava a menos de meio metro da roseira. Fiquei quieto, tão estático que sequer respirava para evitar que o inofensivo inseto me percebesse e, incomodado, batesse asas e fugisse.

Quando eu tinha o olhar infantil, olhava feito bocó os besourinhos nas plantações do sítio. Eu ficava escondido durante horas como um tolo a observar as flores e os besouros na beira dos riachos.

Para alguns, olhar besouros é uma tolice, uma besteira, mas uns colecionam besouros, borboletas e objetos materiais em miniaturas. Outros borboleteiam como crianças inocentes.

Há besouros que, percebendo algum perigo, fogem. Pensando nisso, naquela manhã, fiquei quieto para não espantar o besouro em seu bailado. Estava contente, mas calado diante da roseira e do besouro. Silencioso como tantas vezes ficava no meu tempo de criança quando, cabisbaixo, andava pelos caminhos com as ventas levantadas, enquanto o vento batia na cara. Retirava folhinhas de árvore e mastigava. Gostava de estar assim, esquecido, percorrendo as capoeiras, com toda a fortuna da natureza perto. Nessas ocasiões, observava a transformação da natureza. Nem me dava conta, mas gostava desses devaneios.

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MS
Fico com Manoel de Barros, este poeta das pequenas insignificâncias, como costumava dizer, mas que na realidade carregam um conteúdo filosófico e poético revelador da alma humana: “A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado”. “Eu penso renovar o homem usando borboletas”. No meu caso de agora, naquela manhã ensolarada de mudanças das estações do ano, renovei-me quando olhava o besouro e a roseira.

Existe poesia nas pequenas coisas que a Natureza cria. Mesmo que seja um besourinho preto insignificante que recolhe o néctar das flores. Penso que o homem poderia mudar seu modo de olhar as coisas, se soubesse observar as roseiras, as borboletas e os besouros.

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MS
As flores que caem nos mostram sem alarde que somos frágeis. Às vezes não entendemos a nossa insignificância diante da exuberância de um inseto junto da flor. Não aprendemos a olhar, a sentir, a tocar e a admirar esses seres em seus silêncios e com eles, nos reconstruir.

Sócrates, Platão, Aristóteles, Jesus, Mozart, Francisco de Assis e tantos outros filósofos, poetas e pensadores souberam escutar o silêncio das flores e dos insetos inofensivos que povoam a terra, e propagaram seu fascínio poético a cada estação do ano. Por isso nos deixaram grandes lições e ensinamentos.

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  1. Parabéns ao amigo Zé Nunes que com muita sensibilidade esboça sentimentos tocantes do viver, enaltecendo a poesia nas pequenas coisas ,tornando-as val orosas

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