* Fascínio e desafios cercam o entendimento do universo pelo homem e quanto mais ele busca soluções para essas questões mais ele se ap...

A Ciência nos aproxima de Deus

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* Fascínio e desafios cercam o entendimento do universo pelo homem e quanto mais ele busca soluções para essas questões mais ele se aproxima de Deus. É assim que pensa o professor doutor Carlos Augusto Romero Filho, do Departamento de Física da UFPB. Em seu ambiente, ele nos recebeu para uma conversa sobre as origens do Cosmo, a evolução das teorias e a importância que muitos cientistas têm para explicar fenômenos que até hoje intrigam os homens. Para ele, a interface da Ciência com a Religião é muito delicada porque ao explicarem cada uma a seu modo o universo, o mistério desaparece.
(Luiz Carlos: Sousa)
Que bases a Ciência utiliza hoje para explicar nossas origens?
Carlos: Eu começaria com uma disciplina da Física chamada Cosmologia. É o estudo do universo como um todo. Até o final do século XIX e início do século XX achava-se que o estudo do universo como um sistema físico seria algo que estaria fora do alcance da Física. Havia questões que a Ciência da época jamais pensou em responder.

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Good Free

Que questões?
Carlos: Por exemplo: o universo é finito ou infinito? O universo é o mesmo, sempre existiu ou tem uma dinâmica, um movimento, evolui? O universo nasceu em algum momento no tempo ou sempre esteve presente?

Quando houve uma mudança de direção nessa ambição da Ciência de explicar o universo?
Carlos: Depois da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein – aliás, no ano que vem a teoria completará 100 anos e nós estamos programando uma conferência internacional em João Pessoa. A teoria trouxe uma concepção nova. Quando dizemos que a Terra atrai a Lua e faz com que ela fique em sua órbita, isso é uma ideia de Isaac Newton ou o movimento dos planetas em torno do Sol, por causa do campo gravitacional do Sol. Einstein revolucionou tudo isso.

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Antonio Manfredonio

O que ele propôs?
Carlos: O raciocínio dele foi muito simples: existem quatro interações fundamentais na Física – forte, fraca, a gravitação e o eletromagnetismo. No entanto, a força que realmente domina as grandes distâncias é a gravitação, portanto, a geometria. E aí ampliando o horizonte da relatividade geral para todo o universo, Einstein conseguiu formular o primeiro modelo cosmológico. Foi um marco para a Ciência.

Qual foi a revelação dessa descoberta?
Carlos: Era um modelo fantástico, primário num certo sentido, porque era um universo estático, que não evoluía, mas tinha novidades: era um universo que tinha espaço finito. Além do mais, era um universo em que não havia ainda essa ideia ainda do big bem (a grande explosão).

O que mudou da explicação de Einstein para o universo é essa teoria mais recente do big ben?
Carlos: Em 1922, cinco anos depois do anúncio da Relatividade Geral e quatro anos depois do modelo cosmológico dele, um físico russo, Alexander Friedmann resolveu as equações de Einstein e provou que o universo não está estático e poderia estar se expandindo. Einstein achava a ideia extravagante e a comunidade científica não deu muito crédito. O trabalho dele ficou mais ou menos ignorado até que, um padre belga, Georges-Henri Lemaitre, que estava nos Estados Unidos, soube da descoberta de um astrônomo norte-americano Edmundo Hubble.

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Que descoberta foi essa?
Carlos: Observando a Via Láctea, Hubble descobriu que quanto mais distante ela estava de nós, mais veloz se afastava. Ninguém sabia explicar isso. Foi então que Lemaitre, conhecedor do trabalho de Friedmann juntou as duas coisas e foi o primeiro que falou sobre a expansão do universo.

O que significa essa expansão?
Carlos: Não é que haja um vazio e a matéria vá se expandir. É o próprio espaço que se elastece, como se o espaço fosse uma espécie de borracha. Então, esse meio elástico vai se afastando e as galáxias todas se afastam umas das outras. Ora se isto está acontecendo agora, se você voltar no tempo, o que teria acontecido? As galáxias estiveram mais próximas e se voltar no tempo cada vez mais, elas estariam tão próximas que a densidade de matéria seria enorme, com temperatura extremamente alta e a matéria como nos conhecemos não era estável.

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Graham Holtshausen

Essa estabilidade quer dizer exatamente o quê?
Carlos: Quando se volta muito no tempo não é possível haver mais o átomo, porque para que ele exista é preciso certa estabilidade. Com a temperatura muito alta, as partículas se chocam umas com as outras e não é possível estabilidade alguma. Então, na década de 60, um russo chamado George Anthony Gamov começou a analisar quais as consequências de o universo ter tido uma fase quente. E essa fase quente, se se for voltando, se chegará a um momento em que o universo começou de um ponto, onde estaria tudo concentrado. E isso foi chamado de big ben.

Parece brincadeira com coisa séria...
Carlos: Foi um termo pejorativo. Um astrônomo inglês, chamado Fred Hoyle, que chamou de grande explosão, mas usou o termo pejorativamente para fazer gozação e acabou pegando. Então, nasceu a ideia de que o universo só teve um começo. Essa ideia foi muito fecunda porque a partir daí é possível se construir um resultado que considero fantástico: explicar uma série de observações.

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Fred Hoyle Hulton Archive

Quais observações?
Carlos: Por exemplo, por que no universo hoje mais de 90 % da sua matéria é constituída por Hidrogênio? Gamov e outros astrônomos começaram a descobrir que na verdade poderia se explicar o nascimento de todos os elementos químicos, ou seja, o nascimento da própria matéria, do átomo, de seus componentes prótons, elétrons e nêutrons. Esse é o ponto em que estamos na fronteira do conhecimento. Hoje há teorias muito curiosas que precisam explicar o nascimento da matéria, da luz, da radiação, de tudo. Isso, inclusive, faz parte de uma atividade de pesquisa que nós estamos desenvolvendo aqui no nosso grupo de pesquisa na UFPB. Estamos trabalhando no estudo teórico de como a gente pode deduzir das nossas observações hoje dos momentos mais iniciais do universo.

Houve realmente um marco inicial para o universo?
Carlos: Nós não sabemos se houve um ponto zero, mas estamos muito próximos dele. Hoje já há quem contradiga Einstein, como o físico português João Magueijo que propôs uma nova teoria chamada de teoria das cordas. A história da Ciência é feita de contradições. A Física é diferente da matemática. Quando se tem uma teoria na Matemática, aquilo é uma verdade eterna, mas na Física nenhuma verdade é eterna. Toda verdade na Física é provisória, nada é definitivo.

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João Magueijo London Imperial College

Qual a base filosófica dessa ideia?
Carlos: A ideia é a seguinte: a Física avança a partir de tentativas de erros. Então, se uma teoria é boa, ela funciona até o momento em que ela não for contradita por algum fato experimental. Como o mundo é muito complexo, esses fatos acabam sempre acontecendo. Hoje há algo que eu diria é quase um milagre: a teoria da mecânica quântica está resistindo fortemente aos desafios da experimentação, o que nos deixa perplexos. A Teoria da Relatividade Geral de Einstein, também.

E a Teoria das Cordas?
Carlos: O físico tem um pouco de artista. Os físicos consideram a teoria do ponto de vista da estética também. O Einstein, por exemplo, acreditava tanto na beleza matemática que descreve o mundo. Ele dizia: “O que é mais incompreensível para mim é que o universo seja compreensivo”. Compressível para os físicos significa que ele é suscetível de ser descrito por uma teoria matemática e que nós podemos fazer previsões.

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Albert Einstein 大金子儿

O que o senhor quer dizer com previsões?
Carlos: A Teoria Newtoniana é notável. Posso dizer a você que daqui a 35 anos haverá um eclipse da Lua e tal posição e tal horário. E essa previsão acontece. Sabe-se tudo. Então, compreender é poder prever. A teoria matemática que descreve o universo é de uma beleza fantástica. Nessa busca pela estética os físicos procuram o Santo Graal.

E o que seria o Santo Graal da Física?
Carlos: Uma teoria que unifique toda a Física. Ou seja, uma equação única. A primeira grande unificação foi com Isaac Newton, quando ele mostrou que a Física terrestre – a força que faz com que uma maçã caia no chão – é a mesma força que faz com que a Lua gire em torno da Terra. Ele uniu a Física celestial com a da Terra. Depois veio James Clerk Maxwell, no século XIX, e mostrou que a ótica, o magnetismo e a eletricidade são a mesma força, o eletromagnetismo. Propôs um conjunto de equações que explicam todos esses fenômenos.

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Isaac Newton

E Einstein, como entra nessa evolução?
Carlos: Ele fez a gravitação se unir à geometria. Esses físicos que construíram a Teoria das Cordas, a principal motivação deles é buscar uma teoria que unificasse a gravitação, o eletromagnetismo e as forças nucleares. É uma tarefa muito árdua. Para fazer isso eles tiveram que fazer certas hipóteses que pra gente podem parecer um pouco estranhas.

Por exemplo...
Carlos: A ideia de que o universo possa ter mais dimensões do que nós percebemos. Nós temos três dimensões no espaço – comprimento, largura e altura – e a dimensão do tempo. A ideia é que haveria dimensões extras que não conseguimos observar. Eles começaram a trabalhar e conseguiram resultados muito interessantes, por exemplo, conseguiram a teoria de que aparentemente, há uma unificação matemática. E aí a ideia de Maguejo, talvez seja um pouco nesse sentido. Isso, por enquanto é uma conjectura, uma linha de pesquisa que compete com outras linhas. Não é definitiva.

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Aldebaran S

Essa descoberta do “bóson de Higga”, ou “partícula de Deus” como foi chamado, representa o que nessa caminhada em busca da explicação do universo?
Carlos: Esse se insere muito bem no que acabei de falar sobre a busca pela estética nas leis da natureza. Hoje há uma teoria em que três das interações fundamentais foram unificadas, menos a gravitação – essa é mais rebelde. Essa teoria prevê um fenômeno muito curioso: uma grande questão que os físicos se fazem é: por que a massa do elétron, do próton e do nêutron têm valores diferentes? Na teoria proposta por Higgs há uma explicação muito bonita de como é que todas as partículas adquiriram a massa que têm. E essa massa viria de um campo fundamental – campo escalar ou campo de Higgs.

O que significa esse campo de Higgs?
Carlos: Por um mecanismo físico muito curioso, antes, no universo primordial não havia partículas elementares como nós conhecemos. Havia o campo de Higgs. E há quem especule que esse campo de Higgs estaria na origem de tudo. Essa partícula tem uma massa muito grande e só poderia ser descoberta em processo de altíssima energia, o que naturalmente existiu no universo primordial.

E que não existe mais hoje em dia...
Carlos: Exatamente. A maneira que os físicos procuram reproduzir as condições foi em laboratório, através de um Acelerador de Partículas muito possante fazendo com que prótons se choquem numa velocidade altíssima, próximo da velocidade da luz. Nesse instante haveria a possibilidade de aparecer o Higss. Construiu-se o LHC na Europa. Houve problemas no início, mas a teoria era muito bela para não ser verdade. Finalmente, em 2012 foi descoberto o “bóson de Higgs” e não há dúvidas de que seja ele.

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Acelerador de Partículas LHC (Genebra) USP

Há espaço para a religião nessa Ciência toda?
Carlos: É uma questão delicada essa interface da Ciência com a Religião. No momento em que a Ciência tornou-se uma atividade experimental com Galileu e começou a descrever o universo usando leis matemáticas, o que dava centro controle ao homem de fazer previsões, isso fez com que a Ciência se libertasse – não no sentido pejorativo – da alçada dos dogmas. A Ciência não aceita dogmas.

Aliás, ela procura quebrá-los...
Carlos: No momento em que a Ciência começou a explicar racionalmente, usando as leis matemáticas os fenômenos da natureza, a hipótese da existência de Deus, de um Criador, deixou, estritamente falando, de ser necessária. O astrônomo francês Pierre Simon Laplace dizia ao ser perguntado sobre Deus: “Não preciso dessa hipótese”. As leis da natureza podem ser compreendidas sem necessitar de um ente fora do universo, transcendente, que seja responsável por tudo.

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Juanita Swart

E o fascínio pelo mistério?
Carlos: É o outro lado. O homem sempre se curvou diante da existência. O filósofo alemão Martin Heidegger dizia “que o problema fundamental da existência humana é por que as coisas existem de preferência ao nada?” Porque nós estamos aqui? Por que existe isso tudo? Não seria muito mais simples se não existisse nada?

E como ele respondeu a essas questões?
Carlos: A metafísica dá uma explicação para isso filosófica e a religião também. Mas ele dizia o seguinte: “quando essas explicações são dadas o mistério desaparece, a fascinação desaparece”. Se você me explica que essa coisa maravilhosa que é o universo com uma teoria ou com a religião, aquela coisa deixou de ser um mistério. A Religião destrói esse mistério ao trazer uma explicação pronta e, por outro lado, acho que todo cientista quanto mais se aproxima da descoberta científica – o próprio Einstein dizia: “a cada nova descoberta da Ciência me aproxima de Deus”. O mistério da existência, a fascinação com o mundo, como o universo criam em nós o sentimento de êxtase que se quiser pode chamar de elemento divino. Mas tudo isso são questões muito pessoais. Os cientistas são homens e cada homem tem sua maneira de perceber as coisas. Eu ficaria com a frase atribuída a Louis Pasteur: “pouca Ciência afasta o homem de Deus, muita Ciência O aproxima”.

(Entrevista concedida pelo professor Carlos Romero Filho (UFPB) ao jornalista e escritor paraibano Luiz Carlos Souza)

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