Em janeiro de 1640, a poderosa armada luso-espanhola comandada pelo Conde da Torre e uma esquadra holandesa que fora reunida às press...

Um paraibano no centro da articulação da insurreição contra os holandeses

brasil holandes paraiba vidal negreiros
Em janeiro de 1640, a poderosa armada luso-espanhola comandada pelo Conde da Torre e uma esquadra holandesa que fora reunida às pressas por Maurício de Nassau se confrontaram em quatro grandes batalhas entre Itamaracá e o Rio Grande do Norte, sendo que dois desses combates ocorreram no litoral da Paraíba. O regime dos ventos na região, naquele tempo de naus a velas, atuando com mais rigor sobre o tipo de embarcações que eram utilizadas pelos ibéricos, foi o maior responsável pelo desmantelamento da armada do Conde da Torre e pela consequente vitória dos batavos nos combates, triunfo que Nassau atribuiu à Providência Divina:

“Não temos penetração bastante para atinar com todas as sortes de meios de que o Senhor Deus se servio para abater o orgulho hespanhol e a sua armada, que supunha levar tudo de vencida”.
Batalha naval entre a frota neerlandesa e galeões espanhóis
Ao tempo que as armadas guerreavam no mar, um grupo de guerrilheiros comandados pelo paraibano André Vidal de Negreiros incendiava canaviais e atacava engenhos na Capitania da Paraíba numa ação planejada que visava afastar as tropas holandesas do litoral, para facilitar um possível desembarque das forças do Conde da Torre. Em correspondência enviada à Holanda, Nassau relatava as investidas de André Vidal à Paraíba, o que mostra que, naquela ocasião, Vidal já era um comandante militar destacado e que merecia referências nos documentos dos flamengos:

brasil holandes paraiba vidal negreiros
Maurício de Nassau
“A 19 de Janeiro recebemos noticias da Parahiba ácerca de Vidal. Tendo elle sabido, quando a armada hespanhola alli pairava, que a nossa companhia de soldados, postados em Frederica (cidade da Parahiba) seguira para o littoral afim de reunir-se á guarnição dos fortes e impedir o desembarque, si o inimigo o tentasse naquella paragem, arrojou-se a entrar pela segunda vez na capitania e desta feita causou grande damno e queimou quase todos os cannaviaes. Resolvemos mandar immediatamente para lá o capitão da guarda Charles de Tourlon com cerca de mil homens, tanto soldados como indios, para livrar a capitania de novos damnos e ver se apanhava Vidal em alguma parte”.

Em resposta à ação de Vidal de Negreiros, Nassau mandou afixar editais “nas portas das freguesias” nos quais, segundo Frei Manoel Calado, prometia “dois mil florins de prêmio, e perdão de quaisquer crimes que tivesse, a quem lhe desse a cabeça do Capitão André Vidal, ou o matasse”. Ao saber da deliberação de Nassau, Vidal de Negreiros, ainda segundo Frei Manoel Calado, que foi contemporâneo dos fatos, fez afixar nas portas das igrejas outro edital com as seguintes palavras:

“André Vidal de Negreiros Capitão da Infantaria d’El-Rei de Portugal meu senhor, por este crédito por mim assinado, prometo seis mil cruzados em ouro, pagos à vista, a quem me trouxer a cabeça de João Maurício Conde de Nassau, ou me fizer certo como o matou”.
brasil holandes paraiba vidal negreiros
F. Post, 1647
Embora as forças de resistência luso-espanholas que eram comandadas pelo napolitano Conde de Bagnuolo tivessem sido afastadas, em 1637, das chamadas Capitanias do Norte não cessaram as “correrias” de grupos de guerrilheiros, que eram chamados campanhistas, atacando engenhos e incendiando canaviais na região. Segundo Evaldo Cabral de Mello, “a Paraíba parece, aliás, ter sido mais duramente castigada em 1637, Sebastião do Souto queimara ‘todas as canas’ da capitania, ‘dizendo que nem para semente ficavam’, além de 20.000 pães de açúcar e cerca de 50.000 quintais de pau-brasil. Em 1640, a entrada de Vidal de Negreiros em sua terra natal destruiu 7/8 das canas a serem colhidas naquele ano e dois armazéns de açúcar”.

A vitória da armada batava sobre a do Conde da Torre, que ocorreu na segunda quinzena de janeiro de 1640, não arrefeceu a ação dos campanhistas nos ataques a instalações e canaviais da região.
brasil holandes paraiba vidal negreiros
F. Post, 1647
Em duas das suas obras sobre o Brasil holandês, Evaldo Cabral de Mello se refere à iniciativa tomada por Nassau de procurar o apoio dos proprietários e senhores de engenhos da região convocando-os para uma Assembleia com o objetivo de discutir providências para fazer frente às ações dos guerrilheiros:

“Para resistir aos campanhistas, Nassau procurou obter o apoio da comunidade luso-brasileira, majoritariamente residente no campo, mediante a convocação de uma assembleia [...] A eficácia das entradas, perturbando a normalidade do sistema produtivo durante cinco anos, foi o verdadeiro motivo da convocação da Assembleia de 1640, com a qual Nassau visou sobretudo obter a cooperação dos senhores de engenho no combate aos incendiários”.

A Assembleia aconteceu no Recife no final de agosto de 1640, durou cerca de uma semana e contou com 56 participantes luso-brasileiros, escolhidos pelo governo batavo entre pessoas destacadas dos distritos. A Paraíba teve dois representantes, um deles o já octogenário senhor de engenho Duarte Gomes da Silveira. Frei Manuel Calado, com a sua verve característica narrou o ambiente da reunião:

brasil holandes paraiba vidal negreiros
“E assim mandaram chamar as pessoas mais nobres e graves de toda a capitania, de cada freguesia [...] se ajuntaram todos em cabido na mesma sala. E cada um dos portugueses propôs as necessidades que havia nos distritos onde moravam e as coisas que eram necessárias para o bom governo e quietação da terra [...] Em resolução, ouvidas todas as petições e razões de todos os portugueses ali congregados, à sombra dos frascos de vinho e cerveja que andavam fazendo salva aos que tinham sede, assentaram umas capitulações para se guardarem de uma e outra parte, sem dúvida nem quebrantamento”.

Uma das principais reivindicações apresentadas na Assembleia pelas representações dos distritos foi o pedido para a liberação da realização de atos religiosos fora do ambiente das igrejas, o que foi de pronto negado pelo Supremo Conselho holandês, o que demonstra que era bastante restrita a tão apregoada liberdade religiosa que era permitida pelos batavos. Foram generalizadas na Assembleia as queixas com relação à atuação dos famigerados escoltetos (uma espécie de cargo policial criado pela administração neerlandesa), tendo a Câmara da Paraíba enviado petição na qual requeria que o cargo fosse extinto, propositura que foi, obviamente, desconsiderada. As deliberações mais importantes concedidas pelos holandeses ao final do conclave foram mesmo as que tratavam da defesa contra ataques dos campanhistas, que fora a razão da realização da própria Assembleia, e uma determinação para coibir abusos e transgressões dos escoltetos e dos oficiais de milícias batavos.

brasil holandes paraiba vidal negreiros
Mauritsstad (Cidade Maurícia), atual Recife, em gravura de Frans Post, 1647
Para Evaldo Cabral de Mello, embora alguns autores que escreveram sobre o período nassoviano tenham visto “apressadamente na assembleia de 1640 um esboço de um sistema representativo, que Nassau teria tentado implantar” no Brasil holandês, essa visão não é correta, porque, em sua opinião, a Assembleia, teve uma participação limitada de luso-brasileiros, que eram “indicados pelo governo, seja devido á sua condição de escabinos, seja à sua posição de notáveis nos distritos rurais”, e, além disso, “as propostas formuladas ficavam na dependência da aprovação das autoridades neerlandesas”.

Embora os holandeses procurassem adotar providências para debelar a ação dos guerrilheiros contra engenhos e canaviais, foi mesmo um fato que ocorreu fora do Brasil que veio a alterar, radicalmente, a situação do chamado Brasil holandês.
D. João IV
Em Lisboa, no primeiro dia de dezembro daquele mesmo ano de 1640, um golpe de Estado contra o domínio espanhol em Portugal levaria o Duque de Bragança (descendente do antigo rei D. Manuel) ao trono português com o titulo de D. João IV, encerrando um período de sessenta anos em que Portugal foi governado por reis castelhanos, todos com o nome de Filipe (II, III e IV).

Essas seis décadas (1580-1640) nas quais todo o Império português ficou sob o domínio da Espanha são de grande importância para história da Paraíba, o que pode se demonstrar por alguns fatos. Em 1584, uma armada comandada pelo espanhol Diego Flores de Valdés conseguiu afastar das terras próximas à barra do rio Paraíba traficantes franceses de pau-brasil que, há anos, atuavam na região com o auxílio dos Potiguara. Na margem esquerda do rio, Valdés construiu a primeira edificação da Paraíba, o Forte de São Filipe e São Tiago. No ano seguinte, foi iniciada a construção do Forte do Varadouro, que foi o marco inicial para o surgimento da Cidade de Nossa Senhora das Neves e para a ocupação de terras nas várzeas do rio Paraíba destinadas à produção do açúcar. Foi durante o governo castelhano que surgiu a Capitania da Paraíba, capitania pertencente à Coroa, em terras que foram subtraídas da Capitania de Itamaracá, que era uma capitania privada. E foi durante o domínio espanhol que os holandeses, após duas tentativas frustradas, conquistaram a Paraíba, onde ficaram por cerca de vinte anos.

brasil holandes paraiba vidal negreiros
Mapa da zona litorânea das capitanias da Paraíba e do Rio Grande do Norte, elaborado pelos neerlandeses, Séc. XVII
São várias as explicações para a rebelião, de inspiração aristocrática, que restaurou, em dezembro de 1640, a independência de Portugal. Para Joaquim Veríssimo Serrão, não pode ser ignorado “o condicionalismo social que conduziu à Restauração como processo movido pela nobreza [...] Causas econômicas houve-as, sem dúvida, mas não cremos tão pouco que fossem determinantes para a eclosão do movimento”. O levante contra os espanhóis em Portugal foi possível, segundo o respeitado historiador português, “porque correspondia ao sentimento de apego à independência que 60 anos de governo estranho não tinham apagado”.

brasil holandes paraiba vidal negreiros
Capitanias de Pernambuco e Itamaracá
A restauração da independência portuguesa fez com que Portugal e os Países Baixos voltassem a ter as mesmas relações amistosas que haviam mantido antes da instauração, em 1580, da chamada União Ibérica, durante a qual o trono português foi ocupado por um monarca espanhol. Antes de 1580, capitais neerlandeses participaram do financiamento da produção açucareira no Nordeste brasileiro e comerciantes batavos, alguns deles judeus de origem portuguesa, estiveram envolvidos com a comercialização do produto na Europa. A nova situação política de Portugal alteraria, também, a situação do Brasil holandês. Para Evaldo Cabral de Mello, a restauração da independência de Portugal “mudou radicalmente a situação do Brasil holandês, transformando Portugal e os Países Baixos em potenciais aliados contra a Espanha”.

brasil holandes paraiba vidal negreiros
Frontispício do "Trattado das Treggoas" (Haia, 1641) na versão para a língua portuguesa
Em junho de 1641, portugueses e neerlandeses assinaram, em Haia, um “Trattado das Treggoas e suspensao de todo o acto de hostilidade ebem assi de navegaçao, Comercio ejuntamente Soccorro”. A primeira cláusula do tratado de trégua estabelecia a imediata suspensão de hostilidades entre Portugal e os Países Baixos “nos lugares de Europa ou em qualquer parte situados”. Mas, não foi bem o que ocorreu no Brasil holandês no transcorrer daquele ano de 1641.

A notícia da restauração da independência de Portugal só chegou à Bahia, cerca de dois meses depois do acontecimento, em fevereiro de 1641. Maurício de Nassau, ao tomar conhecimento da restauração da independência portuguesa, promoveu, no Recife, festividades públicas para comemorar o restabelecimento da amizade entre portugueses e holandeses. Mas, sorrateiramente, Nassau atuava de outra forma. Apesar de ter sido firmado no mês de junho de 1641, o tratado de trégua somente foi ratificado em Lisboa no mês de novembro do mesmo ano. Aproveitando-se dessa falta de formalização do termo, Maurício de Nassau, segundo Evaldo Cabral de Mello, incitado pela direção da Companhia das Índias Ocidentais e “abusando dos ajustes para a mútua cessação das hostilidades”, conforme escreveu o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, aprontou, apressadamente e de forma ardilosa, expedições neerlandesas para conquistar territórios portugueses. Sergipe, Maranhão, São Tomé e Angola, foram sequencialmente atacados naquele ano e passaram para o domínio flamengo.

brasil holandes paraiba vidal negreiros
Angola sob o domínio neerlandês, Séc. XVII
Segundo Varnhagen, no caso da expedição dos holandeses contra Angola, foi assegurado “mentirosamente aos nossos emissários que viam partir a frota, que ela era destinada a atacar, nas Índias Orientais, o inimigo comum”. A atitude desleal de Nassau nesses ataques a possessões de Portugal quando já existia uma trégua para cessar as hostilidades com os portugueses, embora ainda não ratificada, recebeu o seguinte comentário de Varnhagen: “a história, mestra da vida e conselheira dos povos [...] não pode deixar de reprovar tão feio proceder que veio a dar motivo para justas represálias”.

Com essas anexações de territórios portugueses, segundo Evaldo Cabral de Mello, “Nassau, ao final de 1641, governava o litoral brasileiro do Maranhão ao rio Real, e controlava a mais valiosa fonte de mão-de-obra escrava no Atlântico sul”, mas acrescentava que as conquistas que Nassau realizou no ano de 1641 acabariam tendo, com a restauração de Portugal, outras implicações:

A longo prazo, contudo, a restauração portuguesa agravará o contencioso colonial, em face do propósito de D. João IV de reaver as colônias ultramarinas perdidas no decurso da dominação espanhola, e do desígnio da WIC (a Companhia das Índias Ocidentais) e da VOC (a Companhia das Índias Orientais) de conquistarem novas possessões antes da ratificação do tratado de aliança que iria ser negociado em Haia”.
brasil holandes paraiba vidal negreiros
Principais rotas da Companhia das Índias Ocidentais, Séc. XVII
Jacobs, 1646 ▪ Scheepvaartmuseum, Amsterdã
Para Evaldo Cabral de Mello, o projeto de reconquistar o Nordeste brasileiro passou a ser ventilado em Lisboa, no final de 1641 para o começo de 1642, quando se tornou evidente que não seria possível reavê-lo pela via diplomática. Como Portugal estava envolvido na guerra de independência contra a Espanha, a reconquista do território nordestino teria que ser feita por meio de um plano de uma insurreição das forças locais. O novo governador-geral designado para o Brasil, Antônio Teles da Silva, viajou para a Bahia com “instruções para ver o que se podia fazer” e, ainda nas palavras do historiador pernambucano, “na companhia do novo governador-geral, viajará o sargento-mor André Vidal de Negreiros, veterano da guerra, que se tornará um dos articuladores do plano”.

Conforme afirmou Francisco Varnhagen, com fundamento em documentos oficiais, Vidal de Negreiros achava-se em Lisboa quando, nas vésperas de retornar para o Brasil acompanhando o novo governador-geral, “o Rei D. João lhe fez pessoalmente promessa de lhe dar o governo do Maranhão”, caso o Nordeste fosse reconquistado pelos portugueses (o que viria a se confirmar). Este fato demonstra a importância do paraibano André Vidal de Negreiros na liderança da insurreição que rebentará contra os batavos, o que fez com que Varnhagen o considerasse “a alma” da rebelião, como, depois, ficará comprovado pela sua valiosa participação tanto nas articulações como nas lutas do movimento insurrecional libertador do Nordeste brasileiro.


COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Mais uma contribuição para a divulgação em alta qualidade de nossa historiografia. Parabéns.

    ResponderExcluir

leia também