"Os melhores livros são aqueles que os leitores gostariam de ter escrito"
Blaise Pascal (1623-1662)
Está aí um livro que eu gostaria de ter escrito. Pelo menos o li, o que já é um consolo. Não sei se poderia chamar de uma novela, de um livro de crônicas, quem sabe até de um romance. A autora dá um tom inédito à forma e ao estilo. São 26 relatos de 25 mulheres, cada uma com uma história para contar. Uma história de mulher.
Sempre achei natural um autor dividir seu livro, quando se trata de um romance ou de uma novela, em capítulos. Acabo de ler um que não é bem assim. É um livro dividido em mulheres. Não é inusitado? Vinte e cinco, se contei certinho. Lá no começo e no final você pode encontrar Mariquinha com seus 77 e no meio dessa verdadeira novela da vida como a vida realmente é, pode descobrir Juliana pelejando no mundo com seus 11 aninhos que não arriscaria dizer bem vividos.
Quem são essas mulheres? Você pode encontrar uma dona casa, a Anita, a Laura que é funcionária pública, lá está também Wanderleia que tem nome de cantora, mas é médica. Rosa é professora e Petrúcia é operadora de telemarketing. Não vou citar aqui cada uma delas, mas confesso que as conheci, todas as vinte e cinco e cada uma delas obrigou-me a uma reflexão.
Essa obra cativante é da lavra de Cibele Laurentino que relata não só formas diferentes de agredir, subjugar ou humilhar uma mulher, mas em cada mulher, o encontro com si mesma. Não esperem uma linguagem eivada de ódio ou vingança. A linguagem é um sopro de esperança como que cada uma dessas mulheres dissesse: Fique alerta, conheça a si mesma e se for o caso vença por mim.
Cibele trouxe a dor, a dúvida, a angustia e algumas vezes descobertas de cada uma delas para si, como fosse a depositária desses descaminhos que muitas são forçadas a trilhar e mesmo as dúvidas que se acomodaram no coração de algumas delas. Tomou para si todas as dores e questionamentos espalhados nas 146 páginas dessa obra cativante. Daí, o título: “Todas em mim.”
Cada uma das personagens certamente remete o leitor a algo que tenha presenciado ou que tenha sido de seu conhecimento. O que Cibele relata, é fruto apenas de sua imaginação prodigiosa, ou são coisas que sabemos vivem acontecendo por aí? Ainda podemos ver por essas brenhas de mundo a mulher que tem medos impensáveis numa sociedade contemporânea. Não é tão incomum como possam pensar.
É com muita sutileza que a autora permite às personagens a busca do autoconhecimento.Trata a sexualidade de forma natural e quase divertida como caso de Vera Fisher, não a que você lembrou, mas uma clarinha, albina mesmo, que tomou umas e outra e deu um pega bem dado em uma colega do marido.
Interessante é que não se trata de um livro “anti-homem”, mas de um libelo à liberdade feminina que avançou nessas últimas décadas, no entanto, convenhamos que ainda não é plena. Há passos a serem dados. Voltando a alguns detalhes que me chamaram encontrei lá pela página 75, o agressor de Juliana de 11 aninhos, nossa caçula do livro, não é como seria natural supor o pai, mas não. E aí é difícil não se emocionar com a carga de ternura que a autora coloca no coração dessa personagem.
O livro começa e termina na BR 101, km 125, aqui na Paraíba, no restaurante de Dona Mariquinha, foi ela “quem ouviu” as histórias dessa mulherada. Colocou nas mãos de Cibele a tarefa: “Vou escrever sobre sua alegria, seu sorriso, sua esperança, vou falar do seu amor, da sua vida”. E falou.
Não é justo eu ficar aqui, dando os famosos “spoilers”.Vou deixar meu convite a essa leitura gostosa, sem ranços de espécie alguma. Foi o que fiz numa tarde de chuvosa de sábado. Terminada a leitura, lá na segunda orelha do livro encontrei a autora deixando um sorriso como fosse um pedido de dona Mariquinha. Acho que foi isso mesmo.