Ah, esse ar de turista. Um jeito de quem não está nem aí… E não está mesmo. O mundo que ele percorre é outro, bem distinto do que a história soterrou.
Torres, arcadas, câmaras suntuosas onde reis dormiam com suas esposas – e, em não menos luxuosos anexos, com as belas concubinas – já não são os mesmos de outros tempos. Falta o que lhes dê vida.
Torres, arcadas, câmaras suntuosas onde reis dormiam com suas esposas – e, em não menos luxuosos anexos, com as belas concubinas – já não são os mesmos de outros tempos. Falta o que lhes dê vida.
São imagens descarnadas, esqueletos preservados para a contemplação nostálgica (por vezes indiferente) dos que querem escapar ao cotidiano enchendo os olhos com outros espaços. A tudo o turista olha com um enlevo dúbio, misto de admiração e exaspero (por que se tem de enfrentar tantas filas?).
Pudessem os que viveram naqueles tempos contemplar o futuro, ficariam pasmos com toda essa curiosidade pela existência trivial ou aborrecida que tiveram (mas como saber do tédio das cortes? ou dos riscos embutidos na opressão da plebe? ou do medo contagioso de doenças que não podiam conhecer?).
Tudo muito parecido com hoje – só que mais bonito! Bonito! Dessa beleza que a distância e o mistério imprimem ao que se desfez no passado. Ou que permanece intacta por já não existir o que a tisnava com a mancha da injustiça ou do opróbrio. Mas nisso o turista não quer pensar – do contrário, não seria turista. Depois de um longo périplo, e de tantas fotos, ele rumina com um prazer muito pouco espiritual o variado café da manhã que no dia seguinte tomará no hotel.
Em seguida irá às compras com uma convicção proporcional aos apelos que lhe são feitos no mundo de hoje. Ninguém pode, afinal de contas, escapar ao seu tempo. E na viagem o que importa mesmo é a bagagem de volta.
Millôr escreveu que turismo é prostituição, referindo-se certamente à penetração de estranhos em lugares com os quais não têm nenhuma afinidade. As atrações lhes são oferecidas por um bom dinheiro. Devem então se mostrar pródigos também nas compras e nas gratificações – o que não é de todo ruim pois faz marchar a economia, que é a matriz de tudo.
A viagem permite que a gente sinta como andam as coisas lá fora. E não estão muito diferentes daqui. As TVs mostram violência e corrupção, que parecem a tônica do capitalismo moderno. Já os radinhos de pilha dos motoristas de táxi, complementando o noticiário, dão conta do ânimo do povo.
Numa das corridas que fizemos, um motorista lisboeta criticava a ação dos políticos locais e, um tanto exageradamente, atribuía aos brasileiros a responsabilidade por parte da roubalheira que havia por lá. Senti-me desconfortável, e não sei se o acréscimo que ele fez melhorou ou piorou o meu estado de espírito: “Fomos nós que ensinamos os brasileiros a roubar. Agora estamos pagando por isso.”
Eventos como esse não mascaram a poesia e a gratuidade que existem em viajar, romper as amarras da rotina, adentrar outras geografias e espreitar no rastro do tempo um presente perdido, que amanhã será o nosso.