Que causa mais repulsa em você: bandidos fortemente armados explodindo caixas eletrônicos e empresas de vigilância privada ou crimes de desvio de dinheiro público? Qual dessas condutas é menos nociva a seus olhos? Talvez venha à tona a velha estória do ovo e da galinha...
Em que pese vivermos em uma sociedade em que o nível educacional ainda é bastante baixo, está ocorrendo uma lenta mudança de paradigmas, em decorrência da influência exercida pela mídia e pelas redes sociais na população de um modo geral. É claro que os pequenos crimes que atentam contra o patrimônio (assalto à mão armada para subtrair um celular, furto de uma bicicleta), por exemplo, ainda causam enorme repulsa à sociedade. Boa parte deles ocorre pela ação de pessoas que têm um baixo poder aquisitivo. E há outras espécies de crimes perpetrados por grupos armados com maior grau de organização e logística, presentes nos questionamentos da abertura do texto.
Por outro lado, os crimes de colarinho branco, lavagem de dinheiro, corrupção passiva, estelionato e fraudes contra o sistema econômico e financeiro, entre outros, estão, todavia, chamando mais a atenção da população, visto que há, nos dias de hoje, uma circulação maior da informação acerca desses crimes em redes sociais, internet, televisão etc.
A Operação Lava Jato é o exemplo mais conhecido e atual disso: ao mostrar uma espécie de corrupção que se entranha em boa parte do meio político, acabou por tornar-se bastante popular e visível em diferentes camadas da sociedade. E frise-se que, no caso desta operação em especial, todos os envolvidos deveriam ter sido julgados e punidos, independentemente do viés ideológico de cada um, isto é, não deveria ter havido sectarismo político influenciando as investigações. O tempo provou que houve muitas falhas na operação, bem como má vontade de quem julgou em última instância, para dizer o mínimo. A maioria dos investigados hoje está livre, ao passo que alguns membros da operação seguiram carreira política.
A problemática também possui um viés cultural e antropológico muito contundente: em países do Primeiro Mundo, onde o sentido de coletividade é maior, os crimes que atingem de forma frontal o Estado, visto que causam desvios de recursos públicos, causam um sentimento maior de repugnância nos membros do estrato social – vide o exemplo recente da Islândia, onde 29 banqueiros foram presos por escândalos de corrupção, sendo a classe política de lá também atingida.
No Brasil e em países que ainda não chegaram a um grau elevado de desenvolvimento, crimes que atingem o “microcosmo social”, como o homicídio, o roubo, o estupro, ainda provocam uma repulsa social e, por consequência, a “identificação” ou “individualização” do criminoso como tal, por assim dizer. Já a corrupção, estelionato, fraudes e outros crimes de natureza intelectual que atingem o “macrocosmo social”, por serem mais sofisticados, acabam não sendo absorvidos como criminosos – na acepção real da palavra - por todos os setores da sociedade. Leve-se em consideração, bem assim, que tais condutas são levadas a cabo por indivíduos, na maioria dos casos, bem vestidos e com um nível educacional mais elevado que pessoas que praticam crimes contra o patrimônio ou contra a vida. Será que esses crimes causam o mesmo asco nas pessoas?
Por óbvio, todas as ações delituosas devem ser punidas. A persecução penal deve ser ampla, sem seletividade. Havendo o ilícito, o Estado deve combatê-lo. No entanto, que crimes têm consequências mais nefastas para todos? Fica o questionamento inicial: que crimes lhe causam mais repulsa?