Muito difícil encontrar alguém tão conscientemente provisório como eu. Ainda jovem entendi que quanto mais possuímos as coisas, mais somos possuídos por elas. Talvez a primeira vez tenha sido quando fui buscar com meu amigo Luiz Carrilho Neto o primeiro Puma que chegava na Paraíba. Era lindo; conversível, todo branco por dentro. Lembro que subíamos da lagoa em direção à praia quando ao lado do Liceu um Jeep velhíssimo abalroou o sonho da vida de qualquer jovem e destruiu completamente a traseira do Puma. Desceram 2 bêbados sem a menor noção do valor do prejuízo e um deles mandou: “— Probrema não, miníno. Passa lá na oficina de Alipito que nóis conserta”.
Dali em diante a vida me presenteou com todas as possibilidades de aprendizado da lição. Cito apenas uma delas para seguir adiante. Depois de 25 anos exercendo a melhor profissão do mundo, filho de rico, meus pais inventaram de perder tudo e do dia pra noite adeus carros e motos importados, viagens à Europa, apartamento no Rio de Janeiro e otras cositas más. Tive que estudar direito para defender toda a família, que não tinha grana para contratar um advogado e todos os dias ia à U.F.Pb. de ônibus. Enquanto esperava o coletivo, cansei de ver muitos que se diziam meus amigos passarem em seus carros fingindo que não me viam. Tempos depois todos os bens foram perdidos, se bem que tenhamos conseguido empurrar as execuções por muitos anos. Eram dezenas de imóveis valiosíssimos.
Em mim aquilo sempre tocou fundo. Na mansão dos meus pais haviam-se hospedado dois Presidentes da República, todos os artistas e vips que visitaram a Paraíba e por conta de uma maxidesvalorização da moeda eles perderam tudo. Decidi que jamais teria alguma coisa que pudesse ser tomada ou destruída, e passei a valorizar unicamente minhas amizades. Cargos e títulos não me tentam e a grana é toda para gastar e dar gorjetas, ajudando os que precisam sempre que posso.
Por isso é que sou absolutamente provisório. Quando viajo compro camisetas de 1 ou 2 euros, uso e depois presenteio os sem teto locais.
Não consigo entender como as pessoas compram obras de arte e guardam em suas casas para seu exclusivo desfrute. Uma obra de arte é o presente que Deus dá à humanidade através do talento que distribui para poucos privilegiados. Na administração do meu (fraco) juízo, eu entendo que quem tem condições deveria adquirir essas obras e doar cada uma delas a museus para que todos pudessem admirá-las, ressalvado o direito do doador de admirar sua doação sempre que quisesse, apondo-se ao lado do quadro ou escultura o nome desse benfeitor para massagear seu ego e incentivar novas doações.
Sabe aquela coisa de guardar o melhor para dias especiais? Lá em casa sempre foi dia especial. Sei lá quantos dias ainda terei... .