O caminho do rio sempre esteve presente na minha imagem de criança, ver o rio e observar o mar.
Juca Pontes
Juca Pontes
O que é o sonho, senão o desejo imponderável de alçar voos? O gesto desafiador em desenhar infinitos horizontes. A incontida voz que não descansa enquanto não alcança os amplos ventos do tempo.
Juca Pontes, A marca do tempo
Juca Pontes, A marca do tempo
Quando me convidaram para escrever esse perfil, do amigo Juca Pontes, fiquei muito honrada, mas também insegura. De pronto quis pedir uma conversa com os seus/meus amigos: Flavio Tavares, com Gonzaga Rodrigues, ou com o seu irmão de afeto, Martinho Moreira Franco (in memoriam). Deixei Gonzaga com as suas saudades; liguei pra Flavio, e com Martinho, conversei pelas nuvens. Sempre ouvi o nome de Juca me rodear os ouvidos. Trabalhei no Centro Administrativo (área cultural), no final dos anos 70 e o talento de Juca, junto com Milton Nóbrega sempre me era do saber. Acho que via Juca de longe, mas éramos jovens. Não que isso não o fizesse notar. Eu que estava em outro estado das coisas. Somente nos anos mais tarde vim me aproximar de Juca. Uma pessoa por quem me sinto próxima, mesmo estando longe. Sinto a sua amizade e carinho. Coisa de amigo do lado esquerdo do peito! Tomo emprestado às minhas próprias palavras, no prefácio do seu livro As flores do meu jardim, que tive a alegria de escrever, para começar esse texto:
Juca Pontes é uma daquelas pessoas que têm a infância no olhar. Talvez uma certa inocência sapeca que ele próprio redescobre nos filhos e netos que o rodeiam e o emocionam. Nasceu com um certo talento para o pôr-do-sol` como define Adriana Falcão para o que seja um poeta, no seu Pequeno dicionário de palavras ao vento. Ou como o menino de Manoel de Barros: - ´Meu Filho, você vai ser poeta//Você vai carregar água na peneira a vida toda/ Você vai encher os/ vazios com as suas peraltagens....´”
Mas Juca tem o luxo e a especificidade rara de ser escritor, poeta, artista e também realizador das coisas tangíveis. Nasceu em Campina Grande, Paraíba, a 10 de novembro de 1958, mas foi criado em Caruaru, Pernambuco. E ao ler o seu currículo, vejo as suas referências nas artes e na cultura, o que me mostrou um mosaico rico e diverso, do que vai assim compor o seu bom gosto, e olhar artístico para tudo o que faz. Dentre essas referências, merecem destaques: os bonecos de barro do mestre Vitalino, o forró de Luiz Gonzaga, o frevo de Capiba, o escritor Ariano Suassuna, o alfenim, as barracas da feira, o cordel de Lourdes Ramalho, a poesia de Ronaldo Cunha lima, o pandeiro de Jackson, a sanfona de Sivuca, as letras da professora Maura Ramos, o teatrólogo Raimundo Nonato, o Brejo, o Sertão, Catolé, José Américo e as esquinas das Américas, a poesia de Augusto dos Anjos, as ladeiras de Olinda, o Marco Zero do Recife Antigo, a Banda de Pífanos. Os rios Ipojuca e Capibaribe, o açude de Bodocongó, o Agreste, as águas, o tempo, o vento, a Prata, o céu, e o olhar e experiências divididas entre Pernambuco e Paraíba. Do rio ao mar! Um “mar do olhar”! Juca, filho de Maria Lúcia e neto de Luiz Alves da Silva, tem raízes em Santa Cruz do Capibaribe. Pai de Maíra, Iam, Tao e Jade. Avô de Ravi, Maya, Bem e Joaquim. E uma imensidão de amigos com muito amor e poesia na sua vida.
Como poeta, Juca se inspira na interioridade, como ele mesmo explica: “A poesia para mim tem um sentido interior, um sentimento. Com ela eu consigo conversar com as pessoas de dentro para fora). O poeta e membro da APL, Sérgio de Castro Pinto também fala dessa particularidade de Juca: “A exemplo de todo poeta lírico, Juca Pontes se vale de um referente externo, para, só então – e a partir dele-, se interiorizar.” Além de poeta, Juca é escritor (Quando questionado sobre suas inspirações Juca esclarece: “A inspiração não sai do nada, são observações, pensamentos que vão sendo guardados durante a vida. Aí chega um determinado momento que elas afloram”. O escritor revela que tem mania se sempre andar com bloco de anotações no bolso, anotando as imagens que lhe surgem nas mais diferentes situações do cotidiano). Juca, também editor, jornalista e programador visual, tendo sempre se destacado nos trabalhos editoriais na Paraíba.
Juca transitou em cargos de assessoria de cultura, assessoria de comunicação, cargos de chefia de gabinete, marketing, consultoria técnica, e foi Secretário-Executivo de Comunicação da Prefeitura de João Pessoa. Coordenou programação de alguns Festivais de Areia e ganhou prêmio mérito cultural da União Brasileira de Escritores, pela edição do Jornal Oficina Literária naquele ano. Também foi Curador, da mostra sobre o trabalho, produzido pela Funarte, ocorrida no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa, e no Museu Assis Chateaubriand, em Campina Grande. Integrou a comissão de seleção e produção do 6º Salão Nacional de Artes Plásticas; editou o Cadernos de Cultura; respondeu pela editoria de textos de Revistas importantes, como também o Caderno Especial em comemoração aos 100 anos do jornal A União.
Na literatura, editou a coletânea de poetas paraibanos Carro de Boi (A União Editora, 1981), a coleção Literatura Paraibana, Hoje (Edições Varadouro/Gráfica JB, 2002) e o álbum Varadouro – soneto em preto e branco, com os fotógrafos Gustavo Moura, Antônio Augusto Fontes e Walter Carvalho e os poetas Chico Lino Filho, Eulajose Dias de Araújo, Jomar Souto, Lúcio Lins, Marcos Tavares e Políbio Alves (Edições Varadouro/Gráfica JB, 2002. Também O Lixão do Roger – o começo e o fim, publicado pela Prefeitura de João Pessoa, com projeto editoria seu e direção de arte de Paulo Gustavo Duarte. Da mesma forma o livro Arte Reciclada, com projeto gráfico-editorial por ele assinado em parceira com o designer Paulo Gustavo Duarte, publicado pela Prefeitura de João Pessoa, em 2004, com trabalhos de artistas paraibanos confeccionados com material reciclado, retirado do antigo Lixão do Roger, obteve o primeiro lugar, na categoria reciclato editorial, na quarta edição do prêmio Max Feffer de Design Gráfico de São Paulo (Gráfica Santa Marta, 2004).
Um olhar sobre João Pessoa foi o livro publicado no mesmo ano pela Prefeitura Municipal, com ensaio sore a cidade, assinado pelo fotógrafo Gustavo Moura (Gráfica Santa Marta, 2004). Em 2004 em parceria com o designer e artista gráfico Syllas Mariz, fundou a Forma Editorial, onde, posteriormente, desenvolveu parceria com o jornalista Carlos César e o designer Sérgio Sombra, e, mais tarde, com o publicitário Carlos Roberto de Oliveira, tendo produzido inúmeros títulos com o selo dessa editora paraibana. Integrou a comissão, composta pela professora Ângela Bezerra de Castro, pelo cronista Gonzaga Rodrigues, pelo crítico Hildeberto Barbosa Filho e pelos poetas Marcos Tavares e Sérgio de Castro Pinto, responsável pela seleção dos autores paraibanos publicados nas coletâneas Poesia e prosa, com o selo Grafset, distribuídas em escolas públicas da rede estadual de ensino e lançadas durante a Bienal Nacional do Livro da Paraíba, em 2006 (Editora Grafset, 2005).
Também durante a Bienal do Livro fez o lançamento da Coleção Tamarindo, caixa com dez livros de autores paraibanos (Dinâmica Editora, 2005). Já editou vários livros de autores paraibanos renomados, como também, Língua Portuguesa, uma paixão, de Arnaldo Niskier; O Brasileiro Rui Barbosa, de Murilo Mello Filho. Foi curador da Mostra, As cores da arte paraibana, junto com Romaric Büell, coletiva com 25 artistas plásticos da Paraíba, na Galeria Zumbi dos Palmares da Câmara dos Deputados, em Brasília e na Usina Cultural Energisa, em João Pessoa, 2009/2010.
Em 2012, junto com o escritor Gonzaga Rodrigues e o designer Milton Nóbrega dividiu a edição especial do livro Eu, de Augusto dos Anjos, pulicada pela Academia Paraíba de Letras em parceira com o Senado Federal. Em 2019, editou o primeiro livro do estreante Pedro Ivo Tavares, Confissões de um aventureiro cadeirante, edição primorosa, pela MVC/Forma. Pedro, filho do jornalista e escritor Carlos Tavares (in memoriam), seu amigo da juventude, e irmão do artista plástico Flávio Tavares, responsável pelas lindas ilustrações desse “aventureiro”.
Além do trabalho diário como editor e poeta, em 2015, Juca dividiu com o jornalista Carlos César, trabalho voltado para a comunicação do Campus Festival, realizado em vários ambientes da Fundação Espaço Cultural José Lins do Rego, com debates, palestras, oficinas, performances, feiras e shows. Em 2018, ao lado de Fernando Moura, Juca também foi um dos integrantes, da Comissão dos 70 anos da Câmara Municipal de João Pessoa. Juca também é um dos fundadores da Confraria Sol das Letras, em companhia de Hélder Moura, Ana Paula Cavalcanti, Marcus Ales, Chico Pereira, Políbio Alves, Gilvan Freire e de outros escritores. Confraria essa que, desse 2012, promove o sarau Pôr do Sol literário, em parceria com a Academia Paraibana de Letras, com o objetivo de debater e divulgar a obra dos autores paraibanos. Em 2019, ao lado da produtora pernambucana Anastácia Alencar, cria, a Festa do Livro Internacional da Paraíba – FlitPB, celebrando manifestações e movimentos literários com as comunidades Sítio Tambaba, quilombo Ipiranga e Aldeia Tabajara, no município do Conde. Atualmente, Juca exerce a função de assessor cultura e coordenador editorial da Fundação Casa de José Américo, instituição vinculada à Secretaria de Comunicação da Prefeitura Municipal de João Pessoa.
Juca tem textos publicados no Correio das Artes, na revista Garatuja e no Suplemento Literário de Minas Gerais. E já publicou livros: Laçado corpo, com desenhos de Chico Dantas (A União Editora, 1984) e Ranhuras do corpo, com ilustrações de Flávio Tavares (Editora Grafset, 1987). Em 2013, lançou um livro de poemas, Ciclo Vegetal (Forma Editorial), obra que levou 15 anos para ser finalizada, e onde o escritor constrói uma espécie de viagem memorialista perpassando por lugares que conheceu e viveu na Paraíba usando o rio e o mar como fios condutores.
No seu Ciclo, os poemas vão da nascente, passando por oceanos, correntezas, claridades, paisagens, primaveras, e se estreitam em laços, raízes, no olhar do agreste, na Borborema. Se perdem nas ruas, ladeiras, escadas; se deparam com janelas e/ou canaviais ao vento, e em oferendas por findar num inventário. Ciclo Vegetal foi prefaciado pelo crítico literário, poeta e membro da APL, Hildeberto Barbosa Filho e no seu texto “Leveza e Precisão”, Hildeberto enaltece a correspondência entre a temática e linguagem; os efeitos estéticos, o poder evocativo das imagens; o equilíbrio difícil entre a “poesia fundamentalmente lírica, porém vazada em expressão contida, em versos curtos, quase nominais...; “a leveza e precisão e de como Juca não desperdiça palavras, não engalana o verso, não alonga o ritmo. É todo síncope, economia, sugestividade”. E resume o Ciclo Vegetal de Juca como uma “Geografia da lírica paraibana”.
Já Sérgio de Castro Pinto, acrescenta que a poesia de Juca: “... se contenta em ver, em olhar, dificilmente em tocar ou transgredir, uma vez que a sua linguagem é conciliatória e estabelece, com a natureza, com a paisagem, uma relação concorde e simétrica.” Em 2014, Juca lançou vida e poesia de Augusto dos Anjos – para crianças, jovens e adultos (MVC Editora. Em 2015, editou a coletânea Travessia lírica do Sol das Letras (MC/Forma editorial). E em 2017, Mar do olhar, com desenhos de Flávio Tavares, que segundo o próprio Juca Pontes: “expressa e revela a convivência dos dois artistas com inúmeras tonalidades do azul encontradas pelas prateadas espumas que crescem e se movimentam ao redor do belíssimo Litoral paraibano”.
O jornalista Linaldo Guedes foi além quando escreveu: “Juca constrói uma espécie de viagem memorialista perpassando por lugares que conheceu e viveu na Paraíba usando o rio e o mar como fios condutores.” E mais recentemente, durante a pandemia, Juca lançou As flores do meu jardim, com poemas seus e desenhos de Jô Cortez (MVC/Forma, 2021), “As flores são o que eu tenho de mais importante, que são os meus filhos, netos e amigos; o jardim representa o meu universo, por onde transito cotidianamente”, falou Juca.
O currículo de Juca Pontes é imenso. E rico. Mas, o que mais me chama atenção, é a forma como criou uma irmandade afetiva de amigos nessa jornada de arte-editor-poeta. Amigos a quem ele celebra no abraço e na poesia. Todos os livros confirmam isso. Dono de um perfeccionismo e de um tempo todo seu, tem dentro de si um ritmo de um homem musical, e uma alma um tanto celestial que habita na sua multiplicidade de homem das mil notas.
Particularmente fui tocada pelo seu olhar de editor quando lancei meus livros de crônicas (Brincos, pra que te quero? E De paisagens e de outras tardes, Forma, 2016), com capa e ilustrações de Flávio Tavares, num trabalho dele de editor, e que cedeu ao meu rosa choque e me retornou com meus retratos duplicados e esmaecidos e/ou ilustrações fragmentadas, dando assim uma continuidade na forma dos meus escritos. A sua edição, em tudo o que faz, é protagonista do trabalho de arte. Juca escreve quando edita. Ele não só organiza, mede, diagrama, faz a cartografia de um livro. Ele escreve junto com o autor, nas cores, escolha dos títulos, e participa do antes e depois do livro lançado – divulga e interagi com o escritor, assim como um fazedor do trabalho também.
E o trabalho não para! Juca tem quatro livros ainda inéditos: A fala do cotidiano: escritos, guardados e outros achados; Exercício das admirações; Universo dos versos – autobiografia de vida e poesia e Itacoatiara, (poemas seus com desenhos e fotogravuras do artista visual José Rufino), projeto aprovado pela lei Ruanet de incentivo cultural do Ministério da Cultura do Governo Federal, a ser brevemente lançados.
Conversando com Flávio Tavares, ele me fala dessa herança preciosa que ganhou do seu irmão Carlos Tavares, Juca. Da importância de Juca em todas as manifestações culturais da Paraíba. Do seu trabalho incansável. E como ele, Flávio, associa a sua pessoa aos seus poemas, ao rio, ao mar, e a uma imensidão do Bem; um Bem de quem tem uma alma perene, um mar de amigos, afetivo, solidário, e que ele, Juca, é um raro exemplo de “quem tem a expansão e capacidade criativa de um ser humano”.
Juca dos rios, dos mares, e dos jardins. Juca da poesia!