I. Introdução Escrever sobre Einstein não é tarefa fácil. Sua obra científica é vastíssima. Inúmeros são os aspectos de sua trajetó...

Einstein: Física e Geometria

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I. Introdução

Escrever sobre Einstein não é tarefa fácil. Sua obra científica é vastíssima. Inúmeros são os aspectos de sua trajetória como cientista e pensador que merecem ser estudados. Para começar, não é sem razão que o ano de seu début como cientista, 1905, tem sido chamado de annus mirabillis da física moderna. De fato, dos quatro artigos publicados pelo jovem Einstein nesse ano pelo menos três são considerados revolucionários, prenúncio de uma nova era científica. Como se não bastasse, dez anos depois desse início fulgurante, o mundo acadêmico foi novamente surpreendido com o que o célebre
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físico russo Lev Landau chamou de “a mais bela de todas as teorias da Física”[1].

Extremamente original, a teoria da relatividade geral, publicada em 1915, tem como realização maior a inserção da geometria na descrição da realidade física. É nessa junção de dois conhecimentos aparentemente independentes e distintos que faz parte sua beleza. Mas, é importante lembrar que a notável contribuição de Einstein à Física vai muito além da relatividade geral e dos artigos publicados no annus mirabillis. Inúmeros outros trabalhos, que vão da Cosmologia à Mecânica Estatística, passando pelos fundamentos filosóficos e epistemológicos da teoria quântica, iriam brotar da mente fecunda do cientista alemão. E nos últimos anos de sua vida, Einstein ainda perseguia um sonho, uma utopia, talvez: a unificação de todas as interações da Física, ligadas pelo elo poderoso da geometria. Um sonho não realizado, mas que continua inspirando muitos físicos em suas pesquisas até os dias de hoje.

Nesse breve artigo, em que procuramos contribuir com uma apreciação pessoal e, ipso facto, parcial da obra de Einstein, pretendemos nos ater essencialmente à teoria da relatividade geral. Pois é justamente aqui que tem início seu ambicioso programa de geometrização da Física. A seguir, abordaremos aspectos um tanto desconhecidos da busca empreendida por Einstein e outros, no sentido de estender o processo de geometrização do campo gravitacional ao eletromagnetismo. Pode-se afirmar, sem dúvida, que a geometrização da física constituiu-se numa espécie de leitmotiv da vida científica de Einstein, guiando suas pesquisas até o fim.

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Este artigo está organizado da seguinte maneira. Começaremos fazendo uma rápida resenha do que foi o annus mirabillis. Em seguida, passaremos à teoria da relatividade geral, seu significado e consequências. Na seção III, nos deteremos no programa de geometrização da Física, iniciado por Einstein, contando um pouco de sua história e discutindo suas perspectivas atuais. Enfatizaremos, também, a importância decisiva da teoria da relatividade geral no desenvolvimento posterior da geometria diferencial. Finalmente, no âmbito dessa relação profunda entre geometria e física, que magnificamente concebida por Einstein, discutiremos também a natureza geométrica do tempo. Finalmente, consideraremos a primeira tentativa de unificação, elaborada por H. Weyl, em 1918, e totalmente inspirada pela teoria da relatividade geral.
II. O Annus Mirabillis
Como dissemos acima, os quatro artigos que Einstein publicou em 1905 tiveram enorme repercussão na física do século XX. Comecemos com o primeiro deles, que apresenta uma convincente explicação do conhecido efeito fotoelétrico, através de uma hipótese audaciosa e inteiramente original sobre a natureza corpuscular da luz, fato este que impulsionou decisivamente o desenvolvimento da mecânica quântica [2]. De fato, a ideia de que a luz corresponde
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a um feixe de partículas, os fótons, foi fundamental para a concepção posterior de que em escalas microscópicas o campo eletromagnético não é uma grandeza contínua, devendo obedecer às regras da mecânica quântica. A hipótese de Einstein sobre a luz, usada na explicação do efeito fotoelétrico, precedeu de vários anos a moderna teoria quântica de campos. Por outro lado, ao associar a frequência da luz à energia dos fótons, Einstein abriu caminho para de Broglie descobrir, em 1924, o fenômeno da dualidade onda-partícula, presente tanto na radiação como na matéria. Esta nova concepção foi fundamental para os trabalhos seguintes de N. Bohr, E. Schrödinger, W. Heinsenberg, e outros. Por este primeiro trabalho, Einstein viria a ser considerado um dos pais fundadores da Mecânica Quântica, e receberia o prêmio Nobel, em 1921.

A seguir, poucos meses depois, Einstein trata, usando métodos estatísticos, do movimento de pequenas partículas em suspensão num líquido (movimento browniano), trabalho que foi considerado na época como uma convincente justificativa matemática da existência de átomos, recebendo alguns anos mais tarde bela confirmação experimental [3,4].

Movimento browniano ▪ Minúsculas partículas movem-se de forma incessante, empurradas pelo impacto de moléculas de água invisíveis, que vibram aleatoriamente em alta velocidade.

No terceiro artigo de 1905, Einstein formula a teoria da relatividade especial, obra que o tornará conhecido tanto no mundo científico, como entre o público leigo em geral [5]. Nascida de uma tentativa dramática de resolver uma contradição entre a mecânica newtoniana e o eletromagnetismo, a teoria da relatividade especial vai rever de maneira radical os conceitos, longamente estabelecidos, de espaço e tempo. Para construir a nova teoria, Einstein lança mão de duas hipóteses revolucionárias. A primeira, conhecida como o princípio da relatividade, sustenta que as leis da Física são as mesmas em todos os referenciais inerciais, isto é, naqueles em que um corpo livre não sofre aceleração. A segunda, por sua vez, assegura que a luz se propaga no vácuo com a mesma velocidade nesses mesmos referenciais. Como a teoria newtoniana era incompatível com estes postulados, Einstein teve de elaborar uma nova mecânica, uma mecânica dita relativista.

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Durante o processo de reconstrução teórica da mecânica, Einstein fez uma das descobertas mais profundas da física moderna: a equivalência entre a massa inercial de um corpo e sua energia. A expressão matemática dessa relação corresponde à famosa equação E=mc², que se tornou símbolo da teoria da relatividade. A obtenção da nova mecânica resultou na publicação de um quarto artigo, ainda em 1905, e constitui uma das maiores realizações de Einstein no início de sua carreira [6,7].

Depois desse breve relato sobre os primeiros anos, passemos à segunda fase da obra científica de Einstein: a teoria da relatividade geral.
A teoria da relatividade geral
Após a conclusão da teoria da relatividade especial, Einstein se debruçou inteiramente sobre uma questão que lhe parecia como sendo a próxima etapa de sua investigação: a formulação de uma teoria da gravitação nos moldes relativistas. O caminho imediato a seguir parecia apontar para uma simples modificação da teoria gravitacional newtoniana adaptando-a aos postulados relativistas.
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Isto implicava substituir a equação de Poisson, equação que descreve o campo gravitacional na teoria newtoniana, por uma equação relativista, ou seja, em linguagem matemática, covariante em relação ao grupo das transformações de Lorentz, como acontece com as equações do eletromagnetismo. Essa foi a estratégia seguida por alguns físicos contemporâneos de Einstein, entre os quais podemos citar Gunnar Nordström, Max Abraham e Gustav Mie. Vale lembrar que nessas teorias, ainda inspiradas no modelo newtoniano, a gravitação é descrita por um campo escalar, definido num espaço de quatro dimensões, o chamado espaço-tempo de Minkowski, formalismo introduzido em 1908, que trata o espaço e o tempo como noções interdependentes e inseparáveis da realidade física. No entanto, as primeiras tentativas nessa direção não foram bem sucedidas, pois inevitavelmente levavam a predições teóricas que não concordavam com as observações. Por exemplo, a teoria de Nordström não previa o avanço do periélio de Mercúrio, nem a deflexão da luz pelo campo gravitacional [8]. No entanto, o caminho seguido por Einstein para construir sua teoria da gravitação foi outro, e até hoje nos surpreende pela abordagem completamente diferente e originalidade. Vamos agora de maneira um tanto sintética apresentar os passos seguidos por Einstein que o levaram finalmente à sua teoria da gravitação.

Como vimos antes, num dos postulados da teoria da relatividade especial, Einstein estendeu ao eletromagnetismo o princípio da relatividade, já conhecido por Galileu no que se refere aos fenômenos da mecânica. Na extensão feita por Einstein, admite-se terem as leis da física a mesma forma em todos os referenciais inerciais. Isto equivale a dizer não ser possível distinguir entre dois referenciais
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inerciais exclusivamente a partir da observação de experimentos físicos feita nesses referenciais. Acontece que a restrição à condição de ser inercial começou a lhe parecer um tanto artificial. Veio, então, a indagação: por que não estender o princípio da relatividade a todos os referenciais, incluindo os referenciais acelerados? Foi exatamente neste momento que Einstein percebeu que para essa generalização ser possível seria necessário incluir a presença do campo de gravitação. E a razão é a seguinte: ao refletir sobre o fato empírico, já descoberto por Galileu, de que todos os corpos são acelerados da mesma maneira num campo gravitacional Einstein a percebeu que o movimento de corpos livres num referencial acelerado, em que aceleração tem o mesmo valor da aceleração da gravidade, não se pode distinguir (pelo menos localmente) do movimento de corpos submetidos à ação de um campo gravitacional num referencial inercial. Em outras palavras, é sempre possível simular um campo gravitacional por um referencial acelerado: os efeitos nos movimentos dos corpos serão idênticos e indistinguíveis. Einstein elevou essa conclusão à condição de um princípio fundamental da física, ao qual se referiu como o princípio de equivalência.

Einstein logo se deu conta de que a adoção do novo princípio conduzia a uma série de consequências e descobertas importantes. Por exemplo, simulando o campo gravitacional terrestre por um referencial acelerado, percebemos que em relação a este referencial a luz segue uma trajetória curvilínea. Ora, pela equivalência entre aceleração e gravitação somos levados a concluir que o campo gravitacional terrestre deve curvar a trajetória de um raio de luz. Mesmo sem ter uma teoria da gravitação pronta, Einstein concluiu que seria possível antecipar a existência desse fenômeno e submetê-lo ao teste da observação. Isto foi feito em 1919, quando duas expedições de astrônomos lideradas por Arthur Eddington conseguiram medir a deflexão da luz causada pelo sol por ocasião de um eclipse solar observado na Ilha de Príncipe, na África, e em Sobral, no Brasil.

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Esquema ilustrativo da deflexão da luz de uma estrela, causada pela força gravitacional, observada durante o eclipse solar de 1919, no Brasil.
O mesmo argumento heurístico empregado para estudar o comportamento da luz num campo gravitacional pode ser aplicado para analisar o movimento de uma partícula livre observada desde um referencial acelerado. Ora, sabemos que uma partícula livre num referencial inercial, de acordo com a primeira lei de Newton, segue uma trajetória retilínea. No entanto, num referencial acelerado a mesma partícula será observada descrevendo um movimento curvilíneo. Assim, partindo da equação de movimento de uma partícula livre como é descrita na relatividade especial e considerando o mesmo movimento desde o ponto de vista de um referencial não-inercial, submetendo a equação de movimento a uma transformação geral de coordenadas, Einstein mostrou que a equação resultante tem a mesma forma da que descreveria uma geodésica num espaço dotado de curvatura. Pelo princípio de equivalência, raciocinou que o mesmo deveria se dar na presença de um campo gravitacional. Quer dizer, uma partícula submetida apenas à gravitação deveria seguir uma geodésica na geometria desse espaço-tempo curvo,
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ou seja, sua trajetória corresponderia a uma curva que desempenha o mesmo papel nesse espaço que uma reta no espaço euclidiano. Assim se estabeleceu a conexão entre gravitação e curvatura do espaço-tempo. É importante notar que foi por volta de 1911, quando se encontrava em Praga como professor da Universidade Alemã, que Einstein compreendeu a necessidade de buscar na geometria riemanniana, elaborada por Bernhard Riemann, em 1854, que trata de espaços curvos, a formulação matemática exata da teoria que buscava. Àquela altura, a geometria riemanniana, que generalizava a geometria de Euclides, já era bem conhecida dos matemáticos, embora praticamente desconhecida dos físicos. Assim, com o auxílio do matemático Marcel Grossmann, e depois de Levi-Civita, Einstein finalmente começou a perceber que o caminho para a nova teoria da gravitação passava pela geometria de Riemann.

Uma vez descoberto o papel da geometria na explicação do fenômeno gravitacional restava saber o que determinaria essa geometria, quais seriam suas fontes. Em outras palavras, quais seriam as novas equações do campo da gravitação? Essa segunda etapa mostrou-se extremamente difícil e complexa, exigindo de Einstein um tremendo esforço mental, que terminaria finalmente em 25 de novembro de 1915, com a submissão de seu artigo intitulado “As equações de campo da gravitação” à Academia Prussiana de Ciências [9].

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Além de prever o desvio da luz ao passar proximamente a um corpo com massa, a nova teoria da gravitação previa que o campo gravitacional afetaria o espectro de frequência das radiações eletromagnéticas, dando origem ao chamado efeito Doppler gravitacional ou desvio gravitacional para o vermelho, fenômeno magnificamente comprovado experimentalmente por R. Pound e G. Rebka, em 1960. Finalmente, a relatividade geral explicava de maneira natural e precisa o avanço do periélio do planeta Mercúrio, fenômeno já observado pelos astrônomos e que não encontrava explicação dentro da teoria da gravitação newtoniana.

Não podemos deixar de mencionar a importantíssima predição de Einstein acerca da existência das ondas gravitacionais com base na teoria da relatividade geral. Este fenômeno, que ao ser observado confirmou espetacularmente a teoria consiste numa oscilação da curvatura do espaço-tempo que se propaga à velocidade da luz.
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Dada à pequena amplitude dessas ondas, sua detecção é extremamente difícil e delicada. As tentativas experimentais de detectá-las começaram nos anos 1960 com o físico americano J. Weber [15]. Porém, somente depois do desenvolvimento de uma tecnologia de altíssima precisão foi possível detectá-las em 2015, um século depois do nascimento da relatividade geral.

Em 1917, Einstein aplicou a teoria da relatividade geral ao estudo do Universo. Nasceu, assim, a Cosmologia Relativista, uma ciência que tenta responder cientificamente questões tão antigas quanto o homem. O Universo é finito ou infinito? Houve um começo de tudo ou o Universo sempre existiu? Antes do aparecimento da relatividade geral questões como essas eram discutidas apenas no âmbito da filosofia ou da religião.

Aplicando as equações de campo encontradas em 1915, agora ligeiramente modificadas, com a introdução da constante cosmológica, Einstein construiu o primeiro modelo cosmológico do Universo, que ficou conhecido como o modelo de Einstein. As características principais desse modelo são as seguintes. O Universo nunca teve um começo, sempre existiu. É estático, isto é, não evolui no tempo considerando-se sua dinâmica em escalas cósmicas. É espacialmente finito, embora seja ilimitado, o que quer dizer que não tem fronteiras.
O modelo cosmológico de Einstein historicamente teve uma importância enorme ao abrir um novo caminho à pesquisa do comportamento do Universo como um todo e fundar a cosmologia como disciplina científica.
Hoje, sabemos que esse modelo não está de acordo com os dados observacionais, uma vez que, entre outras razões, descobriu-se que o Universo se expande aceleradamente, sendo, portanto, dinâmico, e não estático. Em relação à sua forma global ou topologia, quer dizer, se é ou não infinito, esta é uma questão ainda sem resposta. Em todo caso, podemos dizer que o modelo cosmológico de Einstein historicamente teve uma importância enorme ao abrir um novo caminho à pesquisa do comportamento do Universo como um todo e fundar a cosmologia como disciplina científica. Em 1922, o matemático e meteorologista russo Alexander Friedmann, usando as equações originais da relatividade geral, concebeu um modelo dinâmico do Universo, que dava conta do fenômeno da expansão, explicava a existência de uma radiação eletromagnética de fundo, e também previa uma origem explosiva do Universo, um “big bang”, no jargão relativista [10].

Física e Geometria
Certamente o que faz da relatividade geral uma teoria de extrema beleza e uma das maiores realizações do intelecto humano é a percepção de que os efeitos da gravitação podem ser atribuídos à geometria curva do espaço-tempo. Isto significa, nesse caso, que a noção newtoniana da existência de uma força instantânea agindo entre dois corpos à distância cede lugar à ideia de uma interação local intermediada pela geometria, a qual determina também nossas noções de tempo e espaço. Nas palavras do físico americano John Wheeler, que soube bem sintetizar a essência da nova teoria da gravitação: “O espaço diz à matéria como se mover; a matéria diz ao espaço como se curvar” [11].

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Estimulado pelo sucesso espetacular da relatividade geral, Einstein elaborou um programa ainda mais ambicioso: estender a geometrização da gravitação ao eletromagnetismo. A ideia agora era não só geometrizar, mas ao mesmo tempo unificar. Sua crença no poder da geometria era tal que esse projeto de unificação geométrica o absorveria até o final, consumindo mais da metade de sua vida. As tentativas foram várias, e a estratégia era modificar a geometria para acomodar os novos graus de liberdade requeridos pela unificação. Assim, nasceram novas geometrias, nas quais Einstein introduziu novos conceitos geométricos, tais como teleparalelismo, tensores métricos com assimetria etc. Hoje podemos dizer que embora essas tentativas de Einstein não tenham obtido o resultado esperado, mesmo assim, juntamente com as investigações de H. Weyl e A. Eddington, contribuíram para o desenvolvimento da moderna geometria não-riemanniana [12].
A teoria de Weyl e a geometrização do eletromagnetismo
A primeira tentativa dentro do programa de geometrização elaborado por Einstein deve-se ao matemático alemão Hermann Weyl, que em 1918 elaborou uma teoria unificada da gravitação e do eletromagnetismo [13]. Inteiramente fiel ao espírito de geometrização concebido por Einstein, Weyl percebeu que para atribuir ao campo eletromagnético uma natureza
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geométrica, era necessário incluir, além do tensor métrico, já comprometido com o campo gravitacional, um novo ingrediente na geometria que possuísse propriedades matemáticas idênticas às de um campo eletromagnético. Para sua surpresa, Weyl verificou que modificando convenientemente um dos axiomas da geometria riemanniana, a saber, aquele que regula o comprimento de vetores quando são transportados ao longo do espaço-tempo, emerge uma nova noção de curvatura, que ele denominou curvatura de comprimento, cuja estrutura matemática é idêntica à do tensor de Faraday, tensor que codifica as propriedades físicas do campo eletromagnético. Assim, na geometria de Weyl, aparecem naturalmente duas curvaturas distintas: uma associada à variação de direção, e outra à variação de comprimento quando um vetor é submetido a um processo que os matemáticos chamam de transporte paralelo.

Além do aspecto unificador, a teoria de Weyl introduziu a hipótese de que as leis da Física deveriam satisfazer uma nova simetria, até então não cogitada pelos físicos. Weyl argumentou que as equações fundamentais da Natureza, além de covariantes por transformações de coordenadas, deveriam ser invariantes por um conjunto de operações matemáticas que simultaneamente alterassem (em cada ponto do espaço-tempo) o tensor métrico e os potenciais eletromagnéticos. Essas transformações são conhecidas como transformações de Weyl, sendo constituídas de transformações conformes e transformações de calibre (ou gauge) [14].

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A teoria unificada de Weyl foi saudada inicialmente por Einstein com entusiasmo e admiração por sua beleza e originalidade. Todavia, conduzia, segundo interpretação de Einstein, à predição de um fenômeno até hoje nunca observado: o tic tac dos relógios dependeria de sua história passada, em particular de sua interação com campos eletromagnéticos. Tal efeito, predito pela teoria de Weyl, ficou conhecido na literatura como o segundo efeito do relógio. É importante destacar que se trata de um efeito peculiar, inexistente na teoria da relatividade geral, e que tem origem exclusivamente na estrutura geométrica do espaço-tempo de Weyl.
A geometrização do tempo
Embora os historiadores considerem que o processo de geometrização da Física tenha sido iniciado com o advento da relatividade geral, não se pode esquecer aqui a importância fundamental que teve o trabalho de
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H. Minkowski, em 1907, ao introduzir na teoria da relatividade especial a noção de um espaço-tempo tetradimensional, caracterizado por um grupo de isometrias associados a uma métrica pseudo-euclidiana. Explicando melhor: assim como na geometria euclidiana a distância entre dois pontos é preservada pelas transformações rígidas do espaço (rotações e reflexões), no espaço-tempo de Minkowski é o intervalo entre dois eventos a grandeza que é preservada pelas transformações de Lorentz. Aliás, foi exatamente a descoberta desse invariante geométrico, o que tornou possível a caracterização das transformações de Lorentz como transformações isométricas do espaço-tempo. Estava assim aberto o caminho para a descoberta da natureza geométrica do tempo e a formulação da chamada hipótese do relógio, que discutiremos a seguir.

Independente dos postulados básicos da relatividade especial, a hipótese do relógio, mencionada acima, afirma que o lapso de tempo próprio decorrido entre dois eventos A e B quaisquer, medido por um observador que carrega consigo um relógio ao longo de sua trajetória no espaço-tempo, isto é, ao longo de sua linha de universo, corresponde ao comprimento (no sentido da geometria de Minkowski) do arco da trajetória compreendido entre A e B dividido pela velocidade da luz. Devido à invariância dos intervalos, esta é uma grandeza que tem dimensões de tempo e não depende do referencial no qual se observa o movimento.

A hipótese do relógio veio explicar de maneira clara e natural uma situação aparentemente paradoxal imaginada pelo físico francês P. Langevin, em 1911, que ficou conhecida como o paradoxo dos gêmeos, a que vamos nos referir como o primeiro efeito do relógio.
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Paradoxo dos gêmeos
Como é bem sabido, na teoria da relatividade especial é possível nos depararmos com a seguinte situação. Dois gêmeos que, partindo de um mesmo ponto no espaço-tempo, seguindo linhas de universo distintas (um deles inercial e o outro acelerado) ao se reencontrarem constatarão que a passagem do tempo registrada em seus relógios ocorreu diferentemente. O relógio do gêmeo que foi submetido a aceleração (na ida e na volta) estará atrasado em relação ao gêmeo inercial. Tal fenômeno, já bem comprovado experimentalmente, é explicado pelo fato do comprimento (ou pseudo-comprimento, já que não se trata da geometria euclidiana) das duas linhas de universo seguidas pelos gêmeos serem diferentes. Vemos, através desse exemplo, como na teoria da relatividade especial a geometria determina o comportamento dos relógios. A hipótese do relógio foi estendida por Einstein à teoria da relatividade geral, cuja única diferença consiste em que o pseudo-comprimento da linha de universo de uma partícula (relógio) deve ser calculado simplesmente com a métrica do espaço-tempo, agora curvado devido à presença de um campo gravitacional. Mais uma vez transparece claramente a natureza geométrica do tempo. Na relatividade especial, temos, por assim dizer, um tempo minkowskiano; na relatividade geral, um tempo riemanniano. De modo que no caso de um espaço-tempo descrito por outro tipo de geometria, por exemplo, a geometria de Weyl, deve-se esperar, em princípio, uma nova caracterização do tempo.

Paul Langevin e Albert Einstein, em 1931

O tempo na geometria de Weyl
Como vimos anteriormente, o novo princípio de simetria adotado por Weyl em sua teoria unificada requer que as equações da física sejam invariantes por um novo conjunto de transformações. Ademais, todas as grandezas físicas e geométricas mensuráveis devem satisfazer este requisito de invariância. Por esse motivo, na obtenção das equações de campo da nova teoria, Weyl cuidadosamente adotou um procedimento coerente com o princípio de invariância, por exemplo, na escolha do funcional de ação, aquele que deve gerar as equações da teoria [14]. Curiosamente, e esta é uma questão que deixamos para os historiadores da Ciência, até onde sabemos Weyl nunca explicitou que noção de tempo próprio adotaria em sua teoria. Naturalmente, tal definição de tempo deveria em principio ser consistente com o princípio de invariância [16]. Ainda mais surpreendente: nos contra-argumentos por ocasião da polêmica que manteve com Einstein a respeito do segundo efeito do relógio, Weyl continuou implicitamente considerando a noção de um tempo riemanniano, “emprestado” da relatividade geral. Tal situação perdurou até recentemente quando, então, o físico alemão V. Perlick propôs uma definição rigorosa de tempo próprio consistente com a estrutura geométrica
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Einstein recebe o Prêmio Nobel de Física, em 1921
do espaço-tempo de Weyl [17]. E aqui é importante sublinhar que nesta abordagem, a teoria prediz de maneira quantitativa e exata a possibilidade do aparecimento do segundo efeito do relógio, possibilidade já apontada por Einstein, em 1918 [18,19].

Neste exato momento, o leitor deve estar indagando: existe, afinal, o segundo efeito do relógio? A resposta a esta questão ainda está por vir. Até recentemente, não havia na literatura um cálculo teórico que considerasse uma situação física favorável ao aparecimento desse efeito, e que levasse a uma possível predição de sua magnitude. Mais ainda, não se sabia como realizar uma experiência com esse fim em laboratório. Uma tentativa de se avançar nessa direção proposta recentemente utiliza dados de uma experiência realizada no CERN em que a dilatação da vida média de múons, partículas subatômicas instáveis, é medida na presença de um campo magnético. Calculando-se a magnitude do efeito predito pela a teoria de Weyl e comparando-a com os dados experimentais, concluiu-se que dentro dos limites de precisão do experimento não se pode descartar a possibilidade de que o segundo efeito do relógio exista e que, por causa da presença do campo magnético, contribua para a dilatação do tempo de vida média dessas partículas [20].
Conclusão
De todas as contribuições notáveis que Einstein legou à física moderna, a teoria da relatividade geral representa talvez a maior “transgressão” de paradigmas históricos existentes na história da Ciência. Esse movimento de “rebeldia científica” ainda repercute no modo como entendemos e fazemos avançar o conhecimento. Concebida por Einstein no início do século XX, a ideia revolucionária e ambiciosa de unificar e geometrizar as interações fundamentais da Natureza continua inspirando gerações de físicos teóricos no desenvolvimento de novas linhas de pesquisa. Unificar a Física através da Geometria parece ter se transformado numa verdadeira doutrina metodológica, capaz de levar a descobertas impensáveis. A possibilidade de existir um novo fenômeno ligado ao tempo, como prevê a teoria de Weyl, é apenas um exemplo do poder heurístico do monumental programa idealizado por Einstein.

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