O Norte da França é famoso por seus castelos e vinhedos, de modo que percorrê-lo pode ser também uma embriagadora forma de voltar ao passado. Os castelos são um registro da suntuosidade imperante nas cortes, que concorriam entre si em luxo e grandeza.
Na viagem que fizemos recentemente, começamos nosso roteiro pelo castelo de Chenonceau, construído por Thomas Bohier e sua esposa, Katherine Briçonnet. O lema dos dois, inscrito na porta em madeira de carvalho, era: “Se eu conseguir construir Chenonceau, meu nome será lembrado.” Estavam conscientes de que a obra que iniciavam teria o reconhecimento da posteridade.
Na viagem que fizemos recentemente, começamos nosso roteiro pelo castelo de Chenonceau, construído por Thomas Bohier e sua esposa, Katherine Briçonnet. O lema dos dois, inscrito na porta em madeira de carvalho, era: “Se eu conseguir construir Chenonceau, meu nome será lembrado.” Estavam conscientes de que a obra que iniciavam teria o reconhecimento da posteridade.
Certamente o requinte que o castelo veio a adquirir deveu-se às mulheres que o habitaram desde a construção, supervisionada pela senhora Briçonnet. A primeira foi Diane de Poitiers, favorita do rei Henrique II, que mandou construir o famoso jardim – “um dos mais espetaculares e modernos da época”. Após a morte do rei, Catarina de Médicis – a viúva – desalojou Diane mas não se mostrou despeitada ou rancorosa; tratou de completar a obra que a outra iniciara, embelezando mais ainda os jardins, e ampliou a arquitetura com novos andares e galerias.
Louise de Lorraine representou uma espécie de contraponto às duas; ao perder o marido, Henrique III, adotou o chamado “luto branco” e passou a utilizar o castelo como refúgio. Em vez de se fixar em bailes faustosos, que eram a preocupação da rainha antecedente, dedicava-se às orações e a obras de caridade. Na visita a um dos oratórios imaginei-a ali, persignada e contrita, sem saber que com isso daria à história do lugar uma nota melancólica que lhe sublinharia a beleza.
O autor em visita ao Castelo de Chenonceau / Quarto de Louise de Lorraine
Brianna Tracy
Depois veio Louise Dupin; sensível às novidades trazidas pelo Século das Luzes, ela tratou de desanuviar o penumbroso clima deixado por Lorraine e resgatar o brilho das antigas festas. Para isso contou com a presença de figuras como Rousseau, Montesquieu e Voltaire, frequentadores dos saraus que organizava. Diz-se que o maior mérito da anfitriã foi preservar o castelo das ameaças trazidas pela Revolução Francesa; os republicanos, como se sabe, não eram de se impressionar com a grandeza produzida pela aristocracia. Destruíam o que pudessem.
Brianna Tracy
A moradora seguinte foi Marguerite Pelouze, que não tinha o mesmo refinamento intelectual da anterior. Oriunda da burguesia industrial, quis superar o luxo existente na época de Diane de Poitiers. Gastou muito dinheiro com isso e terminou se envolvendo num escândalo político que a levou à ruína.
Castelo de Chenonceau / Quarto de Diane de Poitiers
AXP
A última das mulheres historicamente associadas a Chenonceau foi Simonne Menier, que repetiu em outro contexto – e em nível bem mais prático – o papel que Louise Dupin teve durante a Revolução Francesa. Como enfermeira-chefe, administrou durante a I Grande Guerra o hospital instalado nas duas galerias do castelo graças ao dinheiro que lhe fora doado pela família, dona de uma fábrica de chocolates. Mais de dois mil feridos passaram por lá. Seu exemplo projetou-se num futuro não tão remoto, ao inspirar diversas obras de resistência na Segunda Guerra Mundial.
AXP
Louise Dupin / Simone de Menier / Castelo de Chenonceau
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Conhecer Chenonceau é revisitar a História mas é sobretudo compenetrar-se da complexidade da alma feminina, em que frivolidade, volúpia, ostentação convivem com o bom gosto, a inteligência e a generosidade. Da associação de atributos tão dispares, erigiu-se a grandeza daquela arquitetura e garantiu-se (como num extenso e magnânimo berço) a continuidade de muitas vidas.
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