O poeta Waldemar José Solha e o maestro José Alberto Kaplan, com assessoramento de Dom José Maria Pires, escreveram e apresentaram a Cantata pra Alagamar, que se tornou um hino de louvor aos camponeses que, em 1978, impuseram a bandeira de lutas por um pedaço de terra. O padre católico, o judeu e o ateu deram voz às famílias espezinhadas na terra ensanguentada, onde antes plantavam e colhiam.
O grito e o sonho que saíram do recanto da terra na beira das serras que margeiam o Rio Paraíba, pelas palavras do poeta, do maestro e do padre ganharam ressonância em alcovas palacianas e nos presbitérios. Esse sonho e esse grito que a terra alimenta e a arte dá vida.
Se a presença de bispos e religiosos nos campos de milho, mandioca e feijão nas terras de Alagamar que estavam sendo destruídos deu ânimo aos camponeses, a Cantata deu mais fôlego ao homem esperançoso. A mensagem desta composição musical ressoou aos ouvidos dos homens da lei e de seguidores da palavra divina. A arte a serviço da vida.
Tanto tempo depois, é oportuno fazer memória de tudo o que aconteceu naquele recanto de terra onde famílias plantavam e colhiam, sobrevivendo ao cambão, à enxada e ao chicote. Depois da forte presença dos religiosos que emprestaram sua voz contra a opressão policial e do muque dos senhores da terra, a Cantata pra Alagamar repercutiu com maior abrangência e deu vida às reivindicações das famílias que residiam na região.
Em fevereiro de 1980, durante assembleia dos bispos brasileiros em Itaici (SP), tendo a Igreja Católica produzido importante documento sobre a questão fundiária do país – Igreja e Problemas da Terra, talvez fruto desse movimento embrionário da Paraíba. Com todos os bispos ali reunidos, foi exibida a Cantata pra Alagamar do mesmo modo como vinha sendo apresentada em outros lugares, inclusive na França, por interferência de Dom Hélder Câmara, que desfrutava de reconhecimento internacional de sua luta pelas causas dos pobres.
A Cantata escrita por Solha e musicada por Kaplan fala da grande e injusta violência cometida contra camponeses arrendatários da fazenda Alagamar, em Salgado de São Félix. Tudo o que ali aconteceu naquele pedaço de terra, as agressões e prisões, por ordem do governo e a participação de capangas que impediam o acesso à área, constituiu-se, desse modo, um certo enclave. Dois distintos prelados, Dom José Maria Pires e Dom Hélder Câmara, furaram o cerco mesmo sob a fúria policial que estava debaixo da ordem.
Em Alagamar se deu um dos primeiros enfrentamentos ao poder oligárquico pelos pobres e agricultores, tendo como base a não-violência, doutrina exaltada por Dom Hélder, com repercussão no seio da Igreja, no Brasil e no exterior.
Sensível à questão da terra, tão em voga também em sua região, poeta e memorialista da Prelazia de São Félix, à beira do Rio Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, escreveu um poema sobre Alagamar, que transcrevo. Este poema se juntou a outras manifestações que vaticinaram a enxurrada de ajustamento que alagaria o mar das injustiças:
… E que o Rio alague o Mar!
- São Francisco alague o Mar
- Tocantins alague o Mar
- Araguaia alague o Mar
Todo Rio se ajuntando
numa enchente de Justiça,
Povo-Rio
Alague o Mar!