Ó praia, praia bela!
quanta paz te traz a chuva…
Ninguém lembra como dantes
por aqui te encontraram
como dantes te mostravas
ao tempo em que vivias
no silêncio da neblina.
Decerto como agora
sob os pingos que te caem
Que tapete tão macio
essa areia umedecida…
Que aroma cheio de vida
têm as algas que te bordam
Foste assim há quanto tempo?
Por séculos ou milênios
e quem sabe até bem mais...
Tuas ondas beijam rochas
desde quando o mundo é mundo
Nunca batem até que furam
Neste ardor só há carinho
e a magia de um balé
para poucos que enxergam
Pus-me ali a observar,
sob a linha do horizonte
as carícias com que as ondas
abraçavam aquela rocha
As espumas ao seu redor
o marulho interrompido
pela saga do encontro
desta pedra com o mar
Daí imaginei
quanto tempo isso acontece…
E lembrei que pra sentir
tudo que o passado evoca
não precisa ir tão longe
Basta caminhar um pouco
ir ali na beira-mar
pôr os pés naquela borda
de espuma e fina areia
pra que o cheiro da origem
deste mundo tão bonito
invada sua alma
e lhe cante bem no fundo
como aquele belo órgão
que ouvimos, certa vez,
na abadia milenar.
Deste tempo que o tempo
reconstrói no pensamento
na emoção de quem enxerga
mais além de sua vida
mais além daquela estrela
ou por trás daquela rocha
que as ondas tanto beijam
sem cansar da própria história
A plateia é quase a mesma
São coqueiros e falésias
urubus e gaviões.
Muitas vezes, bem-te-vis
e corujas buraqueiras.
Estas, sim, adoram ver,
passam horas contemplando
o horizonte sob a brisa.
Faça sol ou faça chuva,
estão sempre por ali.
São fiéis ao seu amor
em cuidado com o ninho.
Vez por outra aparecem
novas crias amparadas
pelo céu que as protege.
Tão frágeis que dão dó
e receio de que sofram
já que cavam o buraco
sem devida proteção
na mais pura inocência
por achar que o habitat
ainda é como Deus quis.
Foi assim esta manhã
que surgiu embelezada
pela fresta da janela.
Desde então imaginei
que seria um paraíso
esta praia sem ninguém,
mas repleta de alegria
toda vida e harmonia
que nos chegam quando a chuva
cai das nuvens sobre nós.
E saí sem nem pensar
no destino ou no caminho,
a cheirar a terra úmida
e sentir, ao respirar,
como limpo fica o ar!
E os pingos que escorriam
pela pele refrescada
nada havia tão macio
tão suave e delicado.
Adiante um pescador
lá no mar se avistava.
Dentro d'água entre as rochas
recolhia a tarrafa.
Deu pra ver que tinha sorte
pois na rede reluziam
dois pescados que decerto
garantiam o almoço,
e quem sabe até um beijo
do amor que em seu lar
esperava com fervor.
Sempre tive afeição
por quem tira seu sustento
tão somente do que encontra
na pureza deste mar
Talvez esta sintonia
com a beleza aqui presente
dê-lhes mais sabedoria
do que apenas o alimento.
Afinal, não foi em vão
que Jesus em seu convite
prometeu que os faria pescadores
da Verdade, do amor e da alegria
como esta que encontrei
na manhã iluminada.
abril 28, 2023
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