Dedicado a Juca Pontes 🙌🏽
É preciso lembrar frequentemente que da vida não se sabe o que acontecerá no minuto seguinte. Essa é a mais pura verdade. A imprevisibilidade é uma das marcas que mais caracterizam o existir. Se fôssemos permanentemente vigilantes e conscientes desta realidade, muitos transtornos, desespero e sofrimento poderiam ser evitados ou, pelo menos, suavizados. Tal conscientização deveria constar inclusive nos programas de educação primária.
Quantas vezes os imprevistos nos surpreendem e mudam todos os planos que imaginamos? Entretanto, muitas lições podem vir da iminente imprevisibilidade. Estar preparado para surpresas que a natureza humana nos impõe na condição de transeuntes passageiros pelo planeta é a mais importante. Reiterando: do futuro não se sabe o minuto seguinte.
Contudo, sempre existe um lado positivo nas coisas que julgamos negativas. Sentimo-nos perplexos com fatos do destino que escapam à coerência lógica, mas é necessário estarmos cientes de que nos percursos da existência não há racionalidade, principalmente sob a costumeira visão superficial e imediatista. E sempre considerar que fatalidades acontecem, de forma súbita ou não, quando o imprevisível se torna realidade, quando o inapreensível se torna palpável.
Quem experimentou vicissitudes deste tipo, como a perda de um ente querido por doença fulminante, acidente ou outra ocorrência inesperada, já vivenciou um estado de incredulidade, um sentimento de que tudo era mentira. E ao acordar, na manhã seguinte, nos primeiros segundos em que se recupera a consciência, toda a realidade logo se estampa à nossa frente, provocando novo choque, tirando-nos qualquer dúvida acerca da verdade cruel.
É justamente observando por tal prisma que nos vêm o lado reflexivo, filosófico e toda a oportunidade de aprendizado sobre este “filme”, esta “peça teatral” efêmera e fugaz, este espetáculo fortuito e tremendamente imprevisível chamado vida: estarmos atentos e preparados para entender que ignoramos o que nos acontecerá no próximo minuto! E enfim compreender o que diz a sábia máxima: “para morrer, basta estar vivo”.
Após sermos vítimas de uma fatalidade, é tão duro quanto poético observar que, na manhã seguinte, os bem-te-vis continuam a saudar o dia e as nuvens desfilam fagueiras em seu cenário mutante, “ad eternum”...
E mesmo ao vivenciar alguma inesperada experiência, depois que a tempestade passa e o dia-a-dia volta à rotineira engrenagem, recai-nos aos olhos e à mente o eterno e feiticeiro véu da ilusão. A inocente ideia de que essas coisas nunca acontecerão conosco ou de que a morte tem hora certa... Quem quiser que se engane com a certeza que pensamos ter nas coisas.
Porém, entre os espantos da vida, de repente há magia. Tudo pode mudar para melhor. A vida também se mostra bela exatamente pela diversidade de suas surpresas. Piores ou melhores, nunca as julguemos. Decerto os fatos estão abrigados nas mesmas leis e mecanismos com que a Lua circunda a Terra e surge acima do horizonte, invariavelmente na hora exata.
Não são as galáxias entrelaçadas nas energias do Universo? Não são perfeitas e precisas as leis que regem a Criação? Tão quanto é perfeito o antagonismo complementar entre o bem e o mal, o preto e o branco, o yin e o yang, o quente e o frio? Então, perfeita é a existência, mesmo com tudo o que nos faça crer que algo está errado, mas não está.
A imprevisibilidade e a efemeridade devem ter sua razão de ser. Tudo tem. Basta e resta-nos estar vigilantes para entender e ser capaz de sintonizar com as mudanças que chegam, com o tempo e o vento. Vento que trouxe agora esta chuva que tudo mudou. Adianta se queixar? Não. Melhor sentir seu aconchego, ver o bailado das copas, das palhas ao vento, das ondas revoltas, do grave marulho. Do céu prateado, do mar agitado, e tudo de bom que vem com a chuva.
Há quem reclame? Claro que sim. Há quem resmungue, chuva não presta, faz desabar? Sim, também é verdade, mas havemos de convir que são infinitos os seus benefícios.
Pergunte ao coqueiro que soube dançar quando ela chegou. Pergunte ao capim que se viu brilhar nas gotas do orvalho. Pergunte aos lírios que ainda mais belos do que Salomão surgiram no campo pra quem quis olhar. Pergunte aos pássaros que debaixo das folhas souberam esperar a chuva passar.
Pergunte também lá dentro de si, de quanta beleza se fez a emoção da paz do silêncio, da brisa e do amor que as bênçãos da chuva derramam em si.
De repente ela veio, voraz e rebelde, lavando e polindo telhas e folhas. Queixas havia, de muito calor, verão que não ia, inverno tardava…
Graças à vida, ao mar e ao vento. Graças à música, do céu ou da Terra, do Sol e da Lua. De toda riqueza que nos abençoa desde o momento que aqui renascemos com toda essa Luz.
Saibamos brilhar. Brilhar de alegria e de gratidão. Saibamos bailar com a vida que passa. Saibamos viver com a mudança que chega. Viver de verdade, em pleno vapor, pra no exato instante da morte chegar, possamos olhá-la com os olhos “em riste” e muita altivez: Viestes foi tarde!
E mesmo se tristes houvermos de estar, lembremos que assim como essa chuvinha, que ali ainda pinga, tudo se vai do jeito que vem. Cientes de que partiremos um dia sozinhos, jamais esqueçamos que estaremos regidos por Quem nos criou, que vive entre nós, por dentro e por fora, na chuva e no Sol, no claro, no escuro, em todo Infinito. Saibamos viver!