No início de dezembro de 1634, os holandeses desembarcaram nas imediações da atual praia do Bessa, na expedição em que, após duas tentativas anteriores frustradas, conseguiram, afinal, conquistar a Paraíba. Nos primeiros embates que foram travados no local com as forças de defesa os batavos fizeram alguns prisioneiros. No relato do holandês Joannes de Laet, “entre os prisioneiros havia um Portuguez importante, Bento do Rego, do qual se obtiveram muitas informações que mais tarde foram muito uteis aos nossos”.
O caso de Bento do Rêgo Bezerra, que após a sua prisão pelos holandeses passou informações valiosas sobre a região para os invasores, foi também registrado por Duarte de Albuquerque Coelho, Donatário da Capitania de Pernambuco, nas suas “Memórias diárias da guerra do Brasil”, quando se referindo ao mesmo episódio anotou:
“Prenderam mais Bento do Rego Bezerra, dos principais moradores da Paraíba, que apenas ficou nas mãos do inimigo, não ficou mais sendo nosso, pelo bem que lá achou; e com suas informações nos fez muito mal”.
Depois de se apoderarem das fortificações da barra do rio Paraíba, os holandeses se preparavam para rumar para a Cidade Filipeia. Conforme o relato de Joannes de Laet, se os batavos fossem pelo caminho “directo e ordinario, que era o do carro de bois” haveria a possibilidade de encontrarem trincheiras de defesas instaladas no “Caminho de Boissons” (Boi só) e a tropa poderia ficar retida no local. Foi neste momento, segundo Laet, que as informações fornecidas pelo desertor Bento do Rêgo Bezerra se tornaram providenciais para os flamengos, indicando um caminho alternativo para se chegar à cidade “sem impecilio algum”. “souberam finalmente pelos prisioneiros e especialmente por Bento do Rego, que uma angra chamada Tambuja Grande (Tambiá Grande) penetrava duas leguas pelo campo e ia terminar no caminho que segue para a cidade”.
Com as informações que foram passadas por Bento do Rêgo, os holandeses navegaram pelo rio Paraíba até um local, que ficava na metade do caminho entre o forte de Cabedelo e a cidade, onde desembarcaram e seguiram o resto do percurso a pé. Durante a caminhada e, também, ao chegarem à Cidade de Nossa Senhora das Neves os batavos não encontraram qualquer resistência das forças de defesa e, desta forma, passaram a ter o controle sobre a barra do rio Paraíba e a sede da Capitania. Para o historiador Evaldo Cabral de Mello, “concentrando-se seus engenhos à margem do rio homônimo e de seus afluentes, por onde escoavam o açúcar, bastou ao exército da WIC (Companhia das Índias Ocidentais) conquistar a foz do rio Paraíba e a cidade a montante para que a capitania se rendesse”.
O Governador da Capitania Antônio de Albuquerque, havia se instalado em um engenho nas cercanias da cidade e, segundo Laet, ameaçava “prender os moradores, no caso de se sujeitarem aos nossos”. Em seguida, conforme a narrativa de Albuquerque Coelho, o Governador se transferiu para outro engenho, por julgar inadequado o primeiro no qual havia se estabelecido, porque não lhe “pareceu apropriado” para iniciar a resistência aos batavos. Como o novo engenho escolhido também não foi considerado adequado ao seu intento, deslocou-se para outro “distante dez léguas adentro” e, por fim, “o Governador, com os poucos que o acompanhavam se foi retirando para o Cabo de Santo Agostinho” onde estavam concentradas, na ocasião, as forças de resistência.
Consolidada a conquista, uma das primeiras providências dos holandeses, foi a mudança do nome da sede da Capitania, que passou a ser denominada pelos flamengos de “Fredrick-Stadt, em honra a S. A. o Sr. Principe de Orange”, conforme anotou em relatório Servaes Carpentier, o primeiro governador holandês da Paraíba. Esse nome neerlandês para a cidade, homenageando o Stathouder da Holanda Frederico Henrique e que foi traduzido em textos brasileiros como Frederica, sobreviveu apenas entre os batavos. Para o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, “tal nome ficou, do mesmo modo que o primeiro, só no papel”, se referindo ao nome Filipeia, denominação anterior da localidade que homenageara um monarca castelhano.
Pelo relato de Joannes de Laet sabe-se que os neerlandeses foram informados por um hamburguês que morava, há anos, na Cidade de Nossa Senhora das Neves de que “a burguesia no campo aqui e acolá achava-se arruinada mas estavam inclinados a voltar para suas casas e lavouras sob condições favoraveis”. Sabedores dessa disposição dos moradores da Paraíba, os holandeses fizeram divulgar um Edital que foi “escripto [...] dentro da cidade Philippea no dia 26 de dezembro do anno de 1634” e no qual eram estabelecidas doze disposições que regeriam a administração batava na Capitania e que tinha o título de “Condições que os Senhores do Governo por parte das Nobres e Altas Potencias os Senhores dos Estados Geraes dos Paizes Baixos Unidos e da S. A. Serenissima o Principe de Orange e da Companhia das Indias Occidentaes offerecem a todos os habitantes da Parahyba de qualquer nação ou condição que sejam”.
O primeiro ponto tratado no documento divulgado pelos neerlandeses referia-se à prática dos cultos religiosos, precedência que se pode deduzir que teria sido em decorrência da importância do assunto para os moradores da Paraíba:
“Em primeiro logar vos deixaremos livres o exercicio de consciencia do mesmo modo como tendes usado antes, frequentando as igrejas e praticando os sacrificios divinos, conforme os seus ritos e preceitos; não roubaremos as vossas igrejas nem deixaremos roubar, nem offenderemos as imagens nem os padres nos actos religiosos ou fora delles”.
Outro item destacado na Circular era a disposição dos batavos em manter os impostos sobre o comércio da Capitania nas mesmas condições que vinham sendo praticadas pela Coroa castelhana (na época, o trono português era ocupado pelo monarca espanhol Filipe IV):
“Nós vos deixaremos viver em vossas casas, terras e propriedades sem incommodo algum, devendo apenas pagar aos Snrs. Governadores o dizimo, isto é, 10 por cento dos fructos e productos que recolherdes, do mesmo modo como pagais ao rei Philippe”.
Os holandeses exigiam que os moradores que aceitassem se submeter às condições que foram estabelecidas no Edital deveriam prestar juramento de fidelidade aos batavos, o que deveria ser feito “o mais depressa possivel”:
“Todos que quizerem se sugeitar ao nosso dominio para viver em tranquillidade, ordem e justiça, devem comparecer, para fazer-nos o necessario juramento de fidelidade e garantia, e isso o mais depressa possivel”
Na narrativa de Joannes de Laet, “A noticia que os da Parahyba tinham acceito o nosso dominio em condições tão toleraveis, espalhou-se immediatamente pelas capitanias adjacentes; de sorte que os habitantes do Rio Grande compareceram com os da Parahyba e acceitaram as mesmas condições e prestaram o juramento de fidelidade. E, assim, conforme escreveu o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, “submetida a Paraíba, resolveram os holandeses ocupar todo o território intermédio até o Recife e foi, dessa tarefa incumbido o coronel Arcizewski, entregando-se-lhe forças, com as quais marchou para o Sul”.Segundo Joannes de Laet, a expedição holandesa foi enviada da Paraíba para a vila de Goiana “para livrar por esse lado a capitania da Parahyba de toda a invasão do inimigo mas tambem para por todos os meios trazer á sujeição dos nossos os habitantes daquella região”. A tropa batava alcançou Goiana sem que houvesse qualquer resistência local, tendo os moradores da vila aceitado a submissão aos flamengos nas mesmas condições das Capitulações que haviam sido apresentadas pelos neerlandeses na Paraíba.
Para o historiador Evaldo Cabral de Mello: “As chamadas ‘capitulações da Paraíba’ não resultaram de negociação, mas de uma outorga unilateral das autoridades holandesas, desejosas de manterem no campo a população luso-brasileira de que dependia o funcionamento do sistema açucareiro. Elas constituem um documento da maior relevância em vista de que tais concessões serão consideradas como aplicáveis a todo o Brasil holandês e não apenas à Paraíba; e cuja violação será alegada para justificar a insurreição luso-brasileira de 1645”.
As anotações de Joannes de Laet na sua obra sobre a Companhia das Índias Ocidentais - WIC registram que no dia 6 de janeiro de 1635, os Conselheiros da WIC despacharam uma embarcação “para a Republica, para communicar a conquista da Parahyba e dos fortes adjacentes e informar sobre toda a situação do Brazil”. Depois disso, ainda na narrativa de Laet, os Conselheiros “occuparam-se na Parahyba alguns dias [...] para chamar os habitantes que haviam fugido a virem ficar sobre o nosso dominio e voltarem ás suas habitações e terras”.
No dia 13 de janeiro de 1635, foi lavrado na sede da Capitania um termo de concessão aos “senhores d’engenho, lavradores e mais moradores da Paraíba” das Capitulações que haviam sido apresentadas pelos holandeses aos moradores no mês anterior. O termo foi assinado pelo abastado senhor de engenho Duarte Gomes da Silveira e por mais sete pessoas de importância na Capitania. O documento era concluído com a advertência de que aqueles que não se submetessem aos neerlandeses seriam perseguidos e considerados rebeldes:
“Estas concessões se hão de cumprir de parte a parte. E todos que a quiserem aceitar serão obrigados de chegar diante dos ditos senhores do governo ou seus deputados a fazer o juramento de lealdade e segurança. E os que não quiserem aceitar serão perseguidos e declarados rebeldes da paz e quietação. Em 13 de janeiro de 1635”.
Com esse pacto, os holandeses conseguiram manter em funcionamento o sistema de produção de açúcar que era a base econômica da Capitania. Os proprietários que haviam acompanhado o Governador Antônio Albuquerque na sua fuga para Pernambuco tiveram os seus engenhos confiscados pelos batavos. O Conselheiro Político da WIC Servaes Carpentier ficou à frente da Capitania da Paraíba durante o primeiro ano da ocupação neerlandesa, mas, em 1636, Ippo Eysens, outro Conselheiro da WIC, já estava no governo da Paraíba. Os registros históricos portugueses descrevem Ippo Eysens como uma figura detestável. Nas palavras do português Diogo Lopes Santiago que, naquela época, residia em Pernambuco:
“(Ippo Eysens) que de sua natureza era cruel, que além de muitas tiranias mandou prender os homens que lhe diziam eram ricos, e a poder de tormentos os fez confessar onde tinham o dinheiro enterrado, que todo usurpou
e mandou matar a maior parte destes homens para não se queixarem aos do supremo conselho
(Ippo Eysens) quis executar seu furor nos moradores da Paraíba, para onde partiu, trazendo consigo dois caixões cheios de muitos instrumentos fabricados para dar tormentos e martírios aos homens, desejando de lhes beber o sangue; porém não permitiu Deus, vendo tantos inocentes que aguardava a morte, que este tirano o executasse, porque andando na Paraíba uma tropa de gente portuguesa, que tinha vindo do Porto do Calvo, encontrando-se com Ippo Eysens e seus soldados, pendenciando, o mataram e a muitos deles [...] e assim cessaram por então os castigos que se temiam na Paraíba”.
(Ippo Eysens) quis executar seu furor nos moradores da Paraíba, para onde partiu, trazendo consigo dois caixões cheios de muitos instrumentos fabricados para dar tormentos e martírios aos homens, desejando de lhes beber o sangue; porém não permitiu Deus, vendo tantos inocentes que aguardava a morte, que este tirano o executasse, porque andando na Paraíba uma tropa de gente portuguesa, que tinha vindo do Porto do Calvo, encontrando-se com Ippo Eysens e seus soldados, pendenciando, o mataram e a muitos deles [...] e assim cessaram por então os castigos que se temiam na Paraíba”.
Embora desde a partida do Governador Antônio de Albuquerque não existissem na Capitania da Paraíba focos de resistência armada aos batavos, continuaram ocorrendo, em toda a região ocupada pelos holandeses, ações de campanhistas que tinham como base das suas operações Porto Calvo (no atual Estado de Alagoas), onde as forças de resistência estavam fortificadas. Naquele momento, os ataques guerrilheiros aos canaviais e engenhos eram as principais ações da resistência aos batavos, a tal ponto que um graduado militar holandês escreveu em um relatório que “o inimigo durante todo o ano de 1636 não fez outra coisa senão queimar e destruir os engenhos”.
Em outubro de 1636, uma dessas ações da guerrilha ocorreu na Paraíba. Um grupo de “gente de guerra” comandado pelo capitão Francisco Rebelo, conhecido como Rebelinho, ao chegar às terras paraibanas se deparou com a presença do Governador holandês Ippo Eysens no engenho Espírito Santo, localizado na margem direita do rio Paraíba e que foi uma das propriedades que haviam sido confiscadas pelos batavos. O episódio é narrado por Duarte de Albuquerque Coelho nas suas “Memórias diárias da Guerra do Brasil”:
“Este importante homem (Ippo Eysens), pois, para seu mal, acertou de estar naquele engenho promovendo a moagem [...] Inesperadamente foi investido pelos nossos. Não pôde fazer mais que retirar-se às casas do próprio engenho [...] se viu obrigado a retirar-se delas, porque pusemos fogo [...] Mas, por fim, não pôde resistir, e ali foi morto, com um capitão e 40 soldados [...] e ficou preso Cosme de Almeida, um mulato natural da Paraíba. A este, o capitão Rebelo mandou arcabuzar, porque por livre vontade servia ao inimigo”.
Segundo o holandês Elias Herckmans, que substituiu Ippo Eysens no governo da Paraíba, o capitão Rebelinho “depois veio com 600 homens, afixando editaes em que ordenava a todos os moradores se juntassem immediatamente ás suas tropas para fazerem frente aos Holandezes, sob pena de ser punido com a morte quem não o fizesse assim, e os seus bens confiscados, com que começou elle a atrahir a si um grande numero de pessoas, e o Estado dos Neerlandezes nesta capitania a correr perigo. Noticias e boatos mui diversos a respeito do que se passava chegavam á cidade Frederica”.
Apesar de alguns reveses, como foi o caso da morte do Governador da Paraíba Ippo Eysens, os holandeses passaram a exercer crescente domínio sobre a região e, em fevereiro de 1637, conseguiram expulsar as forças hispano-luso-brasileiras para a “margem meridional do rio São Francisco, de onde se recolheriam à Bahia”. O período de 1630 a 1637, que, para Evaldo Cabral de Mello, “se saldou pela imposição do poder neerlandês sobre toda a região entre o Ceará e o São Francisco” foi denominado pelo historiador pernambucano como o da “Guerra de Resistência”, a primeira das três fases nas quais ele dividiu a presença dos flamengos no Nordeste brasileiro no século 17.