Quando comecei a fazer literatura, primeira metade dos anos 60, com meus vinte e poucos anos, dei com o passado remoto, nessa área, tão gigantesco quão deslumbrante: Ilíada e Odisseia, o teatro grego, a Eneida, Dante, a Bíblia, Shakespeare, o romance russo e o francês, o inglês e o americano, o alemão e o italiano - Os Sertões, Machado, Guimarães Rosa, Graciliano, Zé Lins, além de todo um mundo de poetas - de Eliot a Borges, de Fernando Pessoa a Pound, do Affonso Romano de Sant´Anna a Drummond - , e de pensadores - de Platão e Aristóteles a Marx, de Nietzsche e Schopenhauer a Teilhard de Chardin, Bergson e Sartre, de Celso Furtado ao Adam Smith, de Bertrand Russell aos grandes autores sobre Arte - como Élie Faure e Gombrich, e haja Brecht, Beckett, Voltaire, Molière, e eu ainda tinha meu expediente no Banco do Brasil, esposa e filhos.
OK.
E me deparo, décadas depois, nos estudos de Éverton Santos - para seu doutorado e pós doutorado em letras, 2014 e 16, em Sergipe, sobre meus poemas longos - com esta observação, que me deu um choque de realidade: não há menção de grandes autores mais recentes, em meus textos. Tenho um volume de 2012 que se chama "Sobre 50 livros de autores brasileiros contemporâneos que eu gostaria de ter assinado", resultado de uma atividade crítica que Esdras do Nascimento me reprovava, mesmo sendo algumas das resenhas sobre romances seus. "Não perca tempo com os outros: você é romancista!"
Fizera mal em deixar o resto do mundo de lado durante tempo demais? Hobsbawm, em "A Era dos Extremos", me deu outra razão: conforme ele, fora-se o tempo dos Picassos e Matisses, e a última obra literária de consenso universal tinha sido "Cem Anos de Solidão", de 67. O que inclui tudo que tenho feito, claro.
Provavelmente, até o meio do ano, minha "Auto b/i/o grafia" será publicada. E o que espero disso? Nada. Tenho várias criações premiadas nacionalmente, mas com vendas tão precárias que nenhum de meus primeiros grandes editores se habilitou, jamais, a relançá-las, e tenho custeado meus últimos romances e poemas, com editoras de âmbito regional, livros que muitos consideram eruditos demais - ilegíveis. Isso, aos 82 anos, com uma trombo-embolia pulmonar e um infarto no currículo, não é motivo para festa.
O livro de memórias que acabo de escrever é outro sintoma do que me estava acontecendo "por dentro". E estou em cima de meu sexto "tratado poético-filosófico". Dois de meus quadros (abandonei a pintura em 2004) são sobre suicídios: o de van Gogh e o de Hemingway, uma atitude fora de cogitação, no meu caso, mas sintoma de identificação: um se matou porque não vendia nada do que produzia, o outro, porque não se sentia, mais, no pique de sua melhor fase. Mas a arte tem o dom de até disso fazer bom tema. Seria ótimo se o autor de "Por quem os sinos dobram" e de "Adeus às Armas" nos tivesse contado o que se passava em sua cabeça no momento em que introduziu a boca do rifle com que fizera caçadas na África - nos bons tempos - na própria boca, vinte anos mais moço do que eu,agora.
E me vem, mais uma vez, a pergunta: "Por que teimo em continuar escrevendo?" E, mais uma vez, a resposta: a do escorpião ao sapo, depois de lhe meter o ferrão, quando atravessava um rio em suas costas. "Porque é de minha natureza". E qual é ela? Uma que necessita enormemente de entender o que veio fazer no mundo. E que sabe que isso somente pode lhe acontecer, escrevendo.