O que estavam fazendo nossas mães que não tiveram nenhuma riqueza para nos legar?
(Virginia Woolf em Um teto todo seu)
O programa Saia Justa (GNT) do último dia 22 de março, falou de um assunto importante – dinheiro, e a relação de como nós, mulheres, nos relacionamos com as verdinhas. Como esse tema é caro para os brasileiros! muito pudor em falar do assunto, entre os casais então... e com as mulheres? Nunca se acham capazes nem merecedoras de gastar consigo. Gabriela Prioli, advogada e novo membro do programa, falou de forma pertinente e até jurídica sobre o assunto. As mulheres não estudavam e eram relegada à casa e aos cuidados com as crianças e com os mais velhos (vejo a minha neta Luísa, de quase quatro anos, brincar de grávida e com o seu bebê imaginário por entre os cômodos. E como faz isso com graça e altivez; tão pequenina e o mundo já lhe dizendo para/como ser mãe).
O provedor e o capaz para com as finanças sempre foram os homens. E todos os outros fatores, dificultando essa relação das mulheres com o dinheiro como: entrada no mercado de trabalho, salários desiguais, carreira em segundo plano por conta dos filhos, etc. E, claro, como a mulher desde sempre cuida, se ganhar dinheiro é sempre para investir na casa, na família, e está tudo certo. Mas, se for para o seu deleite, investimento próprio, carreira e, principalmente, o prazer, aí a equação não fecha. Sim, tem aquelas mulheres que gastam nas bolsas milionárias e que pagam pouco às diaristas, como bem lembrou a cantora, Larissa Luz (outra integrante do programa). Mas com o dinheiro do marido, na maioria das vezes.
A pobreza feminina vem de longe. A escritora/ensaísta inglesa, Virginia Woolf, pensou muito sobre esse assunto e tão bem escreveu nos seus ensaios questionando porque, no início do século passado, os homens bebiam vinho e as mulheres água nos refeitórios diferenciados das Universidades de Cambridge e Oxford. “Porque um sexo era tão próspero e o outro tão pobre? Somente os fellows e os estudantes têm permissão de estar aqui (Cambridge), meu lugar é no cascalho...”, perguntava Woolf.
Mas como entendem de economia as mulheres brasileiras! São tantas as cabeças do casal, ou chefes de família, abandonadas pelos maridos, que não dão murro em ponta de faca. Correm em busca do sustento ganhando tão pouco. E com aqueles trocados, ou no máximo um salario mínimo, dão de comer aos filhos, e os abrigam como podem. Imaginem se tivessem educação, lições de economia doméstica e empreendedorismo. A pandemia mostrou isso. Mulheres que foram à luta, a fazer doces, bonecas ou marmitas para sobreviverem.
Lembrei da minha mãe que, com a vida modesta que tivemos, meu pai um pequeno comerciante de móveis de escritório, ela era econômica até demais. Costurava para as quatro filhas, cozinhava iguarias para o dia a dia (inesquecíveis os seus bolinhos de bacalhau, quando esse pescado era comida de pobre, ou as ostras ao molho de coco dos sábados). Fósforo? Só riscava um para não desperdiçar. Lições de sustentabilidade/preservação, aprendi em casa, desde a infância. E guardar tudo de comida para reaproveitar no dia seguinte com os famosos mexidinhos, arrumadinhos, ensopadinhos. Aprendi tudo isso e repito na minha casa. Espero que os meus filhos tenham observado a lição. Transformar é preciso. Lavoisier dita as regras!! O mesmo se dava com as roupas, além das “cabidelas” das primas ou das mais velhas, tudo virava outra coisa. E essa moda que hoje se diz “vintage”, eu sou adepta desde mocinha. E assim vivemos, com o meu pai provedor, e a minha mãe nesse trabalho invisível e tão desmerecido pela sociedade, o que fazia o dinheiro render para que nós tivéssemos alguns supérfluos.
Portanto, quando fui estudar Woolf, no final dos anos oitenta, lá nos arredores de Cambridge, quando sentava embaixo dos chorões belíssimos, ou quando contemplava aquela paisagem de filme dos backyards e dos cascalhos, eu lembrava das minhas tantas casas, de minha mãe, das irmãs, e do meu pai. Mas era a minha mãe, na sua pobreza de mocinha (ficou órfã e começou a trabalhar aos 17 anos na Saboaria Parahybana), que costurava a sua própria roupa e cortava os seus lindos cachos, que fazia a economia da casa florescer: “supõe-se que as mulheres sejam geralmente muito calmas, mas as mulheres sentem exatamente como os homens – elas precisam de exercício para suas faculdades e de um campo para seus esforços... elas sofrem de uma contenção rígida demais, de uma estagnação absoluta demais, precisamente como sofreriam os homens; e é tacanhice de seus semelhantes mais privilegiados dizer que elas devem limitar-se a fazer pudins e costurar meias, a tocar piano e bordar sacolas“.
Comigo já foi diferente e agradeço às mulheres que me antecederam. Sempre fui uma mãe presente e provedora, mas também investi na minha carreira, nos meus gostos e deleites, sem maiores culpas ou arrependimentos (só alguns), quando tirava uma tarde toda minha para alguma matiné. Acho que, um século depois, segui a trilha do que dizia Virginia Woolf: “A liberdade intelectual depende de coisas materiais. A poesia depende da liberdade intelectual. E as mulheres sempre foram pobres, não apenas nos últimos duzentos anos, mas desde o começo dos tempos"...
Espero que vocês se apoderem de dinheiro bastante para as viagens e o lazer, para contemplar o futuro ou o passado do mundo, para sonhar com livros e vaguear pelas esquinas e mergulhar a linha do pensamento fundo na corrente...”