Na previsão do Programa Empreendedor Cultural, a Academia
Paraibana de Letras deveria ser representada nesta solenidade pelo seu presidente, o advogado e escritor Joacil de Brito Pereira.
Discurso pronto, com o rigor que lhe é peculiar no cumprimento dos compromissos assumidos, nosso presidente foi impedido de estar presente, por aconselhamento médico que lhe prescreveu repouso e cuidados especiais.
Discurso pronto, com o rigor que lhe é peculiar no cumprimento dos compromissos assumidos, nosso presidente foi impedido de estar presente, por aconselhamento médico que lhe prescreveu repouso e cuidados especiais.
Assim, por sua indicação, ou talvez por força do Destino, aqui estou em nome da Academia Paraibana de Letras. Aqui estou para viver as emoções deste evento que toca de maneira tão especial o nosso sentimento de paraibanidade, no qual se inclui, imperiosamente, a veneração por Augusto dos Anjos.
A idéia inicial era ler o discurso que o presidente Joacil de Brito Pereira escreveu para a ocasião. Mas, na perspectiva dos pronunciamentos em pauta, considerei que era preciso ser mais breve. Que o grande discurso sobre Augusto resultará da multiplicidade das expressões que acompanharemos ao longo do dia. Discurso este, que não se concretiza apenas nas palavras mas que também se escreve com gestos e ações de comovente significado simbólico.
Além disso, conhecer Leopoldina, magicamente ainda impregnada pela presença física do poeta, visitar a casa onde Augusto viveu, conhecer a escola de que ele foi diretor, chegar ao seu túmulo e diante dele experimentar a emoção do sagrado, tudo isto exerceu sobre mim, um impacto que não estava previsto, em sua exata proporção. Mas tão forte e de tamanha intensidade que não tenho mais como ler as muitas laudas preparadas pelo meu amigo Joacil. Pois a instigante realidade vivida aqui se impõe como referência obrigatória.
Escolhendo o 20 de abril para homenagear Augusto dos Anjos como parte de sua história, Leopoldina nos indica que esta é uma celebração da vida. Da vida prodigiosa que há 118 anos, transubstanciada em poesia se sobrepõe ao tempo.
Diante deste túmulo, a morte se desfigura, perde sua força dominante. Resume-se a um episódio, um traço biográfico, uma data. Nada mais.
E já não sabemos dizer se é homem ou mito este singularíssimo poeta que, tendo testemunhado menos de duas décadas do século XX, foi por ele consagrado como criador de uma linguagem, de um ritmo, de uma concepção poética que surpreendeu a Literatura Brasileira e a ela se acrescentou como renovação e sinalização de outras formas de sentir, compreender e dizer.
Conquistando primeiramente o público, recitado por todos os níveis intelectuais que continuam esgotando sucessivas edições do EU, Augusto foi gradativamente descoberto pela crítica que precisou amadurecer para compreendê-lo. E, da mesma maneira que se tornou um fenômeno de aceitação do público, o poeta, analisado e interpretado pela crítica, cada vez mais se afirma na grandeza de sua inovadora expressão.
As três últimas décadas do século XX foram definitivas em relação aos estudos da poesia de Augusto dos Anjos. Estudos universitários, de segura argumentação teórica, sacramentaram o EU e outras poesias. De tal forma que a Literatura Brasileira, para ser completa, não pode prescindir desta construção poética que, não sendo exclusivamente romântica, parnasiana ou simbolista, opera a síntese revitalizadora dos três estilos, prenunciando o modernismo que somente eclodiria em 22.
Paraibano do século, cidadão leopoldinense, escritor brasileiro de estilo inconfundível, Augusto dos Anjos vive transubstanciado em poesia. E aqui permanecerá à sombra do tamarindo. Em paz, à sombra do tamarindo, porque o "infinito que trazia encarcerado dentro d'alma" se afirmará pelos séculos, neste grito contra o desperdício das potencialidades, que é O Lamento das Coisas.
O poeta dorme à sombra do tamarindo e sonha com outra humanidade. É como se pudéssemos ouvir ainda o grito de sua consciência crítica, metaforizando a realidade do subdesenvolvimento
Triste, a escutar, pancada por pancada.
A sucessividade dos segundos.
Ouço, em sons subterrâneos, do orbe oriundos.
O choro da Energia abandonada!
É a dor da força desaproveitada,
- O cantochão dos dínamos profundos, Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!
É o soluço da forma ainda imprecisa ..
Da transcendência que se não realiza
Da luz que não chegou a ser lampejo ..
E é, em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando.
No rudimentarismo do Desejo.
Discurso proferido pela autora, em Leopoldina (MG) — 20 de abril de 2002