A nossa Academia de Letras, como não podia ser diferente, dispõe de uma boa biblioteca de peso literário. E reflete a cultura dos seus fundadores e primeiros ocupantes, pródiga de clássicos portugueses e das celebridades de todos os tempos que os editores brasileiros do século passado puderam traduzir.
Embora constitua a biblioteca da entidade mais representativa das nossas letras ou da nossa cultura, é pouco frequentada. Sobretudo por acadêmicos que, antigamente, ainda assinavam uma ficha e levavam emprestado. Hoje nem isto.
Quem mais de uma vez encontrei cascaviando de nariz enfiado em páginas empoeiradas foi Tarcísio Burity. Achando pouco a biblioteca do seu escritório, hoje fazendo parte da grande biblioteca Juarez Batista, no Espaço Cultural, recorria, às vezes, ao acervo da academia.
E lá o encontrei com os Estudos Alemães, de Tobias Barreto, que tanta influência exercera na Escola de Recife e que, anos depois, teria de repercutir, sem dúvida, na formação do poeta maior Augusto dos Anjos.
Alguma coisa remetia nosso ex-governador a Tobias. Sem dúvida a presença, aqui, do professor Mário Losano, da Universidade de Milão, autor de um robusto ensaio sobre o Direito em Tobias Barreto. Como e por que o negro Tobias, empoeirado pelos novos tempos, sobretudo em seu país, tornara-se protagonista na visão de um mestre do Direito italiano, nos alvores do século XXI?
Certamente era isto o que Burity procurava. E desse contato com o professor de Milão nascia a ideia de uma revista de estudos brasileiros, a exemplo do que fazia seu amigo Miguel Reale, em São Paulo, mas a daqui sem ranço regionalista.
Atrapalhei-me quando ele me falou nisto: “Por que sem ranço regionalista? O que tem isso de ruim?”
Aí ele me deu uma aula sobre certos temas que têm de ser universais. Ainda cheguei a riscar o projeto gráfico enquanto ele se empenhava em reunir nomes do Recife, de São Paulo, do Rio Grande do Sul, com os quais estava sempre mantendo contatos. Não foi sem motivo que foi escolhido pelo ministro Celso Lafer, das Relações Exteriores, para compor a delegação brasileira que foi discutir a instituição de uma corte penal internacional para casos, àquela época, como o de Pinochet, ou de ladrões de uma nação que se refugiam em contas bancárias de outras.
Há poucos dias, na solidão da biblioteca Álvaro de Carvalho, a da Academia, me aparece esse grande vulto. Mais do que vulto, ente de conotação indistinta. Mas o homem presente, vivo em cada ação ou em cada obra marcante na sua cidade ou no Estado. E mais vivo ainda na ação cultural personificada em monumentos como o Espaço Cultural, ainda hoje, quarenta anos depois, não totalmente preenchido.
Ainda esta semana, indo ao nosso aeroporto, submetido a nova reforma, ocorreu-me o seu esforço para estender a pista ao tráfego internacional, aberta às futuras ampliações. Não foi diferente no campo cultural ao montar um palco sinfônico da intimidade de regentes nacionais ou estrangeiros. Presumo que seu nome e sua obra dispensem estátua, mas se dependesse de mim o lugar de erguê-la já se acha escolhido: num canteiro livre que termina em pequeno triângulo entre o Palácio do Bispo e a confluência das ruas Pedro I e Odon Bezerra. Burity de olhos no Seminário, na Academia e nas torres do Carmo e de N.S. das Neves.
Estou certo, professor Marcílio Franca?