Era tarde demais, 12h de uma sexta-feira à noite. Ele havia chegado cedo e pensou em dar uma volta, correr riscos, se é que eles viriam. Mas pros diabos se não viessem.
Pior seria em casa, pensando nas perdas de tempo, na pandemia, ou nos livros de contos. Os tempos não eram para volumosos romances nem para entender o mundo e muito menos a si próprio.
Chega de buscas interiores. Nada mudaria o que ele se tornara. Não adiantaria tentar atenuar defeitos ou aceitar polidamente os dos outros. Não. Chega! Deixa como está. A vida é isto mesmo: um planejamento inviável, inatingível, uma repetição mesquinha de equívocos.
Tudo chegava com um grau de encantamento febril, lascivo. Durava um tempo, mas a hora da verdade sempre vinha, potente, firme como aço, e berrava de novo nos seus ouvidos, porque nada escapa ao seu não definitivo e irrevogável.
Sonhar pra quê? Por que acreditar que desta vez daria? Que seria diferente? Não seria diferente nunca, neste vasto oceano idealizado.
Era um estúpido, um vago e desenganado idiota, um crédulo, um adolescente crônico. Quantas vezes imaginou que as tomadas definitivas de decisões pareciam reais, factíveis, viáveis, para depois voltar a saborear o gosto amargo do fracasso, do desfeito, da solidão.
Esta, sim, solidamente real, impávida, sempre à espreita com seu rosto medonho e seus frios olhos de tubarão. Esta era real, sem qualquer esforço, sentada ou em pé, pronta para o bote, o pulo fatal, sem erro, sem fantasias, abraçando novamente o seu corpo aos pedaços e a sua mente combalida e utópica de afogado em esperanças. Como um resto do nada, uma coisa qualquer, já desprovida de expectativas, depois das dezenas de promessas feitas a si mesmo de que não mais repetiria o engano de beber o veneno, que por dezenas de vezes, já havia degustado como um vinho.