A porta da antiga barbearia ainda está aberta. Na inclinada calçada vejo os mesmos batentes para facilitar o acesso ao estabelecim...

O presente solta o passado

nostalgia passado recordacao
A porta da antiga barbearia ainda está aberta. Na inclinada calçada vejo os mesmos batentes para facilitar o acesso ao estabelecimento. Do lado de fora, ao passar, observo de relance que pouco foi modificado. Duas cadeiras de barbeiro de frente para os espelhos e, por trás, um banquinho para quem aguarda a vez. A rua, a Peregrino de Carvalho, que hoje sei do nome, fervilha menos devido às mudanças impostas pelo tempo.

Naquela barbearia, os herdeiros dos antigos proprietários mantêm a tradição familiar do corte de cabelo bem aparado à tesoura, da barba feita com espuma e navalha. O espaço não aderiu ao requinte dos mega-salões gourmetizados impostos pela moda e permanece ao estilo dos velhos e poucos clientes.

nostalgia passado recordacao
Edifício "Dezoito andar" GSView
A vizinhança é que está modificada, diria deteriorada. O prédio “18 Andares” não ostenta de ser uma das mais altas edificações da cidade, foi superado por dezenas de outros e está mais deteriorado. O trânsito por aquelas bandas agora é mais ameno. Pela região sobrevivem lojas, sobretudo as de móveis, que testemunha cada vez mais escassear a clientela e a baixar as portas. Dos antigos cinemas de áreas próximas, todos estão fechados, o Rex, o Plaza e o Municipal.

A vizinha Rua da Areia, com o passar das décadas, ganhou os estabelecimentos outrora afamados da Maciel Pinheiro e movimentam as noites/madrugadas com bares e afins.

O Comando-Geral da Polícia Militar já está em novo endereço, não funciona entre as Praças Pedro Américo e Aristides Lobo. Resta na segunda praça, para minha surpresa, um lambe-lambe resistente à modernidade dos celulares e às interrogações dos passantes, desconectado do presente. Parece surgido de um portal do tempo. Ou será que aposta justamente no inusitado do passado para ganhar algum trocado como souvenir? A máquina fotográfica montada numa caixa num tripé em meio ao passeio público tem aparência alienígena.

nostalgia passado recordacao
Arq. Municipal J. Pessoa
Bem, já fiz uso do lambe-lambe para fazer fotografia 3x4 para documentos, como carteiras de estudante e, depois, identidade e reservista. Eles tinham disponível terno e gravata para o caso do cliente necessitar. O processo simples: sentar num banquinho, ficar com a coluna bem ereta, permanecer imóvel enquanto o fotógrafo “se escondia” atrás de uma caixa mágica e sob pano negro. Instantes depois, a foto logo ficava pronta.

Naquela região, pela Guedes Pereira e outras vias, passava o bondinho. Certa vez, quando o asfalto gasto atingiu os paralelepípedos, os trilhos emergiram. Foi outra viagem do tempo. Contudo, logo foram sepultados novamente nas fotos, registros e memórias.

Volto à lembrança à porta da barbearia. O primeiro corte, aliás, um dos barbeiros, amigo do meu pai, precisou fazer uma visita à minha residência no Castelo Branco. O garoto resistia à ideia de alguém passar uma tesoura tão próximo ao seu crânio. Como o corte foi um sucesso e os pensamentos continuaram a sair da cachola, o garoto aderiu ao aparar as madeixas.

nostalgia passado recordacao
GSView
A ida à barbearia virou evento, acontecimento, oportunidade de passeio. Os nomes dos barbeiros já não lembro. Ficou na memória que a conversa era animada entre os homens de tesouras e navalhas à mão e os fregueses. Ao término, uma olhadela no espelho, o serviço bem feito e o pagamento efetuado. Uma passada na porta e o presente, solta do passado.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também