Arrumando meus guardados, em mais uma mudança, me deparo com o cartão postal do fotógrafo Ricardo Peixoto. EU 100 anos - Augusto dos Anjos. As imagens trouxeram lembranças preciosas. Olhei para o belo trabalho do fotógrafo e me senti ali também.
Sentada na cadeira como um diretor de cinema, solto a minha imaginação para assistir pedaços distantes da minha história. A cena mostra tudo cinza e embaralhado, imagens sobrepostas na memória. Foi assim que me senti com a morte do meu avô. Eu com 11 anos passando pela segunda maior separação da minha vida.
Sentada na cadeira como um diretor de cinema, solto a minha imaginação para assistir pedaços distantes da minha história. A cena mostra tudo cinza e embaralhado, imagens sobrepostas na memória. Foi assim que me senti com a morte do meu avô. Eu com 11 anos passando pela segunda maior separação da minha vida.
A primeira, foi quando saí do colo da minha mãe com dez dias de nascida, justo para viver com meu avô, mas essa dor foi tão profunda que só apareceu depois na vida adulta.
Quando meu avô morreu, fiquei só com a sua imagem elegante do retrato na sala de visita. O comerciante dos anos cinquenta, de paletó de linho e chapéu Fedora, acessório indispensável para os homens naquela época. Óculos fino, tipo picinez com hastes e um discreto bigode.
As feições delicadas lembravam Augusto dos Anjos, mas de augustos não tinha nada, nenhuma majestade, talvez dos anjos pela sua candura em tratar com as pessoas, em especial a mim. Não carregava a tristeza nem a morbidez do Eu de Augusto dos Anjos e sim, um sutil humor de quem cultivava o prazer das pequenas coisas, como quando apontava os meus lápis de cor num esmero de dar gosto. Eu a filha/neta, ficava hipnotizada apreciando o escultor finalizando sua obra de arte.
E com essa leveza, foi enchendo o meu mundo de amor e de pequenos detalhes. Isso me salvou, me tirando do cinza da tristeza, para o vermelho vivo de alegrias e boas lembranças. Cresci com meu coração repleto de amor, seguindo os seus ensinamentos com delicadeza, apreciando as pequenas e preciosas coisas da vida.
Uma vez quando não passei de ano, por conta de dois décimos, ele para meu consolo, me deu uma bicicleta nova. Todos da família criticaram, até hoje tem quem lembre e ainda fale com desdém da sua atitude. Para mim, uma alegria, a bicicleta me fazia voar e ousar ir até a Praça da Independência, um mundo à parte. Até hoje carrego comigo a sensação de liberdade. Em nenhum momento deixei de ser dedicada aos estudos. Ele com sua sensibilidade, foi capaz de não frustrar mais ainda o coração de uma menina.
Queria poder voltar no tempo, segurar a sua mão e caminhar pelas ruas antigas da cidade. Ainda bem que temos a imaginação. Uma dádiva, assim como ouvir uma boa música, ler um poema, nos transportam para sensações que fazem o coração pulsar de alegria mais uma vez