Qual a melhor imagem para a vida? Alguns costumam compará-la a uma viagem, ou melhor, a uma travessia no deserto com início, meio e fim. Essa imagem é boa, mas muito resumida... Outros, em vez do deserto, preferem o oceano; dizem que estamos todos “no mesmo barco”.
O barco pode ser comum, mas se esquecem de dizer que nem todos viajam da mesma forma. Enquanto uns se banqueteiam no convés, outros suam nos porões... É verdade que o barco corre o risco de naufragar e, se isso ocorrer, todos morrerão – mas, enquanto não ocorre, uns gozam e outros trabalham. E trabalham justamente para os outros gozarem, por isso às vezes desejam secretamente que o barco afunde.
O barco pode ser comum, mas se esquecem de dizer que nem todos viajam da mesma forma. Enquanto uns se banqueteiam no convés, outros suam nos porões... É verdade que o barco corre o risco de naufragar e, se isso ocorrer, todos morrerão – mas, enquanto não ocorre, uns gozam e outros trabalham. E trabalham justamente para os outros gozarem, por isso às vezes desejam secretamente que o barco afunde.
Há uma imagem mais completa para representar a existência – a do circo. A vida é um picadeiro no qual cada um é levado a representar o seu papel. Esse papel ninguém escolhe, pois é dado desde que se nasce, e o maior desafio é não entrar em conflito com ele. Rejeitar o próprio papel significa brigar consigo mesmo, não se aceitar.
O problema é que não temos uma essência e, por isso, nunca estamos “no ponto”; tendemos a fantasiar o que julgamos ser. Criamos um ente ilusório, correspondente ao que a psicanálise chama “ideal do ego”, que sempre está além do que somos (do contrário, não seria um ideal).
Conhecer a si mesmo (segundo Sócrates, a primeira condição para a felicidade) significa libertar-se desse ideal. Essa é uma tarefa difícil e contra a qual devemos lutar muito, pois “eu” nenhum é lá muito apreciável. Há quem prefira, para não se desencantar de vez com a vida, não chegar muito perto de si.
Mas voltemos à imagem do circo, que é bem mais abrangente do que a da travessia e a do barco. Primeiro, porque ela contempla a distinção social: uns assistem ao espetáculo nas arquibancadas, outros nas cadeiras, outros nos camarotes especiais, que ficam próximo ao picadeiro – e de lá podem ver bem de perto, dependendo do gosto, o tórax do atirador de facas ou as pernas das bailarinas. Segundo, porque os artistas apresentam uma variedade de performances que valem como metáforas da existência.
Quantos de nós, para viver, não temos que engolir o fogo de certas afrontas? Ou nos equilibrar na corda bamba de um relacionamento que ameaça ruir? Às vezes devemos ser domadores de feras e, por desleixo ou excesso de confiança, correr o risco de ser devorados. Amansar as feras que nos rodeiam aborrece e consome muita energia.
O comum é ficarmos na mira dos atiradores de facas, ou de balas mesmo, que diferentemente do que ocorre nos espetáculos fazem questão de acertar o alvo. Ou enfrentar um trânsito assassino, que congestiona as estradas e nossas artérias. Ele é uma espécie de “globo da morte” do qual não se pode sair.
Mas o pior é termos de bancar os palhaços neste mundo de tantas espertezas e injustiças. Palhaços tristes, que riem de si mesmos. Neste caso nos parecemos com aqueles remadores que silenciosamente suspiram pelo naufrágio – pois a alegria do palhaço, como se sabe desde sempre, é ver o circo pegar fogo.