Ontem o tempo enfureceu no brejo. Chuva torrencial, relâmpagos clareavam o céu, água descia em cachoeiras pelas ladeiras acidentadas. Visibilidade prejudicada, limpadores no máximo, atenção e frustração... O céu com suas nuvens azul-arroxeadas prometia mais água. O programa de participar da Vigília Pascal foi suspenso. Impossível seguir em frente. O neto pequeno, entusiasmado com a aventura, perguntou:
- Será que vai acontecer alguma coisa? E, se um dinossauro aparecer, o que faremos, vovó?
A resposta encontrada de que, com tamanha chuva, certamente estariam escondidos... Mas, algo estranho motivara desmesurada tempestade no início de abril.
Não sabia. E quando não “sabemos” o sofrimento é inexistente, ele aguarda pacientemente a próxima oportunidade de atacar, surpreender, roubar a nossa alegria...
Com o zap em ação, irmã viajando à procura de pedras, mas na segurança do hotel... O resto da família em suas casas. Tudo bem!
A opção seria ver Jeremy Irons e Diane Keaton e sorrir um pouco. Mas a inquietação não permitia. Uma sensação de insegurança levou a caminhante pelas ruas desertas, para pensar.
“O resultado do pensamento não tem de ser o sentimento, mas a atividade”
(Vincent Van Gogh)
Logo cedo, o retorno, final do feriadão. E a intuição continuava vendo as nuvens pesadas que cobriam o firmamento. Não havia um espaço livre, um pouco de sol. Outra vez a chuva caiu intempestivamente, com seu aparato quase invernal. Foi exatamente nesse momento que chegou no celular a notícia da morte de Juca. Um impacto, uma negação!
“O que terei? Nada
A quem temer? Ninguém
Por quê? Porque aqueles que se unem a Deus
Obtêm três privilégios: Onipotência sem poder,
Embriaguez sem vinho, e vida sem morte. ”
(São Francisco de Assis)
A questão recorrente nessa hora é: Por que ele? Uma pessoa tão diferenciada! Humana, inteligente, simples na sua riqueza, bem estruturada na cabeça, poeta e editor de sucesso. Mas, agora, o que mais pesaria? O coração bom, sensível e carinhoso! Então, a virada do tempo, o tumulto no céu estava justificado. Os espíritos indignados dos artistas, escritores e poetas, choravam copiosamente, e suas lágrimas inundavam a terra. Baudelaire, Victor Hugo, Paul Valéry, Paul Verlaine, René Char, Jacques Prévert, Alfred de Musset, H Heine, Herman Hesse, Pablo Neruda, Quintana, E. Allan Poe, T. S. Elliot, Anne Lynch, Sylvia Plath, Charles Bukowski, Ernest Hemingway, Shakespeare, Carlos Drummond, Vinícius e tantos outros. Lágrimas densas de quem o queria vivo, com suas mil habilidades, assumindo projetos, escrevendo dicas na sua cadernetinha de bolso, realizando sonhos de quem o admirava e desejava a perfeição de suas edições.
Como e por onde recomeçar? Todo o material estava agendado para a próxima quinta-feira, um sorriso escondido na barba branca, a segurança de estar nas suas mãos. . .
Podia ser que ele desconfiasse de que tinha asas escondidas, e mesmo assim temia a morte. Era humano demais para não sentir.
“Quando eu for
Um dia desses,
Poeira ou folha levada,
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso”
(Mário Quintana)
Os dias nunca mais serão iguais. A dor da família e dos amigos é profunda e irreparável. E se um anjo intelectual tivermos? Aquele que não descansa, mas continua a criar dentro de nós um pouco de Juca, um pouco de competência, e, além de tudo, um coração pleno do dever cumprido, de ter sido o melhor amigo, a palavra mais escolhida, o projeto mais desafiador.
Quinta vou esperá-lo, de outra forma. Na oração e na saudade do que poderíamos ter construído. Mas, tenha certeza: Estarei com você no meu coração, e sem poesia! Buscando um beija-flor colorido pousar como um pensamento vazio.
“Que o teu trabalho seja perfeito
Para que, mesmo depois da tua morte,
Ele permaneça”
(Leonardo Da Vinci)