Há escritores que pressentiram o futuro de modo surpreendente.
Talvez o mais notável de todos, nesse quesito, seja o extraordinário ficcionista francês Júlio Verne, que chegou a descrever o motor de um submarino nuclear em 1869, além de antecipar a viagem à Lua e os satélites artificiais.
Já H.G. Wells mencionava em seus romances as bombas nucleares, os tanques de guerra, o raio laser, as portas automáticas e meios de comunicação sem fios.
Na lista de romancistas profetas podemos ainda acrescentar Isaac Asimov, que criou as leis da robótica em seu livro "Eu, robô"; Arthur C. Clarke, autor de "2001: uma Odisseia no Espaço", no qual personagens aparecem se comunicando com aparelhos portáteis e onde uma Inteligência Artificial comanda uma nave espacial; Hugo Gernsback que, assim como Clack, previu um aparelho de vídeo-chamada em seu livro "Ralph 124C 41+"; George Orwell, que vaticinou uma sociedade monitorada e controlada por dispositivos tecnológicos avançados; Edward Bellamy, que antecipou o uso do cartão de crédito, em sua obra "Revendo o Futuro"; Ray Bradbury, que anteviu a emergência de uma sociedade fascista, consumista e hedonista, que despreza o intelecto e persegue e pune as pessoas talentosas; Douglas Adams, autor do "Guia do Mochileiro das Galáxias", onde aparece uma enciclopédia de conhecimentos construída de modo coletivo, ou o que hoje nós conhecemos como Wikipedia; Geoffrey Hoyle, que previu o comércio eletrônico, as bibliotecas digitais, o ensino à distância e dispositivos como as webcams; Aldous Huxley, que anteviu a volta do fascismo, em plena era tecnológica, a guerra híbrida através da manipulação psicológica das massas e a clonagem; Cyrano de Bergerac, que descreveu uma viagem a Lua em módulos que vão se desconectando e um aparelho que permitiria "ler com os ouvidos"; e Goethe, que profetizou a crise ambiental dos dias atuais.
Com vaticínios igualmente impressionantes, nosso patrício Monteiro Lobato pode encerrar essa pequena lista com chave de ouro, pois também foi o profeta de eventos e inventos importantes: os serviços de streaming, a eleição do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, as mídias digitais, a urna eletrônica, as TVs de tela plana, o Home-office e a internet via rádio.
Apesar de seus incríveis acertos, os escritores não são videntes infalíveis. Asimov acreditava que até 2019 o ser humano estaria de volta à Lua e que a colonização do espaço seria possível a partir de uma enorme estação espacial construída na órbita da Terra. Ao menos oficialmente, os governos não demonstram grandes providências nessa direção, e as empresas privadas que hoje se dedicam à exploração espacial estão mais interessadas em oferecer passeios para milionários e em criar paraísos e refúgios espaciais exclusivos para ricos.
Asimov cravou outra previsão equivocada: que até 2019, a tecnologia acabaria com todas as profissões que não se dedicassem à construção, manutenção e reparação de computadores e de robôs.
Na utopia de Tommaso Campanella, "A Cidade do Sol", ele também prevê um futuro onde máquinas substituiriam totalmente o ser humano nos seus trabalhos repetitivos e extenuantes, deixando as pessoas mais livres para se dedicar às artes e a cultura, dentro da sua concepção de uma sociedade ideal humanista.
No caso de Campanella, não podemos chamar o seu sonho propriamente de um "erro", pois se trata muito mais de uma aspiração do que de uma predição.
Contudo, entre os escritores que mais redondamente se equivocaram sobre o futuro próximo está Morris West.
Mas, antes de falarmos do seu erro, tratemos do seu grande acerto. Ele previu a ascensão de um Papa santo, carismático e inovador, que impactaria o mundo e renovaria a Igreja, com sua simplicidade e amor pelos mais pobres.
O seu Papa Kiril I, da ficção, é o Papa Francisco I, da realidade. Assim como Kiril, Francisco tem seu ímpeto reformista frustrado pela burocracia e jogos de interesses do Vaticano, contudo, mesmo assim, consegue se impor como uma das principais referências mundiais de altruísmo e amor ao próximo.
Somente por isso, a obra "As Sandálias do Pescador" já seria formidável. Mas ela possui outras inúmeras qualidades que a tornam uma leitura empolgante e inspiradora, como a trama política urdida por West, a riqueza dos seus personagens e o seu profundo conhecimento da liturgia que envolve uma eleição papal.
No quê, então, um romancista tão brilhante pode ter errado tanto? Em sua previsão sobre o futuro econômico da China.
Em seu famoso livro, Morris West retrata a China como um país famélico, em convulsão social, pela carência radical de alimentos para o seu povo, que é socorrido pelo produto da venda dos bens da Igreja Católica, na tentativa de se evitar desdobramentos que poderiam ocasionar um conflito mundial.
Embora o exemplo de coerência cristã, imposta pelo Papa Kiril I à Igreja seja uma das mais belas imagens já criadas pela literatura, a antevisão sobre a situação política e econômica da China, não poderia ter sido mais equivocada.
Hoje, a China é a segunda maior economia do mundo, já se encaminhando para o topo do ranking, com um Produto Interno Bruto de US$ 17,73 trilhões e crescimento anual de 8,1%.
No quesito alimentos, é um dos países com maior rendimento agrícola do mundo, sendo líder mundial na produção de arroz, e um dos principais produtores de trigo, milho, soja e amendoim. Com 585 milhões de toneladas de grãos produzidos anualmente, é o maior produtor da categoria do mundo. O número representa 19,2% da produção internacional, e é praticamente todo redirecionado ao seu abastecimento interno.
O país tem um rebanho de 449,22 milhões de porcos, respondendo por 46,2% da produção mundial, sendo, também, o seu principal consumidor. Além da liderança na produção de carne suína, também é o líder global no mercado de pescados. Segundo a FAO, o país asiático produziu 83,9 milhões de toneladas métricas de peixes, só em 2020. Também é o vice-líder na produção de frangos, e o maior comprador do primeiro produtor, o Brasil. Em 2021, o Brasil exportou US$ 1,27 Bilhão em carne de frango para a China.
O Centro de Pesquisa Econômica do Japão prevê que a China se tornará a maior economia do mundo até 2033. Contudo, a consultoria britânica CEBR diz que isso ocorrerá antes de 2030. Napoleão Bonaparte não deixou uma obra literária, mas foi um gênio da estratégia política e militar. Perguntado sobre a China, ele respondeu:
"Deixem a China dormir; quando ela acordar, ninguém mais dormirá."
Os escritores não são deuses nem profetas, mesmo assim, eu arrisco um conselho aos mais jovens: aprendam mandarim, urgente.