Quando estou sozinho tenho muitas coisas que não existem. A poesia é uma delas. (Hildeberto Barbosa Filho) Sábado (1 de abril), nã...

Hildeberto & as minhas memórias sagradas

Quando estou sozinho
tenho muitas coisas que não existem.
A poesia é uma delas.
(Hildeberto Barbosa Filho)

Sábado (1 de abril), não foi mentira!! fui ao lançamento duplo do poeta, crítico, professor, escritor, Hildeberto Barbosa Filho, para ver de perto os seus “pensamentos provisórios”, e quem sabe os permanentes. Aliás, desde que chegou nas redes, escrevendo suas ideias, devaneios e pensamentos, com esse título que me deixou des-norteada; que me pego meio tonta de tantas palavras mais lindas que findas, para refletir sobre tantos assuntos da vida e da literatura. Fico esperando esses escritos que me abastecem, me intrigam, me fazem mais conhecedora do universo literário, poético e filosófico da vida. Hildeberto tem imaginação, conhecimento, trajetória e ação para produzir inimaginavelmente. Como disse Paulo Sérgio Vieira na orelha do livro Cemitério Vivo:

“Hildeberto põe em prática o que sempre defendeu nos seus escritos, nas suas palestras e nos bate-papos com amigos: uma poesia discursiva, fluente, expressivamente ancorada na vida, com todos os seus elementos humanos e materiais – por mais prosaicos que estes pareçam. Tudo isso, o poeta transforma em poesia, através do uso da palavra exata, na qual reúne, com leveza e maestria, significante e significado.”
Hildeberto Barbosa Filho e a autora Acervo pessoal
E lá fui eu com as amigas Vitória Lima e Lu Damasceno para o evento. Um Café, um alpendre, umas samambaias, e uma festa de encontros e abraços. Até João Lobo, artista das imagens, que há anos não o via, estava lá com seus cabelos grisalhos e já tão distante, anos 80, dos tempos que nos encontrávamos no meu vizinho do Bessa, Alberto Alfredo. Salve João.

Acervo da autora
Estacionei o carro quase em frente ao convento de São Francisco, e saí re-memorando aquela área da cidade e apontado para as amigas. Aqui moravam as tias da crônica passada. Uma outra na ladeira ao lado. Nessa janela ficava mais uma. E mais, nessa igreja eu vinha fazer o mês de maio – um evento católico que íamos rezar durante o mês de Maria, na Catedral. Minha família era católica praticante de vez em quando. Meu pai era espírita, e minha mãe não frequentava. Mas queria as filhas dentro da religião, pois não sabia de outro caminho. Claro que, quando crescemos, deixamos de ir à missa, não que isso seja uma vantagem. Mas não somos religiosas. Temos a religiosidade dentro de cada uma.

“Queria o milagre dentro de mim. Queria que a vida fosse assim como não é.” (Deus, Meu amigo)

Seguindo os passos até o Café – Bistrô 17, avistei o oitão da Catedral, lugar de tantas idas – missas, casamentos, primeira comunhão, inclusive a minha, tão circunspecta rezando para o fotógrafo. O mosteiro de São Bento, por onde ouvi cânticos gregorianos, e os seus espaços também ocupados com Juca, em reuniões da política. A igreja São Francisco nem se fala. Fiz ensaios fotográficos para o primeiro amor. Por entre os gradis e santos, alguns beijos roubados (consentidíssimos). Uma menina apaixonada naquele cenário era mesmo uma perdição inesquecível. Por do sol, azulejos, recantos, arcos, vãos, um filme! O tempo passa. E as time goes by.

Largo de São Francisco (capital paraibana) Reginaldo Marinho
Morei na Rua Visconde Pelotas (Centro), em frente ao Palácio do Bispo, aos três anos. Mas com a minha memória prodigiosa, lembro tanto das escadas, do trilho do trem, da cozinha e dos aromas de coentro e feijão no fogo. E das brincadeiras no pátio. Hein, Leo Mendonça? Meu amiguinho desses tempos. Ia com minha mãe por aqueles oitões que mais tarde, mais mocinha, passeava sozinha para as aulas de teoria e solfejo de D. Luzia Simões, no Conservatório. Tenho uma relação quase atávica e muito afetuosa com o Centro da minha cidade. Como se as ruas fossem minhas. Cada uma, uma história, e a minha vida dedilhada nos becos. Meu pai jogando xadrez no Cabo Branco com meu sogro Dr. Arnaldo Tavares; minha mãe comprando batom na Casa Clara, ou tecidos no Armazém do Norte, lembranças que passeiam a cada vez que vou à Livraria do Luiz.

Praça Dom Adauto (capital paraibana) Tripadvisor
E claro, tudo isso penso no Sábado de Aleluia. Minhas semanas santas. Ou nem tão santas assim. Me confessava, comungava, achava bonito o Domingo de Ramos; rezava por Jesus na sexta da paixão, e esperava fervorosamente pelos bolinhos de bacalhau da minha mãe. Estudar no Colégio das Lourdinas, de freiras, me deu algumas emoções no campo do sagrado. Cantar hinos, "orai pro nóbis", mês de maio, e questionar os meus pecados tão inocentes da adolescência, mas nem tanto...., me levaram a muitos lugares, inclusive o do afastamento desses festejos.

Hoje a Páscoa, para mim, se resume ao almoço em família, ao amor ao redor, vinho, bredo, muito bredo, que amo, e a pensar na transcendência da vida.

E Hildeberto? Fiquei devendo algum outro pensamento nada provisório a esse artista, intelectual tão denso e intenso, que nos presenteou com ensaios e poemas que, feito um turbilhão em ebulição, saltam para que nós, leitores façamos a fruição e deleite.

O domingo de páscoa já passou, mas desejo em retrospectiva, bons tempos de renovação para o mundo.

Estava por aqui, Bebendo vinho, era Páscoa. (Paixão)

Nota – Os poemas citados são do livro Cemitério Vivo, de Hildeberto Barbosa Filho)

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