Estava escrevendo para hoje motivado pela criação da Secretaria do Meio Ambiente, quase no mesmo dia em que a TV Cabo Branco serviu, no café, a ruína, desde muito exposta, do lugar descrito como nosso Ponto Zero, o Porto do Capim. Porto que serviu à fundação, ao estabelecimento da cidade com o desembarque e embarque de seus possuídos até 1932, quando Gratuliano Brito inaugurou o de Cabedelo.
Enquanto o foco da tevê trazia a lume os desmoronamentos a partir da Alfândega e de velhos armazéns de mistura com os barracos da nossa miséria social, em silêncio eu me questionava:
“Por que somos assim? Pobreza material, apenas?”
E me lembrava de São Luiz do Maranhão, quando lá estive, há cinquenta anos, cumprindo pauta do BNH sobre os conterrâneos de Gonçalves Dias e Ferreira Gullar a morar com lama pelos beiços nas palafitas que margeiam a colina histórica da cidade, seu mirante principal para a entrada e saída do tráfego colonial.
Que não se agastem os honores pessoenses com lembrança tão inusitada... Subimos a colina, saindo das águas do rio Anil, para encontrar, lá no alto, as ruas assobradadas com seus mirantes, o Ponto Zero da cidade, tudo bem varridinho, lavado e esfregado sabe por quem? Pelas mulheres solteiras, meretrizes benfazejas a quem eram cedidas as casas para morar e viver desde que assumissem a conservação, o zelo da casa inteira, do quintal à fachada.
Cedo da manhã, sol de outubro, não faltava escada com seus lances bem menos surpreendentes que o trabalho das mulheres na conservação da azulejaria, não sei se de origem portuguesa ou francesa. O governo nem o povo não se desonravam com o intercâmbio providencial. Se a elite abandonara os antigos pagos, largando-se para a cidade nova que nascia e prosperava depois da ponte de Sarney, ligando-a ao continente, que mal faria o trabalho restaurador pelas mãos da nova modalidade de servidoras?
Não sei como está hoje, na fase dos passos lentos e arrastados do velho Presidente maranhense. O progresso não deve ter deixado de arribar através da ponte tal como se deu aqui através da Epitácio. Sei apenas que, em algum tempo, surgiu uma alternativa barata, prática e imediata para adiar um pouco a morte da História.
Aqui, na gestão passada do prefeito Cartaxo, foi tentado um projeto do que chamam “requalificação” do ambiente. Cogitou-se de um Sanhauá como via turística, é o que li. Mas empacou na política. Antes disso e antes mesmo de Ricardo, Cícero andou olhando para aquelas bandas. E tudo se foi com a correnteza.
Agora vejo nas mãos de José William Montenegro Leal um novo empenho de restauração de relíquias como a antiga Alfândega, a Casa da Mouraria, o Convento, a Praça Álvaro Machado e o problema da periferia em situação igual à das palafitas. O tempo não me deixa esperar muito. Mas quem sabe?!
Surge de repente da televisão um forte jorro de luz que me atrai rápido para o “dia de campo” que os sucessores da Extensão Rural monitoravam esta semana em Alagoa Nova. A tela não cabendo do verde que brotava de um milharal didático, com folhas, espigas e cabelos que não mediam terra nem céu para dourar. Verde luminoso abarcando a terra numa copa única de pau-brasil. Suficiente para restituir, na lembrança, o que andei perdendo nessa enfieira longa e seca de anos.
(Originalmente publicado no jornal A União)