Ao elaborar um texto, seja uma crônica, um conto ou qualquer outra modalidade textual, prefiro, quando me é permitido, caminhar pelos ...

Crônica machucada

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Ao elaborar um texto, seja uma crônica, um conto ou qualquer outra modalidade textual, prefiro, quando me é permitido, caminhar pelos labirintos coloridos do humor. É uma tessitura mais complicada, exige mais habilidade e dizem especialistas que fazer rir com a leitura de uma escrita é mais difícil do que fazer chorar. Pelo menos é o que dizem alguns deles.

Num sorriso, essa elementar manifestação de contentamento, temos que acionar 20 músculos da face. Já, para franzir a testa em sinal de aborrecimento necessitamos usar 62.

WikimediaS. Pedrosa
Isto posto, tento cumprir minha tarefa de não exigir muito da musculatura facial dos meus leitores. Vou pelo humor sempre que posso. Isso quando as circunstâncias não me atrapalham. Hoje foi um dia em que a alacridade passou ao largo, não me socorreu diante dessa engenhoca aqui que uso para compor meus escritos. Fatos cercaram-me nos últimos dias e levaram-me para o outro lado das minhas vontades.

Juntei minhas vogais, minhas consoantes, meus sinais de pontuação e formei com esses signos um retrato em cor de pátina de dois sentimentos que tomaram conta de mim nesses dias que estão ficando para trás: o espanto e a saudade. É com eles que pretendo ocupar esse respeitável rotativo que gentilmente concede-me este espaço para que eu registre algumas de minhas idiossincrasias.

O espanto!

Por duas vezes esse punhal afiado feriu-me daquele jeito dolorido que só ele sabe como fazer.

Primeiro, a morte inesperada do nosso Juca. O que havia de ser dito sobre ele já foi dito. Foi merecidamente carpido e ele vai levando um pedacinho de cada um dos seus amigos. Muito pedacinho de gente virou cinzas com ele. Juca faz falta em nós, não só para nós. Daí o espanto de sua partida tão fora do combinado.

Juca Pontes
A outra cutelada, os meus queridos leitores e minhas queridas leitoras não viram e nem sentiram. Veio lá de Portugal. Escritor e poeta cabo-verdiano, presente em nossas antologias, parceiro de nossa UBE-PB, Arlindo Andrade foi embora assim tão repentinamente, como foi o nosso Juca, sem combinar coisa alguma conosco.

Arlindo Andrade
Arlindo sempre trazia nos versos, sua alma africana de dor, mas antes de tudo de esperança, como em seus versos no poema Na minha terra. Vejam, é da lavra de Arlindo:

Na minha terra canta-se a morna, a coladeira e o funaná! Porém, canta-se também o sofrimento, a tristeza, a dor, a pobreza, a seca, a luta pela sobrevivência, as dificuldades da vida. a desilusão e o abandono num passado que a história, nos legou e ainda permanece. Mas não será para sempre!

Fica aqui nosso preito de gratidão a esse jovem poeta de Santiago de Cabo Verde.

Ig. São Francisco, 20.04.2023
Lá onde se encontram as boas almas, deve estar mostrando ao nosso Juca, como se dança a morna, a coladeira e o funaná.

Agora, a saudade.

Estava eu saindo da Igreja de São Francisco, onde acontecera um concerto sinfônico em homenagem ao nosso Juca (sempre o Juca!) quando um jovem senhor, parecendo bem mais novo do que eu supunha, me abordou. O senhor é o professor Paiva? Respondi que sim. Então ele me contou que havia sido meu aluno e que fora muito amigo de meu filho, Cauê. Esse meu filho nos deixou no Natal de 2003 (que dia para perder um filho?!). É sempre reconfortante conhecer alguém que tivera laços de amizade com esse meu filho, esse pedaço arrancado de mim.

Estava de carona, daí a pressa. Deixei o número do meu telefone para que ele entrasse em contato comigo pelo WhatsApp.

Não acreditava que fosse fazê-lo, mas o fez. E como fez! Na mensagem que me chegou de surpresa relatava a proximidade dele e de sua família com Cauê. Enviou fotos do meu filho e fotos recentes de um garotinho de três anos, galeguinho e lindo que só. Aí me contou o nome do sapequinha: Cauê! E completou dizendo que era uma homenagem a um grande amigo que tivera. Aí pergunto: Dá para não chorar?

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