Nosso sonho maior não era conhecer Jerusalém, cidade que foi palco dos momentos mais difíceis e cruéis da vida de Jesus. Era o desejo de pisar nas margens do Mar da Galiléia, caminhar em Cafarnaum, cidade favorita do Mestre, onde ele iniciou sua pregação, começou a angariar seus discípulos e realizou suas primeiras curas. Foi grande e prazeroso o deleite experimentado ao visitar a sinagoga que Jesus frequentava, ao lado da casa de Pedro, assim como tocar as águas das margens que testemunharam os encantos que Dele emanaram.
Não seria possível esconder certa decepção nesta visita a Israel, ao constatar, com desagradável surpresa, que justamente na dita “Terra Santa”, apenas uma minúscula minoria acredita em Jesus, enquanto a imensa maior parte ainda aguarda a vinda do Messias. Ou seja, idolatram o Torá, escritura que originou o Velho Testamento Bíblico, como verdade absoluta, ignorando completamente o Mestre de Nazaré.
O lado mais sofrido da “Via Dolorosa”, percurso feito por Jesus no dia da crucificação, nas vielas da antiga Jerusalém, é a constatação da enorme indiferença de seus habitantes perante a história do meigo Nazareno, e, principalmente, diante de toda a sabedoria evangélica.
Ao que se informa, em Jerusalém apenas aproximadamente 6% da população é cristã. A maior parte se divide entre judeus e muçulmanos, fiéis ao Torá e ao Alcorão. O Novo Testamento, em que se revelam e se concentra a expressão “Caminho, verdade e vida” não tocou até hoje a sensibilidade do povo, um tanto bélico e arredio, que um dia preferiu Barrabás a Jesus (ainda dizem que toda maioria é sábia…). Lá se vive sob tensão política, ideológica, discriminação, separados em bairros e imensos muros que dividem Israel da Palestina.
Quando entramos na fila para ver de perto a mesquita dourada “da Rocha”, um dos maiores símbolos arquitetônicos de Jerusalém, foi sob rigoroso controle eletrônico, em que se vistoriam bolsas, casacos, e tudo que é suspeito é retido. Até aí, tudo bem, já que eles vivem sob ameaça de atentados. Mas, para a nossa surpresa, até duas miniaturas de “menorahs”, castiçais de sete velas que simbolizam o misticismo judaico, que estavam conosco, foram detectados e proibidos de nos acompanhar. Uma explícita e lamentável discriminação religiosa entre raças conterrâneas, mas que vivem potencialmente à beira de um ataque de nervos, e de bombas.
Os lugares tidos como sagrados, da terra que não tem nada de “santa”, ficam à margem da atenção dos que passam, para quem Jesus nada significa. E é óbvio que, sem ter entendido a mensagem cristã, eles continuem se dividindo e se desentendendo. Muito longe do que Ele pregou: “meus discípulos se conhecerão por muito se amarem”.
O sepulcro, a pedra onde o Nazareno foi deitado ao ser tirado da cruz, as estações da via crucis, situam-se longe de sua atenção, cujo significado só é apreciado pelos peregrinos de outros mundos que vêm em busca do que não encontram. Se não fosse o turismo de devoção, ali quase ninguém lembraria do Cristo.
Em Belém, tudo idem. No local bucólico da simples manjedoura ergueram uma igreja chamada da “Natividade”, que abriga uma gruta onde se supõe que Jesus veio ao mundo. Se o lugar tivesse sido preservado em seu aspecto natural, talvez mais emoção pudesse oferecer.
A ausência de Jesus em Israel nos fez lembrar de cristãos cujas atenções mais se devotam à velhas escrituras, do apego que alguns religiosos nutrem pelo Antigo Testamento, tanto quanto os judeus ao Torá. Sem fazer preponderar em seus corações a essência primordial da Boa Nova, o Evangelho de Jesus. Curiosamente, na própria Bíblia, há advertências, como em Gálatas (3:23-25), quando Paulo ensina: “As pessoas que estavam sujeitas à lei de Moisés no passado não mais permanecem subordinadas a ela”. E prossegue: “A lei cumpriu sua função temporária, e não tem mais sentido depois da chegada do Cristo”.
O que também está bastante claro no Novo Testamento, em Lucas (16:16): “A lei e os profetas duraram até João Batista; desde então, é anunciado o Reino de Deus, e todo o homem emprega força para entrar nele”.
Mas, a exemplo dos que em Israel ignoram Jesus, alguns cristãos parecem querer igualar, ou mesmo sobrepor o Velho Testamento ao Evangelho, o que configuraria um retrocesso histórico e ideológico. É verdade que a primeira parte da Bíblia tem seu valor, como conhecimento histórico, cultural e religioso, mas não se pode esquecer de que a dura e severa lei mosaica foi escrita para um povo rude, extremamente bárbaro, injustiçado, e posteriormente sobreposta pela sábia e evoluída mensagem de Jesus. O Velho Testamento não enaltece o perdão, a solidariedade, a irmandade entre os seres e o amor incondicional da maneira como pregou o Cristo. O amor, no Evangelho, prepondera acima de qualquer outra virtude. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida.
Saímos de Israel meio decepcionados, devemos confessar. Um país com um povo tão decantado nas escrituras sagradas, mas que desconsidera a Boa Nova como verdade máxima: o mais elevado e atemporal código de conduta ensinado na Terra.
Em Cafarnaum — o antigo sonho —, veio a recompensa. Afinal, era a cidade favorita de Jesus, onde ele realizou a maioria de seus milagres e curas. Um lugar bucólico, à beira do Mar da Galiléia, que na verdade é um lago de águas doces e calmas, isolado de qualquer outro mar ou curso d'água, também chamado de Mar de Tiberíades e Lago de Genesaré. O lugar é lindo, as praias por onde Jesus costumava caminhar ainda estão preservadas e a sinagoga que ele frequentava ainda existe parcialmente e pode ser visitada, assim como a casa de Pedro (o apóstolo), que Jesus tanto frequentou. Foi, sem dúvida, uma experiência inesquecível, em que sentimos, de verdade, ligação com Jesus e a melhor parte de sua abençoada passagem pela Terra.
Mar da Galiléia / Cafarnaum - Imagens: ALCR
Infelizmente a Terra “Santa” ainda é palco de tantas guerras, discórdia e sangrentas disputas religiosas. Tudo em nome de um Deus que não merece a menor fé, e, sim, a mais profunda descrença.
Contudo, se os judeus e muçulmanos ignoram o Cristo, há muitos religiosos pelo mundo que não o ignoram, mas deturpam os seus ensinamentos. Em lugares onde religião virou empresa e culto virou show. Passou-se até a orar com barulho, desrespeitando a recomendação de recolhimento que o Evangelho prega para a prece. E nem está se dando de graça o que de graça se recebe…
Que nos venha uma boa páscoa, não com jejum de alimento, mas com jejum de maldade, e em muita sintonia com Jesus!