Falar em delicadezas da professora Neide Medeiros é até uma redundância. Ela própria é uma delicadeza. O físico frágil, a voz baixa e os modos suaves, tudo nela é delicado, sem falar na simplicidade e na fidalguia que lhe são naturais. É uma “lady” – e das inglesas puro sangue, para não restar nenhuma dúvida. Como ela, tenho conhecido pouquíssimas, devo confessar. Citarei apenas quatro exemplos de damas finíssimas que já nos deixaram, desculpando-me logo pelas não lembradas: Jandyra Gomes, Vilma Bezerril, Carmem Izabel Carlos Silva e Cila Souto. Outras existem e existiram, claro, mas, como disse, raríssimas. Seria ótimo se existissem mais: o mundo seria melhor.n
Como bem sabem os que frequentam os ambientes culturais da aldeia, a professora Neide vem há tempos desenvolvendo frutíferos trabalhos de pesquisa e produção literárias, principalmente no âmbito da Fundação Casa de José Américo, individualmente e ao lado das também pesquisadoras Socorro Aragão e Ana Isabel Souza Leão Andrade.
É sempre um trabalho silencioso, discreto, de formiguinha, que só vem a público – quando vem – após a conclusão exitosa. Assim trabalham, sabemos, os pesquisadores em todas as áreas. Lutam sempre – ou quase sempre – com dificuldades de todos os tipos, sendo as materiais e financeiras as mais comuns. No Brasil, infelizmente, todo mundo investe pouco em pesquisa, dos governos aos particulares. Prefere-se copiar a inventar, achar pronto a descobrir. Se plagiar não fosse crime, plagiar-se-ia com o maior gosto e desenvoltura. Coisas de país colonizado e fadado ao atraso.
Mas voltemos à professora Neide, essa joia que temos entre nós. Ela acabou de publicar, em pequena e elegante edição, como convém às coisas delicadas, o livro Relicário, pela Mídia Gráfica e Editora. São 30 poemas ao estilo haicai, com várias e belas ilustrações na técnica de aquarela do artista plástico Miguel ngelo Bertollo. O haicai, como se sabe, é um poema curto, de origens chinesas e japonesas, que possui regras próprias – e que não é fácil, a despeito da aparente e enganosa simplicidade. Não é para qualquer um, vê-se logo. É preciso ter comido muito sushi para se compor razoavelmente um haicai.
Por suas características de conteúdo e de forma, podemos afirmar que, na literatura, o haicai é uma delicadeza poética; daí combinar tanto com a professora Neide, mestra das coisas delicadas.
Segundo ela, o livro foi composto para presentear seu marido Nereu Santos, um cavalheiro (quem o conhece, sabe) e um cultor dos livros, qualidades que, ao lado de outras, distinguem o casal como verdadeira raridade humana e social em nosso meio. Alguém mais cético poderá pensar que exagero nesse louvor. Mas não. Digo apenas verdade, nada mais que a verdade.
Os japoneses em muitas coisas são minimalistas, isto é, preferem o menos ao mais. É não apenas um modo de ser, mas uma verdadeira filosofia de vida. O haicai, pode-se dizer, seria o minimalismo aplicado à arte poética: dizer o suficiente através de poucas palavra e versos. Poetas derramados (nada contra, advirto) como, por exemplo, Augusto Frederico Schmidt jamais praticariam o haicai; já poetas contidos como João Cabral de Melo Neto e o nosso Sérgio de Castro Pinto certamente dar-se-iam bem nessa arte. O grande Millôr Fernandes cultivou o haicai com muito êxito.
O mais recente livro da professora Neide é uma coleção de delicadezas, a começar pela própria embalagem: papel celofane e um laço de fita. Coisas de mulher? Não necessariamente. Coisas de poeta, sim.
Para petisco do eventual leitor, transcrevo um poema que me agradou particularmente:
“Pássaro cativo
teu canto é um chamado
para a liberdade”
O belo livro pode ser adquirido na Fundação Casa de José Américo, espécie de segunda residência da autora, que mora ao lado da instituição. Com essa joia, ela quis presentear seu marido, mas acabou presenteando todos nós. Obrigado, poeta.