Aos poucos estão trocando o piso das calçadas de Vitória; novas normas para tornar mais seguro o dia a dia dos pedestres. Podem achar ...

A leveza da queda

prosa poetica jorge elias neto
Aos poucos estão trocando o piso das calçadas de Vitória; novas normas para tornar mais seguro o dia a dia dos pedestres.

Podem achar estranho, mas não me atraem calçadas regulares. Os buracos, as irregularidades e os desníveis me servem como camuflagem do relógio do tempo, como um sinal de que mantenho momentos de distanciamento, de contemplação, de ausência.

prosa poetica jorge elias neto
Kerstin Riemer
Sei que surpreendo muita gente, mas alguém tinha que tirar proveito do descaso dos gestores de nossa cidade…

Para quem não acredita, basta olhar a quantidade de marcas que tenho nas canelas, motivo de chacota dos amigos e do pessoal lá de casa. Não, não é nada disso, não tem nada a ver com masoquismo. A razão é mais nobre…

O tropeço súbito tem dupla finalidade, mantém a possibilidade do poema e me permite dissimular a chegada da morte.

Ainda não entenderam?

prosa poetica jorge elias neto
Adriano Gadini
Como vou saber, andando por esse piso de ladrilho hidráulico simetricamente disposto pelas ruas, se estou atento demais às praticidades da vida? E outra coisa: depois de treinado, condicionado à mesmice, se, por acaso, por um descuido da fiscalização pública, eu me deparar com um buraco e tropeçar e tombar sem me proteger, e me machucar, e tiver dificuldades para me reerguer, e sentir uma sensação de vazio, de falta de propósito na queda, nesse momento eu saberei que me tornei velho e pior, que terei deixado para trás, perdida em alguma queda, irrecuperável, a inspiração do último poema.

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  1. Jorge Elias, certa feita dirigia eu o CPTT (Centro de Prevenção e Tratamento de Toxicomanos) ali na ilha de Santa Maria em Vitória-ES, saltei do ônibus em frente ao IFES, atravessei a rua para alcançar do outro lado a calçada de uma elegante loja de venda de automóveis.
    Trazia mão material técnico, folders, folhetos, do evento patrocinado pela Petrobrás acontecido nos dias anteriores em Salvador-Ba, ocasião em que eu fora convidado “especial”.
    Na calçada limpa, brilhante, de ladrilho hidráulico, dei uns 3, 4, passos e cai em queda fenomenal desmontando a pulseira do relógio, furando a camisa pelo atrito do cinturão com o piso.
    Fiquei muitas sessões de Análise me perguntando quem em mim me empurrou, o que em mim me fez beijar o chão?
    Porque eu caí? Nada, nenhum obstáculo, nenhum buraco havia na irretocável calçada.
    De onde cai?

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    1. Grande enigma, meu caro Italo…..

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