Foi no final de 1958, quando concluí a primeira série do curso primário, que recebi de minha professora, Emília Rachid Meira, dois o...

A horta do Juquinha

juca pontes poesia paraibana
Foi no final de 1958, quando concluí a primeira série do curso primário, que recebi de minha professora, Emília Rachid Meira, dois opúsculos, dois livrinhos. Um se chamava “Mamãe Coelha” e um outro tinha como título “A Horta do Juquinha”.

Não me lembro mais do conteúdo do primeiro, mas a sua capa está aqui ainda em minha memória. O livreto não tinha o formato retangular como é usual. O “design” obedecia um recorte em torno da figura de uma coelha. Esta, com ares maternais empunhando uma miniatura de vassoura com cabo de madeira colada à sua mão, dando um quê mais elaborado àquela capa. Foi o que sobrou desse livrinho no baú de minhas memórias.

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Celyn Kang
Já, de “A Horta do Juquinha” lembro-me bem. Um garoto resolve fazer uma horta no seu quintal. Para isso capina, prepara os canteiros, semeia, cuida e colhe hortaliças. Aquele enredo me encantava e não sem motivos. Desde antes de entrar para a escola eu já, para espanto de meus pais, gostava de horta, de plantar. Aprendi a usar a enxada como um canhoto, ainda que seja destro. Lá nos meus verdes anos tinha essa mania de cuidar de plantas, hábito que carrego ainda hoje e é aos meus vegetais que dedico as primeiras horas de minha manhã. Dou a eles trato mimoso e dizem os mais chegados que tenho “mão boa” para essas coisas.

A leitura daquele livrinho que ganhei nos idos dos tempos, trouxe provavelmente alguma influência nessas manias agronômicas que carrego comigo.

Estou dizendo isso, porque a vida traz algumas coincidências que se nos revelam em momentos de consternação. Quando recebi como mimo pelo meu desempenho escolar a história do meu Juquinha, por essas bandas estava nascendo um outro Juquinha. Exatamente naquele mesmo finalzinho de ano. O daqui só fui conhecer há uns sete ou seis anos.

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Mas para entristecer meu domingo de Páscoa, recebi a notícia de que o Juquinha daqui, o Pontes, nos deixara. Para mim e todos que conheço, a notícia chegou como míssil. Inicialmente o cérebro produz o “não acredito” e teimamos nessa hipótese. Mas depois, liga para um, liga para outro, e vamos tendo que admitir que o pior acontecera.

Foi isso que me remeteu àqueles anos distantes. São o que nossas saudades conseguem fazer: uma puxa a outra. A que acaba de nascer a fórceps, dolorida e vigorosa, fez essa costura no tempo com aquela outra saudade, doce e benfazeja.

Esses dois Jucas não me deixaram no domingo que se foi, nem na segunda-feira e nem na terça. Se algum leitor se dispuser a decifrar esses rabiscos há de entender essa entropia, esse alvoroço em que se encontravam minhas coronárias.

Minhas lembranças em alguns momentos viajavam até o meu pequeno chacareiro, noutros instantes ficavam por aqui cativas desse nosso poeta que ousou fazer aquela viagem fora do combinado.

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Enquanto o Juquinha de lá plantava hortaliças, o daqui cultivava versos, livros e muitos amigos. Fui um dos que ele semeou, regou e colheu.

Mas nas linhas que restam vou ficar só com o nosso Juquinha, o daqui, o editor, o poeta, o semeador de possibilidades no universo da cultura. Era um sonhador, mas mantinha os pés no chão e exatamente por este paradoxo é que deixa uma obra inestimável. Juca sonhava, Juca realizava.

Outro viés de Juca Pontes era dar trato lhano às amizades e seu abraço afetuoso era tão marcante que não há quem dele não irá se lembrar por muitos e muitos anos.

Fica um vazio em nossas artes, tão abissal quanto aqueles vazios que estão nos corações dos amigos. Esse poeta nos deixa, como aquele craque que abandona os gramados no auge da forma e do desempenho. Juca se vai no ápice de sua produção, como poeta, como editor, como gente, como cidadão, como pai. Despede-se, mas o legado fica. Fica e há de ter continuidade.

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@jucapontes
Que encha de versos e espalhe suas boas vontades quando chegar onde estão outras boas almas como a dele. É o que Juca melhor sabe fazer. Nosso mar certamente ficará mais verde para acolher as cinzas desse nosso amigo.

Nessa despedida, o que eu seria capaz de dizer a ele? Não poderia e nem saberia nada além um protocolar muito obrigado, poeta... é só o que me permitem nessa hora a dor e essa minha limitada capacidade de escrever.

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