Foi no final de 1958, quando concluí a primeira série do curso primário, que recebi de minha professora, Emília Rachid Meira, dois opúsculos, dois livrinhos. Um se chamava “Mamãe Coelha” e um outro tinha como título “A Horta do Juquinha”.
Não me lembro mais do conteúdo do primeiro, mas a sua capa está aqui ainda em minha memória. O livreto não tinha o formato retangular como é usual. O “design” obedecia um recorte em torno da figura de uma coelha. Esta, com ares maternais empunhando uma miniatura de vassoura com cabo de madeira colada à sua mão, dando um quê mais elaborado àquela capa. Foi o que sobrou desse livrinho no baú de minhas memórias.
Celyn Kang
A leitura daquele livrinho que ganhei nos idos dos tempos, trouxe provavelmente alguma influência nessas manias agronômicas que carrego comigo.
Estou dizendo isso, porque a vida traz algumas coincidências que se nos revelam em momentos de consternação. Quando recebi como mimo pelo meu desempenho escolar a história do meu Juquinha, por essas bandas estava nascendo um outro Juquinha. Exatamente naquele mesmo finalzinho de ano. O daqui só fui conhecer há uns sete ou seis anos.
Foi isso que me remeteu àqueles anos distantes. São o que nossas saudades conseguem fazer: uma puxa a outra. A que acaba de nascer a fórceps, dolorida e vigorosa, fez essa costura no tempo com aquela outra saudade, doce e benfazeja.
Esses dois Jucas não me deixaram no domingo que se foi, nem na segunda-feira e nem na terça. Se algum leitor se dispuser a decifrar esses rabiscos há de entender essa entropia, esse alvoroço em que se encontravam minhas coronárias.
Minhas lembranças em alguns momentos viajavam até o meu pequeno chacareiro, noutros instantes ficavam por aqui cativas desse nosso poeta que ousou fazer aquela viagem fora do combinado.
Mas nas linhas que restam vou ficar só com o nosso Juquinha, o daqui, o editor, o poeta, o semeador de possibilidades no universo da cultura. Era um sonhador, mas mantinha os pés no chão e exatamente por este paradoxo é que deixa uma obra inestimável. Juca sonhava, Juca realizava.
Outro viés de Juca Pontes era dar trato lhano às amizades e seu abraço afetuoso era tão marcante que não há quem dele não irá se lembrar por muitos e muitos anos.
Fica um vazio em nossas artes, tão abissal quanto aqueles vazios que estão nos corações dos amigos. Esse poeta nos deixa, como aquele craque que abandona os gramados no auge da forma e do desempenho. Juca se vai no ápice de sua produção, como poeta, como editor, como gente, como cidadão, como pai. Despede-se, mas o legado fica. Fica e há de ter continuidade.
@jucapontes
Nessa despedida, o que eu seria capaz de dizer a ele? Não poderia e nem saberia nada além um protocolar muito obrigado, poeta... é só o que me permitem nessa hora a dor e essa minha limitada capacidade de escrever.