Depois que retornou da Paraíba, onde esteve em fevereiro de 1638, Maurício de Nassau decidiu aprontar no Recife uma armada com o objetivo de conquistar Salvador. Segundo o historiador Evaldo Cabral de Mello, Nassau teria se convencido de que mesmo tendo expulsado as forças de resistência para a margem direita do rio São Francisco e, em seguida, varrido-as também de Sergipe, a “gente de guerra” se deslocara para a Bahia, de onde o Governo-Geral do Brasil continuava “fomentando as incursões devastadoras dos campanhistas luso-brasileiros” o que “representaria uma ameaça permanente, a menos que a Bahia fosse igualmente conquistada”.
Durante cerca de um mês, entre abril e maio de 1638, Nassau sitiou Salvador, mas a cidade resistiu às investidas dos holandeses, tendo o sítio “sido levantado, retirando-se envergonhado o inimigo”, conforme escreveu Francisco Adolfo de Varnhagen na sua “História das lutas com os holandeses no Brasil”. Foi na resistência aos flamengos na Bahia que apareceu, pela primeira vez nos registros históricos da época, como comandante militar de prestígio, a figura do “paraibano André Vidal, cujos grandes serviços e dedicação iremos comemorar”, como anotou Varnhagen. O fracasso das tropas de Nassau na investida à Bahia foi relatado pelo Provedor-mor da Fazenda Pedro Cadena, que já ocupara cargos na Capitania da Paraíba, em carta dirigida ao rei espanhol e na qual informava sobre as baixas sofridas pelos holandeses:
“Cessaram as baterias, deram-se reféns de parte a parte [...] Em carros, lhes fomos entregando os seus mortos e lhes contamos na entrega 327 dos mais formosos homens que se viram nunca, que pareciam gigantes e sem dúvida eram a flor dos holandeses”.
O fracasso de Maurício de Nassau na investida à Bahia animou a resistência aos batavos. Segundo Varnhagen, “em Lisboa e Madri foi muito bem recebida a notícia deste primeiro revés de Nassau”, o que estimulou a preparação de uma armada para “expulsar totalmente, de Pernambuco, os intrusos”. Para o inglês Robert Southey, “equipou-se armada mais poderosa do que jamais dera outra vez à vela para a América, confiando-se o comando ao conde da Torre, D. Fernando Mascarenhas, conjuntamente nomeado governador-geral do Brasil”. Em janeiro de 1639, a grande esquadra luso-espanhola chegava ao Recife com “87 embarcações e cerca de 6 mil homens”. Conforme escreveu Evaldo Cabral de Mello era “a mais poderosa força naval que despontara até então no litoral brasileiro” e uma “ofensiva desesperada dos Habsburgo madrilenos” para reconquistar o Nordeste brasileiro.
Ao chegar ao Recife, ao invés de atacar a cidade, o Conde da Torre decidiu rumar para a Bahia em virtude do grande numero de doentes e da extrema carência de provisões da sua armada. Em carta que enviou para a Holanda, Maurício de Nassau reconhecia que se o Conde da Torre tivesse resolvido atacar o Recife naquela ocasião, os holandeses não teriam condições de resistir aos ibéricos:
“se a armada espanhola desse séguimento á referida ordem em 10 de janeiro de 1639, data em que se apresentou diante do Recife, por muito enfraquecido que o inimigo se achasse, nós não tinhamos forças bastantes para impedir-lhe o desembarque ou para resistir-lhe em parte alguma”.
A armada do Conde da Torre, ao chegar a Salvador, constatou que não existia na cidade a abundância de provisões que fora informada à Espanha. Em carta que escreveu para a Holanda, Nassau relataria a situação da qual tomara conhecimento, provavelmente, através dos seus informantes na Bahia:
“Pedro Cadena, procurador da fazenda d’el rei, (tinha) asseverado em carta que na Bahia havia viveres para mantença de 10.000 homens e isto durante alguns annos, o conselho espanhol, fiado nesta asserção, mandou viveres insufficientes na armada, e chegando a expedição á Bahia, achou-se o contrario”.
A esquadra do Conde da Torre permaneceu ancorada em Salvador por dez meses. “A tudo deu lugar a longa demora do Conde da Torre na Bahia, provinda em parte da escassez que aí fora encontrar de mantimentos, dentre outras coisas”, escreveu Varnhagen. Para Evaldo Cabral de Mello, o episódio “revelou as limitações da economia colonial” naquele tempo, e as dificuldades de suprimento da armada em Salvador foram informadas em correspondência enviada à Espanha pelo próprio Conde da Torre, na qual ele se queixava de que não encontrara “nesta praça depósito nenhum de bastimentos nem outra prevenção para o apresto desta armada”.
Na mesma comunicação que enviara aos Países Baixos relatando as dificuldades que a armada do Conde da Torre estava encontrando na Bahia, Nassau, também, criticava a autoridade do Conde no comando da armada luso-espanhola:
“[...] esse D. Fernando Mascarenhas, Conde da Torre, não é muito pratico em cousas de guerra [...] nenhuma disciplina mantendo entre a sua gente e, antes, deixando-a commeter insolencias e cahir em dissolução; de sorte que (na cidade) da Bahia as mulheres honestas tiveram de abster-se de frequentar a igreja, onde costumavam ir de madrugada, porquanto eram acommetidas em plena rua por esses fidalgos; arrebatavam as donzellas dos braços de seus pais e as restituiam violadas, e praticavam outras queijandas atrocidades sem maior castigo”.
A longa permanência na Bahia da armada do Conde da Torre permitiu que Nassau reforçasse as fortificações batavas costeiras e providenciasse o reforço de embarcações para fazer frente à armada luso-espanhola. Na narrativa do neerlandês Gaspar Barléu, na sua obra sobre os anos de Nassau no Brasil:
“Após a partida de Artichofski (militar polonês que servia à Companhia das Índias Ocidentais e que regressou para Holanda, segundo Varnhagen, embarcando na Paraíba ‘em fins de maio de 1639’) [...] (Nassau) julgava que, em toda a parte, se devia olhar para as fortalezas da costa e do interior, de prevenção contra a súbita chegada da esquadra espanhola, que se demorava na Bahia de Todos os Santos, a fim de não desembarcar o inimigo em parte alguma, caindo improvisamente sobre os holandeses desapercebidos”
Em seguida, Barléu relacionava as providências que foram tomadas por Maurício de Nassau com relação à defesa da Paraíba, algumas iniciativas que já haviam sido referidas pelo próprio Barléu quando do relato da visita de Nassau à Paraíba, ocorrida em fevereiro de 1638.
Ele próprio (Nassau), dirigindo-se à Paraíba, mandou restaurar as fortificações arruinadas, providenciando cuidadosamente todo o necessário à defensão desta província. Muniu o forte de Margarida com uma paliçada, por estarem secos os fossos, que as areias trazidas pelas enxurradas haviam enchido. Cercou também com uma paliçada semelhante o forte da Restinga, fronteiro ao porto. Reduziu, porém o forte de Santo Antônio do Norte a uma torre de vigia, refazendo o parapeito e provendo-o de três peças contra os opugnantes”.
Elias Herckmans, governador holandês da Paraíba até meados de 1639, confirma, em um escrito que deixou sobre o seu período como governante nas terras paraibanas, o restauro, em 1639, do Forte de Santo Antônio, localizado na enseada de Lucena, reconstrução que fora determinada por Nassau:
“Do lado do norte e defronte do dito forte (Cabedelo) existia tambem um outro chamado S. Antonio. S. Exc. o Conde Mauricio de Nassau, almirante e governador general das conquistas do Brazil, por parte de Suas Altas Potencias os Snrs. Estados-Geraes das Provincias Unidas Neerlandezas, de Sua Alteza o Principe de Orange, e dos Directores da privilegiada Companhia das Indias Occidentaes, tendo ido alli, e examinado a situação e a fortaleza dessa obra, mandou que a deixassem cahir em ruinas e a demolissem; no anno de 1639 porém resolveu Sua Exc. levantar de novo o dito forte, dando-se-lhe um circuito ou ambito menor.”
Na Bahia, o Conde da Torre decidiu que as investidas contra Pernambuco e as Capitanias ao Norte deveriam ser feitas por terra e por mar e, para tanto, as forças terrestres deveriam deixar Salvador antes da partida da armada. E, assim, seis meses antes da esquadra, Vidal de Negreiros, “à frente de tropas que melhor conheciam o país”, nas palavras de Southey, iniciou a viagem com o objetivo de tentar convencer proprietários a aderirem a uma rebelião contra os batavos, além de promover incêndios em canaviais e engenhos da região com a finalidade de atrair para o interior as tropas holandesas que estavam concentradas no litoral, facilitando o desembarque do contingente da armada do Conde da Torre. A esquadra deixou a Bahia em novembro de 1639, mas somente chegou a Pernambuco em janeiro do ano seguinte. No relato de Barléu:
“Por essa mesma época, detinha-se na província da Paraíba o capitão André Vidal, que, mandado ali da Bahia, seis meses antes, com cartas para os senhores de engenhos, incitava-os clandestinamente à sedição, para pegarem em armas, ao chegar a frota, recuperarem, sob o seu rei, a antiga liberdade, eximindo-se da dominação holandesa [...] Estando já a frota à vista e prontos também os outros auxiliares da insurreição, incendiou Vidal alguns engenhos e montes de cana, a fim de atrair novamente da costa os holandeses, aterrados com aqueles súbitos incêndios, e, enquanto eles procurassem coibir os prejuízos particulares, deixariam para a frota o litoral vazio e desguarnecido”.
Os ataques dos guerrilheiros comandados por Vidal de Negreiros tiveram reflexo considerável na produção açucareira da região. Para Evaldo Cabral de Mello, “Na Paraíba, por exemplo, o contingente de Vidal de Negreiros incendiara boa quantidade de partidos de canas cultivados por luso-brasileiros [...] Em janeiro de 1640, no ápice da ofensiva naval da armada do conde da Torre, os canaviais de doze dos vinte engenhos paraibanos foram sistematicamente queimados”. O historiador pernambucano José Hygino Duarte Pereira deu mais detalhes sobre a situação na Paraíba:
“Entretanto não foi pequeno o damno causado por Vidal nos cannaviaes da Paraíba, como mostra uma curiosa lista inserta nos Notulos ou actas do Supremo Conselho de 19 de janeiro de 1640. Ahi se lê que ficara apenas na Parahiba a oitava parte dos partidos, cujas cannas naquelle anno podiam ser moidas”.
Por essa mesma época, ocorreu um fato que teria influência nos confrontos entre os luso-espanhóis e os holandeses, mas que nem sempre é destacado nos escritos sobre o período. É certo que os hoje chamados “povos originários” sempre foram envolvidos nas lutas travadas entre os europeus no Brasil, embora quase sempre entrem nos registros históricos desses combates como protagonistas coadjuvantes. Segundo Gaspar Barléu, de todos esses povos “foram os tapuias os mais dedicados a nós. Com o auxílio de suas armas e forças, comandadas por Janduí, pelejamos contra os portugueses [...] habitam o sertão brasileiro bastante longe do litoral [...] São-nos mais conhecidos os que moram nas vizinhanças do Rio Grande e do Ceará e no Maranhão”. E Barléu descreve o que ocorreu dois meses antes da esquadra do Conde da Torre deixar a Bahia no rumo de Pernambuco e da Paraíba:
“desceram do sertão para o Rio Grande 3.000 tapuias com as mulheres e filhos. Espantaram-se os holandeses com a novidade do fato, pois antes disso não se tinham aproximado de nós em tão grande número e só em ranchos de uns vinte ou trinta [...] Estimulava alguns a esperança de recobrarem a primitiva liberdade, e a muitos o ódio aos portugueses, cuja dominação não desesperavam de ser possível subverter-se por meio de outros povos europeus”.
No início de janeiro de 1640, a armada luso-espanhola do Conde da Torre se apresentava no litoral da Paraíba. Em carta enviada à direção da Companhia das Índias Ocidentais, em março do mesmo ano, Nassau informava:
“A 11 recebemos aviso da Parahiba que a armada hespanhola se apresentára alli a 8 diante da barra, fingindo querer entrar, mas que pela tarde se fizera de novo ao mar. Tambem da Parahiba recebemos aviso que Vidal procedia cruelmente, matando e incendiando [...] Afinal e ainda no mesmo dia o navio ‘Befaendo Susanne’ que havia sido mandado a Parahiba para carregar, voltou (do caminho) para este porto com a noticia de ter visto a frota hespanhola ao norte de Goiana. Na mesma noite a nossa frota se fez á vela e tomou o rumo do norte á procura dos Hespanhoes”.
A “procura dos Hespanhoes” pela armada holandesa redundaria no maior conflito naval que ocorreu, em todos os tempos, em águas brasileiras e, considerando-se como parâmetro de comparação o número de naus envolvidas nas batalhas, um dos maiores confrontos no mar que aconteceram naquele século. A esquadra luso-espanhola “era composta por 86 velas, pequenas e grandes, com 12 mil soldados, 4 mil marinheiros”, conforme registro de um panfleto anônimo publicado em Amsterdã no mesmo ano dos combates. A longa permanência da esquadra do Conde da Torre em Salvador possibilitou uma restruturação das forças navais batavas que constituíram uma forte armada com 66 embarcações para enfrentamento dos ibéricos. “Retardando o hespanhol, Deus nos deu tempo para fortalecermo-nos de gente”, escreveu Nassau.
Em cinco dias do mês de janeiro de 1640, mais de 150 embarcações, de ambos os lados, se envolveram em acirradas batalhas, duas delas ocorridas no litoral da Paraíba, no que se considera como a maior guerra naval acontecida, até hoje, na costa do Brasil. Em relatório enviado aos Países Baixos, Maurício de Nassau relatou a estratégia que ele adotara para a guerra:
“O nosso principal cuidado [...] foi fazermo-nos forte no mar, por estarmos certos de que se pudessemos dominar o nosso inimigo no mar, e impedir-lhe que desembarcasse ou destruir-lhe a armada, seria esta a circumstancia capital para a desejada victoria. Que, se elle pelo contrario, não molestado no mar, desembarcasse em alguma parte, occasionaria uma guerra duradoura, o estrago da terra e a ruina da Companhia das Indias Occidentais, ainda quando afinal o viessemos a vencer em terra”
Para Evaldo Cabral de Mello, os holandeses, para compensar a inferioridade numérica da sua armada em relação à do Conde da Torre, se limitaram ao uso da artilharia, sem que fossem feitas abordagem de embarcações, que era a forma predominante dos combates navais da época, “de modo a tirar toda a vantagem possível da superioridade dos seus navios em rapidez e facilidade de manobra”.A primeira batalha se deu no dia 12, entre Itamaracá e Goiana, dela saindo morto, dentre outros, o comandante da armada flamenga, conforme descrito em um relato holandês, publicado em Amsterdã no mesmo ano daquela peleja naval: “o nosso almirante [...] sem maior reflexão, foi ao encontro do inimigo [...] mas logo no principio do combate foi morto, por ter sido alcançado por uma bala enorme”. E prosseguia a narrativa batava:
“No dia seguinte o vice-almirante Huyghens tomou o logar do fallecido almirante no navio ‘De Faem’, recomeçando o combate mais ou menos ás 11 horas, perto de capo Blanco (Cabo Branco – litoral da Paraíba) e prolongando-se até á noite [...] A 14 de janeiro entraram as frotas de novo em combate, o que se viu e ouviu perfeitamente de dentro de Pariba (Cidade da Paraíba); na noite desse dia foi a pique o ‘Gheele Son’, perecendo seu commandante [...] e quasi todos os soldados”.
Segundo José Antônio Gonsalves de Mello, “a bordo dos navios do Conde da Torre, a situação após o terceiro encontro era de grande dificuldade, como se lê em ata de uma junta dos principais chefes, datada de 14 de janeiro, na altura da Paraíba”:
“conforme ao estado em que hoje nos achamos, na altura da Paraíba, faltos geralmente de água, de poucos alimentos e muitos mortos e grande quantidade de feridos e alguns baixeis dos nossos desaparelhados, se podia temer nossa total destruição [...] porquanto o inimigo nos tem sempre ganhado o barlavento e tem ordem, segundo dizem os flamengos que se tomaram do navio que se botou a pique (o Geele Son), para morrerem primeiro e perderem-se que deixarem desembarcar o nosso exército em terra, que é o seu principal intento [...]
Resolveu-se então fazer aguada na baía da Traição ou onde pudesse ser, a todo risco, conforme parecer do Mestre de Campo Lourenço de Brito Correia, visto endoudecerem e cegarem muitos soldados e outras pessoas de sede e de beber água salgada”.
Resolveu-se então fazer aguada na baía da Traição ou onde pudesse ser, a todo risco, conforme parecer do Mestre de Campo Lourenço de Brito Correia, visto endoudecerem e cegarem muitos soldados e outras pessoas de sede e de beber água salgada”.
Na reunião dos principais comandantes da armada luso-espanhola, já com a perspectiva de uma iminente derrota, foi decidido o desembarque de uma parte da tropa na Baía da Traição, não mais com o objetivo de reconquistar territórios aos holandeses, mas para atuar em ações de guerrilhas, incendiando canaviais e engenhos, conforme consta da ata que foi firmada na ocasião:
“e que ali (na Baía da Traição) desembarcasse o Mestre de Campo Luís Barbalho Bezerra com 1.500 soldados e com eles se vá à Paraíba e por todas as mais Capitanias até Alagoas, queimando todos os engenhos e canaviais e açúcares e pau-brasil que estiver feito, danando tudo de maneira que o inimigo não tenha proveito, nem esperança de o ter estes dois anos, e que a frota procurasse voltar para o sul e aportar nas Alagoas”.
Mas, não foi o que ocorreu, a batalha naval continuou e, em um relato batavo, os holandeses “a 17 de Janeiro combateram outra vez, a noite inteira, mais ou menos perto da bahia Treson (Baía da Traição)” e a tropa comandada por Luís Barbalho somente conseguiu desembarcar no porto de Touros, no Rio Grande do Norte, de onde iniciaria uma sofrida caminhada pelo interior até a Bahia, uma retirada comparada por Varnhagen “à dos dez mil gregos, ao regressar da Pérsia” descrita por Xenofonte. O próprio Barbalho deixou registro sobre a sua saga, na qual escreveu que seus comandados sofreram “os maiores riscos e misérias do mundo, sendo que em ocasião de grande fome comeram-se os poucos cavalos que havia, couros, raízes de bananeiras e muitas imundícies. Certa vez os soldados, que vinham debilitados e fracos, comeram muito mandioca crua e quente, de que morreram alguns”.
Maurício de Nassau, em relatório enviado para a Holanda descreveu a atuação dos flamengos nos últimos dias de confrontos entre as duas armadas:
“Passaram o dia 18 occupados em concertar os cabos e reparar as avarias; o inimigo fez todo o possivel para dar desembarque por ahi algures, mas os nossos os impediram. E, tendo-se de novo preparado, pretendiam os nossos atacar os Hespanhoés no dia 19. Mas á noite estes mudaram de plano e resolveram abandonar a costa e fazer-se ao mar, talvez receiando descahir sobre os baixos de São Roque ou por estarem cansados de bater-se. Da nossa frota não se avistavam mais do que 5 ou 6 navios mais atrazados da armada hespanhola”.
Apesar da armada do Conde da Torre contar com maior número de embarcações com relação à armada holandesa, os pesados e lentos navios luso-espanhóis tiveram como o seu maior inimigo, naquela época em que as velas conduziam as naus, o regime dos ventos e as correntes marítimas no litoral da região, que fizeram com que, nas palavras de Varnhagen, “toda a esquadra se desmantelasse vergonhosamente”, dispersando-se as embarcações para as Antilhas, para o Maranhão e no rumo da Península Ibérica, redundando a jornada restauradora do Conde da Torre em um grande fiasco. No relato do historiador Robert Southey:
“Assim pôde uma força muito inferior evitar que uma armada de oitenta e sete velas e duas mil e quatrocentas peças de artilharia fizesse coisa alguma [...] Não tinham vencido os holandeses, mas logrando com o favor do tempo afastar das suas costas forças muito superiores, tinham colhido todas as vantagens da vitória”.
Por conta do fracasso da armada sob o seu comando, ao voltar para Portugal, o Conde da Torre foi preso por determinação do rei espanhol e foram retirados seus títulos e vantagens. Mas, isso durou muito pouco tempo, porque quatro meses depois os ventos da sorte soprariam em favor do Conde, um golpe de Estado restauraria a independência portuguesa e restabeleceria as suas honrarias e mercês.
Maurício de Nassau, em documento enviado aos seus superiores neerlandeses, atribuía à Providência Divina os sucessos dos batavos nos combates de janeiro de 1640:
“rendemos uma publica acção de graças a Deus Nosso Senhor por essa maravilhosa victoria que nos livrou de tão poderosa armada [...] Não temos penetração bastante para atinar com todas as sortes de meios de que o Senhor Deus se servio para abater o orgulho hespanhol e a sua armada, que supunha levar tudo de vencida”
Nos Países Baixos, na mesma linha providencialista adotada por Nassau, segundo o escritor holandês P. M. Netscher, foi cunhada uma medalha comemorativa da vitória dos neerlandeses, tendo em uma das faces a efígie de Nassau e na outra uma figura em relevo de uma batalha naval circulada por uma inscrição “Deus abateu o orgulho do inimigo a 12, 13, 14 e 17 de janeiro de 1640”.
Em 1647, quatro gravuras nas quais o pintor Frans Post registrou as batalhas que aconteceram no litoral nordestino entre a esquadra holandesa e a armada luso-espanhola do Conde da Torre foram incluídas na obra de Gaspar Barléu sobre o período de Maurício de Nassau no Brasil. Em duas dessas gravuras elaboradas pelo magistral pintor neerlandês pode se ter uma ideia do número de naus envolvidas nos combates que ocorreram no litoral da Paraíba, na segunda batalha, que aconteceu nas imediações do Cabo Branco, e no terceiro confronto, “em que se viu e ouviu perfeitamente de dentro” da Cidade da Paraíba, conforme anotado em um documento holandês da época.
Segundo e terceiro confrontos entre holandeses e espanhóis no litoral da Paraíba, em gravuras de Frans Post.
▪ Fontes: Museu Britânico e Rijskmuseum
▪ Fontes: Museu Britânico e Rijskmuseum