Chegaram à quitinete com os devidos instrumentos musicais. Era visita de supetão: o amigo morava com os pais velhinhos que, àquela hora da noite, já estavam agasalhados. O visitado fora guitarrista de uma banda da juventude transviada. Alberico era para mais de sessenta. A turma nessa média.
Entravam na intimidade, abrindo as caixas, preparando os sons, procurando tomadas. Na saleta mal cabia a parafernália, mas tudo com boa vontade se ajeita. Alberico se levantou em contorções. Logo hoje, dia de seu aniversário natalício, quando desejava curtir a ressaca da mazela, ao pé do rádio, ou deixando rodar um disco de antigamente, a imaginação desenhando os atropelos da juventude.
Solteirão, só tivera um amor platônico adocicado com um ralo romantismo. Guardava o único presente que a amiga lhe dera: um cinturão largo amarrado a fivelão. Logo ela se fora, destino ignorado. Abriram cerveja, começou o zumbido, Alberico não gostara da cruel surpresa. Tudo mudara. Tempo outro. Envelhecido, cara murcha, quebrado no andar. As músicas não mexiam com Alberico. Imóvel assistia a tudo com arrepios de insatisfação: restos da zika. Os incentivos nunca o demoveriam.
Os amigos suspenderam a festa. Colocaram torta sobre a mesa, acenderam as velas (seis/dois). Alberico as soprou com dificuldade. Logo ele que enchia balões para ornar aniversários dos vizinhos. Caiu exausto na poltrona. Acorreram. Nada grave. Uma tontura. Um arrastar de chinelas do quartinho. O pai de Alberico assoviando Orlando Silva. Estava com fome e queria um pedaço da torta. Reclamou: “Isso são ruídos, não músicas...” - nada responderam. Encaixotaram os instrumentos, abraçaram secamente o aniversariante e zarparam. O mais moço da turma contava seis décadas. Saíram arrastando os instrumentos. Meditavam o Eclesiastes: “tudo tem seu tempo”.
Alberico, enfim, só, pôs ao prato o cd de Roberto. Antes de adormecer, cantarolou os Beatles. Deu um bocejo. O cinturão segurando a calça jeans. Sonhou com a namorada. E Platão.