Uma das máximas de nossos tempos bicudos é que quando se fala em “ganhar dinheiro”, muita gente fica com a percepção alterada, perde...

Tambaú não é Camboriú, mas o desastre pode ser o mesmo

desastre ambiental camboriu areia praia
Uma das máximas de nossos tempos bicudos é que quando se fala em “ganhar dinheiro”, muita gente fica com a percepção alterada, perde o senso crítico e acaba vítima de algum embuste. Para não ir longe, uma recente pirâmide financeira na Rainha da Borborema deixou pessoas aparentemente atiladas de neurônios moles e com prejuízos de monta. Grandes esperanças de lucros estratosféricos e riquezas quiméricas se esfumaram no ar. E nessas searas, não custa lembrar que ilusionistas e iludidos caminham de mãos dadas.

Vez por outra, uma panaceia é vendida como a “solução de todos os males” e a promessa de vida eterna, transmutação de metais em ouro e outros portentos miraculosos parece anestesiar a cachola de multidões, que caminham alegremente para desastres sem conta.
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A faixa em cor vermelha mostra o canal "Valo Grande", em Igape-SP, ligando as águas do Rio Ribeira às águas salgadas do "Mar Pequeno", área de inestimável valor ambiental.
Um deles: no ano de 1827, os empreendedores agrícolas e lideranças políticas da próspera Iguape, no litoral Sul de São Paulo, tiveram a ideia de construir um canal de dois quilômetros de extensão e quatro metros de largura, entre um porto fluvial no Rio Ribeira de Iguape e o florescente porto marítimo da cidade, que prometia economizar tempo e dinheiro para o escoamento rápido e vantajoso da produção. Em 1855 o “Valo” foi inaugurado com muita festa, mas faltou combinar com as forças da natureza, nesse caso a erosão. Poucos anos depois, o “Valo Grande” já chegava a duzentos metros de largura, tendo assoreado o porto, destruído quarteirões, alterando drasticamente o Rio Ribeira, enfim, o que foi pensado para o “progresso” significou a ruína econômica e a destruição ambiental na hoje pequena e simpática cidade paulista. Certamente, nem todos perderam. Os vendedores de ilusões quase sempre escapam com as burras cheias de dinheiro antes que o desastre seja consumado.

Bom, as forças da natureza estão lá, para quem quiser estar atento, como estão os melhores geógrafos, arquitetos, biólogos, ambientalistas e outros profissionais que investem tempo de suas vidas tentando entender as delicadas relações entre as sociedades humanas e os meios com os quais elas interagem. Nosso Poeta Augusto dos Anjos no seu Monólogo de uma Sombra, notava essa ação natural como elemento de seu gênio criador: Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa, abranda as rochas rígidas, torna água, todo o fogo telúrico profundo. E reduz, sem que, entanto, a desintegre, à condição de uma planície alegre, a aspereza orográfica do mundo!

Em Iguape, o "Mar Pequeno" (braço de mar, com águas salgadas) recebe intensa carga de água doce do canal artificial (Valo Grande), causando a destruição do mangue, que é substituído pelo campim.
Desse modo, cheguemos a mais uma panacéia recentemente propalada: a bombástica “engorda” de trechos da orla de João Pessoa (e a construção de uma Via Litorânea no sopé do Cabo Branco), se baseando na malfadada experiência de Balneário Camboriú, no litoral de Santa Catarina, que tem dado resultados no mínimo controversos. O problema em si, pelo menos numa primeira aproximação, não está nem na obra nem nos seus possíveis resultados, mas na combinação de pressa e sigilo, que não é a mais prudente e que sugere que não podemos ter olhos mais gordos do que a pretensa gordura da praia. Essa pressa e a falta de um debate amplo e democrático, somado às promessas miraculosas de muito dinheiro para todos, pode acabar sendo a antessala do desastre.
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Transtornos ambientais e sociais são reportados diariamente após o alargamento da faixa de areia do Balneário Camboriú, em Santa Catarina.
Os processos erosivos no Cabo Branco são da ordem da natureza, começaram bem antes de estarmos todos aqui e permanecerão bem depois de todos termos partido. O que podemos fazer, se errarmos feio, é agravar e acelerar processos que demorariam milênios e gerar consequências desastrosas para nossa cidade, para a vida marinha, para as atividades turísticas num curtíssimo tempo. Levando para o campo do turismo: João Pessoa tem um diferencial: não tem a parede de espigões na beira-mar, é possível ver a falésia de diversos pontos do litoral, a cidade mantém um ar interiorano mesmo na orla de suas praias mais famosas. Não é exatamente isso que encanta os nossos visitantes? Um paliteiro à beira-mar manteria esse atrativo?

Diversas perguntas precisam ser feitas e respondidas com a maior sustentação científica e o maior alcance junto à opinião pública.

Quanto custará a pretensa obra? Quem a custeará? Qual o seu impacto para as finanças do Município, que devem ter urgências nos campos da saúde, educação e outros?

Quais as consequências possíveis para a vida marinha, para os corais, para as praias, para a saúde, entre outras?

Segmentos de menor poder econômico e político na cidade, como os pescadores da Penha serão ouvidos? Ou tratorados, como costuma acontecer?

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Imagens: YT Biel
A "engorda" no Balneário Camboriú causou o aparecimento de grandes desníveis na areia, a proliferação de algas, além do desequilíbrio da fauna e da vegetação de restinga nas áreas marinhas adjacentes.
De onde virá a areia para essa engorda? Quais os eventuais danos que a sua extração provocará na região onde for feita? Posso estar até bem errado naquilo que falo aqui e posso ser convencido que essa engorda é a melhor alternativa, mas a sociedade precisa debater de forma ampla, sem afogadilho, ouvindo atentamente quem tem conhecimento, decidindo com discernimento e sabendo que todo dinheiro tem seu preço e que o preço, às vezes, é mais caro do que o que se pode pagar.

Enfim, quando lidamos com essa escala de intervenção, o que não se pode ter de forma alguma é pressa e o que se deve ter, com toda a certeza, é prudência. Caso contrário, as areias da engorda podem engordar uma falsa prosperidade, mas também podem soterrar vidas, carreiras políticas e dinheiro de muita gente nessa aventura arriscada.

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  1. A especulação imobiliária selvagem por trás desses projetos que surgem de repente, do nada.

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  2. Na verdade, isto tudo me parece uma grande "armação", que começou com a retirada do Aeroclube e prossegue, agora, com esse projeto abjeto.

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  3. Anônimo2/3/23 19:40

    Reflexão importante e necessária que os gestores deveriam fazer junto com a sociedade. Não ė o q parece que vai acontecer, pois o prefeito acha q a obra está com 16 anos de atraso.

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  4. Anônimo6/3/23 06:06

    Há avaliação dos resultados das engordas já feitas no litoral nordestino ? E, como chama atenção o Prof Sérgio Rolim, diagnósticos ex-ante ?

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