O poeta Sérgio de Castro Pinto está de livro novo. É mais um que vem se juntar à sua já vasta obra literária, na qual, claro, pontifica a poesia, mas sem prejuízo para a produção em prosa, de qualidade inegável. E é exatamente neste segundo segmento que se enquadra O Leitor de Si Mesmo, Arribaçã Editora, Cajazeiras, 2022, coletânea de textos publicados originalmente no jornal A União.
Com este novo título, imagino que esteja completo o trio de que fazem parte os livros O leitor que eu sou, Editora Ideia, João Pessoa, 2015, e O leitor que escreve, Arribaçã Editora, Cajazeiras, 2020, aos quais deve ser juntado, por afinidade, A casa e seus arredores, Editora Manufatura, João Pessoa, 2006. A rigor, como se vê, tem-se agora mais que uma trilogia, mas isto é apenas um detalhe formal que não vem ao caso nesta oportunidade. Depois os especialistas haverão de arranjar nomes e classificações adequadas, que esse é o ofício deles.
Tendo começado muito jovem e já estando adentrado nos setenta, Sérgio é atualmente um dos nossos escritores com mais tempo de estrada literária. Sempre com o mesmo rigor estético e o mesmo cuidado em produzir poesia e prosa de alto nível. Não é, portanto, daqueles que publicam por publicar, confundindo (ou querendo confundir) quantidade com qualidade. É discreto. É sóbrio. É simples. Não tem pose, não ostenta títulos nem carrega medalhas. Anda tranquilamente pela aldeia em mangas de camisa, como o homem comum que faz questão de ser, a despeito da ancestralidade ilustre que dá nome a aeroporto, a praça e a muita coisa mais. É um exemplar típico do brasileiro cordial, se é que ainda existe esse personagem da mitologia nacional.
Um aspecto seu que considero admirável é seu desapego ao poder, seja qual for a forma que este assuma. Pelo que sei, não persegue posições ou cargos. Não que os recusasse, caso surgissem em seu caminho. Mas não os busca com a sofreguidão dos alpinistas. Foi assim na universidade e fora dela. Ao poder e suas ilusórias pompas, parece-me preferir o recolhimento da vida intelectual, com o seu quê de sacerdócio e renúncia.
Professor universitário da UFPB na área de Letras (atualmente aposentado) e leitor voraz (e veraz) desde sempre, acumulou uma invejável bagagem cultural, lastro do que escreve e fala. É por isso um de nossos melhores e mais preparados intelectuais, constantemente requisitado para palestras e pronunciamentos. Sabe o que diz e tem o que dizer, com a propriedade serena dos sábios. Sua obra poética foi o tema da tese de doutoramento do professor João Batista de Brito, outro dos nossos valores, e só isso bastaria para consagrá-lo como autor.
Interessante é que ele buscou primeiramente o Direito e só depois migrou para as letras. Assim como Virgínius da Gama e Melo, Juarez da Gama Batista, Ângela Bezerra de Castro, Hildeberto Barbosa Filho e muitos outros privilegiados que souberam descobrir e abraçar a verdadeira vocação. Luiz Augusto Crispim e Joacil de Brito Pereira, entre outros, lograram transitar bem nas duas áreas, mas Sérgio concluiu ser talhado para atuar monogamicamente na literatura, aí incluída a cátedra magisterial. Com isso, ganhou a cultura paraibana e brasileira – e ganhamos nós, seus leitores.
Em O Leitor de Si Mesmo Sérgio escreve sobre outros autores que leu e que achou por bem comentar, estimulando-os com sua crítica arguta e generosa. Esse papel de divulgador de obras locais e nacionais Sérgio tem exercido com notável largueza, o que demonstra que não olha só para o próprio umbigo. É um traço de sua personalidade e do seu caráter essa abertura para outros valores, principalmente aqueles que estão começando ou ainda não obtiveram o reconhecimento devido. Essa magnanimidade o diferencia de muita gente cheia de pose e incapaz de enxergar e de falar bem do trabalho alheio.
Com a obra poética e crítica praticamente já realizada, não é favor nenhum afirmar que a posteridade de Sérgio está assegurada, na medida em que se pode assegurar o que virá quando não mais estivermos aqui. Mas é um fato: não se pode estudar as letras paraibanas da segunda metade do século XX até os nossos dias sem se atentar para a escrita de Sérgio de Castro Pinto. Muitos (a esmagadora maioria) passarão, mas ele tem muita chance de ficar, acredito. E no fim, sabemos, a posteridade é o que vale e não as gloríolas (obrigado, Welington Aguiar) passageiras e acidentais do presente.
Vivesse num grande centro e publicasse por uma grande editora, Sérgio seria hoje um nome de real expressão nacional. É verdade que é reconhecido como grande poeta além dos muros baixos da aldeia, principalmente nos meios universitários, mas não na amplitude que seu valor merece perante o público em geral. Mas não tem nada não. Tudo isso o torna mais precioso para os leitores que o conhecem e cultivam. Sem nenhuma dúvida, seu caso é daqueles em que a raridade engrandece.