(Conversa com Hélder Moura)
Meu caro Hélder Moura, eu gostaria, em primeiro lugar, de agradecer a sua gentileza de ter incluído, como posfácio, na segunda edição de seu livro O princípio da diversidade e outros anarquismos: textos pandemônicos, o meu artigo, “A difícil arte de autogovernar-se”, originalmente publicado no Ambiente de Leitura Carlos Romero. A sua gentileza, contudo, foi além, meu amigo, convidando-me para estar presente ao debate, por ocasião do lançamento dessa nova edição.
Seu livro, caro amigo e confrade, além de inteligente e provocativo, concede a todos os que o leem a rara oportunidade de discutir e debater o momento atual por que passamos. Começo afirmando
Дмитрий Хрусталев-Григорьев
A minha segunda premissa é a de que informação não é conhecimento. O que mais temos no mundo hoje, ao alcance de grande parcela da população, é informação. Informação, no entanto, não é conhecimento. Informação precisa ser transformada em conhecimento. O problema é que o conhecimento que muitos desejam, num tempo em que a internet e as redes sociais exigem velocidade, é aquele adquirido em drágeas, conhecimento que dê a falsa impressão de profundidade a quem o expõe, quando, na maioria dos casos, esse conhecimento, por raso e superficial, não resiste a uma análise mais detida. O pior de tudo é que quando nos aprofundamos e escancaramos a falta de conhecimento, somos atacados e chamados de todos os “istas” que alguém possa imaginar.
Дмитрий Хрусталев-Григорьев
Uma das consequências desse apego à superficialidade, meu caro amigo, é a afirmação de coisas sem sentido. Divirto-me bastante quando ouço alguém dizer que “precisamos pensar fora da caixa”. Algum iluminado inventou essa expressão e a maioria, sem refletir, passou a repeti-la, como se fosse uma verdade incontestável e uma descoberta tão importante para a civilização, quanto o fogo. Ou uma invenção mais necessária do que o vaso sanitário. Mais uma vez, Victor Hugo, no mesmo romance, nos ensina que “quem não possui seu pensamento não possui sua ação” (II, I, IX, p. 510), ficando à mercê do pensamento canhestro dos outros.
Дмитрий Хрусталев-Григорьев
Дмитрий Хрусталев-Григорьев
Buscar autoconhecer-se é ter a consciência de que a sociedade não existe sem a tríade Educação-Responsabilidade-Justiça. A educação é o processo de aquisição de conhecimento, que nos faz sair das trevas e da aparência para o confronto com a luz, levando-nos a conhecer a responsabilidade por ter adquirido o conhecimento. É, portanto, a responsabilidade um avanço diante do outro e de mim próprio, no sentido que eu não só não me limitarei, mas sobretudo deixarei de lado, de uma vez por todas, a procura de culpados. A culpa, além de instrumento de tortura, é estagnante; a responsabilidade, por sua vez, age junto com a necessidade, conduzindo-nos a assumir a consequência de nossos atos, movendo-nos sempre para frente. Podemos deduzir, portanto, que educação mais responsabilidade nos proporciona a prática constante da Justiça. Sem estes três elementos,
Дмитрий Хрусталев-Григорьев
Chegamos, meu caro amigo, à conclusão das premissas. A busca do autoconhecimento, enfim, é o que se pode entender por Política, com P maiúsculo, pois destina-se a uma procura por sermos melhores, não melhores do que os outros, como acontece na cabeça dos que confundem política com partidarismo, mas melhores para os outros. Sendo melhores para os outros, seremos melhores para nós mesmos. Reside aí uma sentença de Platão, pouco entendida pelas pessoas, que a deturpam dizendo que a falta de participação política nos faz ser governados pelos piores. Na realidade, na República, trecho 347c, Platão, pela boca de Sócrates diz que “a punição mais grave é a de sermos governados por alguém muito pior do que nós, quando nos recusamos a nos governar a nós mesmos”. O autogoverna retira de cima de nós o peso de maus governantes e nos conduz sempre para a realização da Justiça, porque já a encontramos dentro de nós.
O melhor de tudo isto, meu caro confrade Hélder Moura, é que procurar realizar cotidianamente a Justiça, independe de política e de religião. Só depende de nós mesmos. Assim como não precisamos das leis ou da política partidária, para sermos bons e praticarmos o bem, também não precisamos de religião. Mas precisarmos ser bons e praticar o bem, se quisermos ter uma religião, uma política do bem comum e leis que em lugar de simplesmente serem usadas para julgar, sejam justas.
Um grande abraço, meu caro amigo.