O fato é que devem existir cerca de oito bilhões de pessoas no mundo, neste início da década de 2020. Somos bilhões de pessoas distrib...

O princípio da diversidade

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O fato é que devem existir cerca de oito bilhões de pessoas no mundo, neste início da década de 2020. Somos bilhões de pessoas distribuídas em cerca de 200 países (ONU, 2020), uma diversidade imensa de nações, considerando que, há cerca de um século, havia menos de 60 países legalmente constituídos.

O pós-guerra trouxe o surgimento de várias nações, desmembramento de outras, especialmente com o fim de alguns impérios, como o Austro-húngaro (Europa)
Paquistão
e Turco-Otomano (Oriente) e a independência de alguns tantos povos, especialmente na Ásia e África, como Índia, Paquistão, Angola e Moçambique. Algumas motivadas por forte motivação étnica.

Já na década de 1990, com a Queda do Muro de Berlim e o desmonte da União Soviética propiciou-se o surgimento de repúblicas como Ucrânia, Belarus e tantas outras. Uma dinâmica que revelou, em verdade, a imensa diversidade de povos, que se tornaram independentes para formalizarem a sua natureza singular. É da dinâmica dos povos o surgimento de novos países.

Então, somos cerca de oito bilhões de pessoas de tantas nacionalidades e etnias quantas conseguimos imaginar. Detalhe: estima-se que mais de 108 bilhões de pessoas já viveram na Terra (HAUB, 2020), desde que surgiram os primeiros humanos.

Mas, o curioso é que, apesar de uma quantidade tão expressiva de humanos, não há, nunca houve, e, provavelmente, nunca haverá duas pessoas exatamente iguais. Semelhantes, até sim, mas iguais, certamente não.

EUA: Josh e Jeremy (gêmeos), casados com Brittany e Briana (gêmeas): semelhantes, mas não iguais.
Isto, certamente, quer dizer alguma coisa. Parece um sinal da natureza. Talvez porque se todos fôssemos iguais, não precisássemos de tantos. Bastaria talvez um exemplar para representar a espécie. Sim, porque se fôssemos iguais, como simples clones, falaríamos as mesmas coisas, sentiríamos e pensaríamos rigorosamente o mesmo. Em suma, agiríamos iguais feito autômatos. Neste caso, para que tantos?

Bastaria um exemplar da espécie e infinitos espelhos para representar toda uma humanidade.

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As gêmeas Lucy e Maria Aylmer nasceram em Gloucester, Inglaterra
Parece claro, portanto, que uma das principais propriedades do humano é essa notável pluralidade. Uma pluralidade dentro da singularidade que é ser humano.

É notável a narrativa bíblica de Esaú e Jacó. Quando Rebecca, que era estéril, milagrosamente concebeu de Isaque, viu que os filhos lutavam em seu ventre, então, horrorizada, foi consultar ao Senhor, "E o Senhor lhe disse: duas nações há no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas, e um povo será mais forte do que o outro povo, e o maior servirá ao menor.” (GÊNESIS, 25:23) E eram gêmeos! Mas, diferentes. Aliás, muito diferentes.

E é ainda mais interessante, quando percebemos como todos nós, humanos, somos similares enquanto espécie. Somos simétricos, com dois braços, duas pernas, um lado esquerdo, outro direito, os mesmos órgãos internos. Temos língua, falamos.
Papua Nova Guiné
Temos olhos, vemos. Temos ouvidos para ouvir. Tamanho e peso variando dentro de uma banda estreita. Todos nós, em escala diversa, temos a faculdade de pensar, de sentir, de perscrutar. Ou seja, temos uma intrínseca semelhança. Porém...

Porém, o fato é que, mesmo similares, aparentamos ter infinitas características que nos particularizam. E o que parece nos diferenciar é a modulação de cada uma dessas infinitas características em cada um de nós. Ou seja, temos o mesmo conjunto de características, como arcabouço próprio da espécie, mas cada uma delas tem uma gradação diversa em cada exemplar da espécie. E isso, essencial e aparentemente, nos diferencia.

Estamos, aparentemente, diante de uma régua de algo como um infinitismo do ser. São infinitas as características dos humanos e são infinitas as possibilidades. Se cada ser tem infinitas características e possibilidades, então são infinitamente diferentes, dado que não se pode comparar um infinito com outro infinito.

Mongólia
Tipo o que já pontuava Publius Terentius Afer Terêncio (cerca de 185 — 159 a.C.): “Homo sum; humani nil a me alienum puto”. O que, numa tradução livre, pode ser entendido como: “Sou humano, nada do que é humano me é estranho”. Ou seja, apesar de termos, cada um de nós, as próprias peculiaridades, temos as mesmas propriedades que caracterizam os humanos. Somos diversos naquilo que é comum a todos. De Terêncio também é “Quot homines, tot sententiae: suo' quoique mos", ou, na tradução livre “Quantos homens houverem, tantas opiniões haverá: todos com sua maneira particular". (BROWN, 2006)

EUA
Nós somos singulares na espécie, e somos diversos no particular com predicados próprios. Somos, na verdade, plurais nas semelhanças, por mais paradoxal que possa parecer. Um atributo que talvez venha nos distinguir como uma vantagem evolutiva. Tanto parece ser assim, que as sociedades onde houve cruzamento de parentes próximos e muito similares, que poderia gerar indivíduos muito parecidos, enfraqueceram e até se extinguiram. Exauriram, talvez seja melhor dizer.

Nesse particular, a natureza, aparentemente, emite um sinal claro em favor da miscigenação, que aprofunda a diversidade, talvez como aprimoramento genético. Seria algo como um imperativo da evolução nos moldes apresentados por Charles Darwin, em “A Origem das Espécies” (DARWIN, 2014). É presumível que, nas sociedades primitivas (como hoje), a diversidade de habilidades era uma vantagem evolutiva. Assim, seus integrantes poderiam permutar tarefas e utensílios para as quais tinham mais aptidão, necessários à sobrevivência. E essas capacidades certamente só evoluíram e foram transmitidas às gerações vindouras. Talvez não chegue a ser irrazoável supor que essa destreza, provavelmente, estava associada a uma característica própria do sujeito, especialmente naquilo que ele teria de diverso dos demais, ou seja, plural em sua magnificência de espécie, mas singular, em sua individualidade de humano.

Índia
Essa diversidade, como se pode deduzir, estava e está associada também a um princípio de inclusão, na medida em que a química das sociedades, desde as hordas, operava para fazer o outro existir. E isto não compreende o movimento de tornar o outro semelhante, até, eventualmente, promover a negação de outros. Muito mais a percepção, ainda que incipiente, da necessidade de incorporar para o enriquecimento mútuo do grupo, como um acolhimento para explorar outras possibilidades de fazer, ser e saber. Talvez até mesmo de como exercer um poder compartilhado, dentro das características de cada indivíduo, num contexto de complementaridade de funções e competências.

Michel Foucault (2013) vai postular em “A microfísica do poder”, que o poder emana, não de um ponto central, mas se traduz e se manifesta nos indivíduos do grupo, por diversos mecanismos secundários, e são capazes de produzir novas articulações, intrinsecamente relacionadas à produção de saberes.

Inglaterra
Aparentemente, é na qualidade das relações que a diversidade adquire seu maior nexos e é capaz de substancializar a riqueza dessas relações. Os indivíduos podem apenas se juntar e formar grupos, mas isso poderá ser apenas uma aglomeração amorfa. Mas, a partir do momento em que há uma interação entre os integrantes, com troca de habilidades, sentires, pensares, o grupo ganha uma dinâmica que transforma e enriquece. E esse trato só se dá com vigor quanto se associa o diferente, o diverso. O igual não soma, apenas acrescenta. O diferente metamorfoseia, abre outras possibilidades e, com isso, oferece ao grupo outras perspectivas de evoluir.

Uma observação que pode levar à conclusão de que, quanto mais diversos somos, mais nos afastamos de um ancestral comum primevo e inacabado e mais crescemos enquanto espécie.
Nigéria
Apesar de mantermos o mesmo arcabouço do ancestral comum, e mais nos aproximarmos de uma diversidade que, muito provavelmente, seria a perfeição da espécie. Pode-se culpar a natureza de muita coisa, menos de mesmice.

Assim, alguns de nós, por conta de suas particulares características, irão onde outros não irão. Alguns realizarão o que os demais não conseguirão realizar. Uns sonham o que outros jamais sonharão. Alguns irão pensar o que outros não pensarão. E alguns irão sentir o que tantos outros jamais sentirão. E assim somos nós. Semelhantes enquanto espécie e notavelmente diversos enquanto humanos.

A natureza, aparentemente, nos quer diferentes e, ao mesmo tempo, incrivelmente semelhantes uns dos outros, ainda no encaixe do ideal darwinista. E, sendo assim, quanto mais diversos formos, certamente mais humanos seremos, e mais estaremos habilitados a participar de um grupo. Seria até razoável supor se tratar de um princípio inelutável. Algo intrínseco da espécie.

Espanha
Talvez por isso mesmo, todas as vezes que a uniformidade de humanos foi tentada, maior foi o insucesso, porque, provavelmente, nos distanciamos desse parâmetro do que constitui o sentido de sermos os humanos que somos.

Então, nós, definitivamente, não somos iguais. Somos, claramente, diversos. Parece até um atributo que nos faz seres divinos, e não apenas um número num rebanho. Não somos uma massa homogênea, somos uma imensa malha heterogênea. Porque, aparentemente, não existimos para a existência solitária. Somos divinamente sociais, talvez para viver em hordas, em bandos, em grupos, por um imperativo de sobrevivência. Neste contexto, o solitário, não exatamente,
EUA
mas a solidão, sim, se apresenta como uma exceção à regra dessa parceria tão do humano.

Um desenho que leva a “O contrato social”, Jean-Jacques Rousseau (2013), que pode ser compreendido como um acordo tácito entre indivíduos de um grupo para se criar uma estrutura de sociedade, e, eventualmente, um Estado. Portanto, esse contrato é um pacto de associação entre os indivíduos, e que deve prevalecer mais como associação e menos como mecanismo de submissão. Ainda que o próprio Rousseau não subestime o poder do mais forte, para quem a força não faz o direito e a obediência. A obediência, neste caso, estaria mais relacionada a questões subjetivas da ficção dos humanos.

O sociólogo Alain Touraine vai postular como as interações entre os indivíduos, na sua perspectiva do “ser sujeito", vai ser construída em sua relação com o outro, especialmente na alteridade, mas não na submissão ou na opressão, porém na integração orgânica, tácita e mútua, num viés de reconhecimento, num plano particular e num plano de universalidade. Touraine arremata: “O sujeito é ao mesmo tempo universalista e comunitário e ser sujeito é estabelecer um elo entre esses dois universos, ensaiar viver o corpo e o espírito, emoção e razão" (TOURAINE, 1994).

Bolívia
É justo imaginar que as hordas mais primitivas e quaisquer grupos podem até ter uma causa comum, mas sempre existirá uma diversidade de fazer, sentir e pensar entre os seus componentes. Tentar a uniformização dessas características parece ser uma abordagem totalitária, e as sociedades totalitárias tendem ao extremismo e à autofagia, como, aliás, a História já cuidou de mostrar.

Essas sociedades totalitárias passarão por uma espécie de curva de Gauss, indo de um período crescente, para estabilizar certo tempo no alto, mas sempre irão definhar, porque o que fortalece as sociedades parece ser, essencialmente, a diversidade que irá se expressar em novos ideais, pensares, sentires, fazeres.
EUA
E capaz de estabelecer uma emulação com cargas afetivas que irão levar à inconformidade e ao conflito.

A evolução parece guardar um laço indeclinável com o rompimento de comportamento homogêneo. Em outras palavras, uma sociedade não irá progredir em ambiente de estagnação do ser, ou de transformação do ser como apenas um número no conjunto. Pode-se aspirar um conforto coletivo, mas nunca esperar que as soluções surtam um efeito igual para todos. A tentativa de impor essa igualdade é uma violação ao que parece ser um princípio de diversidade da natureza.

A homogeneidade nos humilha, a diversidade nos redime. Definitivamente, somos semelhantes enquanto espécie, mas diversos enquanto humanos. Isso nos torna belos e sublimes, e também divinos. É de nossa essência. Daí, a relação sempre conflituosa com todas as estruturas de poder.

Inglaterra
O capitalismo, mesmo com seu ideal de liberdade apresentado, em verdade, como um bônus ilusório, ambiciona fazer das pessoas simples unidades consumidoras. Homogêneas e cordatas. Afinal, quanto mais fascinados forem os consumidores, mais valorizados serão pelo sistema.

O comunismo, visto no extremo oposto, reduz os humanos a meras peças de engrenagem do Estado. E quanto mais reduzidos a esta reles condição, e quanto mais acomodados e submissos, mais celebrados, porque o que se deseja é que sejam servos gentis sem vontade própria. Num e noutro caso, o objetivo é submeter e reduzir o humano a uma matrícula numa massa amorfa.

Claro que os regimes autoritários e totalitários se indispõem contra a diversidade. Afinal, a diversidade nos estimula a reconsiderar, como processo até evolutivo, os valores políticos, sociais e culturais, em especial aqueles que sinalizam para a compreensão do outro. Mas, são regimes tenazmente resistentes.

Cuba
Como bem nos adverte Michel Foucault (2013), ainda em “A microfísica do poder”: “Nada mudará a sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo e ao lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais elementar, cotidiano, não forem modificados”. E somente o confronto que a diversidade fomenta pode propiciar essas mudanças. É enfadonhamente repetitivo dizer, mas o fato é que, de todos os governos, o que mais se aproxima desse elemento de permeabilidade na sociedade pela diversidade é a democracia, por conta, entre outros, ou talvez em especial, de sua porosidade social e política.

A democracia não é, pois, monolítica, mas heterogênea. Ou seja, ainda é o que podemos ter de melhor, mesmo com todas as suas óbvias precariedades,
Ucrânia
na medida em que uma sociedade democrática tem por definição o acolhimento à pluralidade, além do convívio e a interlocução na diversidade.

Em suma, uma particularidade de tolerância, sem a qual o tecido social se esgarça. Portanto, são tais os marcos que balizam a convivência democrática, sem os quais, obviamente, não há ambiente para a democracia.

A particularidade mais marcante de uma ditadura é a intolerância. A intolerância aos que pensam em contrário, aos diferentes que são tornados oponentes. E é essa intolerância que leva ao genocídio e à escravização dos que são diversos. São inúmeros os exemplos. Os Egípcios escravizaram os hebreus, porque eram étnica, religiosa e insuportavelmente diferentes para os faraós. Outros povos foram sumariamente dizimados.

No início do século passado, quando ainda havia o império turco-otomano, houve um dos massacres mais cruéis, que antecederam a II Guerra Mundial. Ficou conhecido como o genocídio dos armênios. Milhões de pessoas foram levadas à morte por inanição, mulheres violentadas em série e vendidas como escravas e, pior: crianças eram encaixotadas aos milhares e jogadas vivas no Mar Negro. Outras jogadas para cima e espetadas com as espadas. No saldo, quase dois milhões de mortos.

Israel
Os russos sovietes de Stalin também promoveram um dos maiores genocídios da modernidade contra os ucranianos: o holodomor (que significa deixar morrer de fome). Entre cinco e 14 milhões de ucranianos foram mortos pela fome, por serem ucranianos e não russos. Hitler escolheu os judeus para o genocídio, e povos como poloneses, franceses e tchecos para a humilhação de uma escravização. Um escárnio com a Europa. Hitler, provavelmente, tinha um sentimento misto talvez de perplexidade e despeito em relação aos judeus, porque não entendia como um povo tão perseguido e vivendo em condições tão adversas conseguia prosperar contra todas as expectativas, e bem debaixo do seu nariz. São muitos os exemplos.

Causa urticária aos ditadores lidar com aqueles que pensam diferentes, que são diferentes, que sonham diferente. Num trocadilho infame poderia se dizer que, enquanto nas democracias existe uma ditadura da tolerância, nas ditaduras o que se notabiliza é a democracia das intolerâncias. Essa intolerância que tem raízes no ódio ao que é diverso.

Diante dessa moldura política, somos inclinados a concluir que nós, os humanos, não chegamos até aqui, depois de uma população de mais 100 bilhões de tantos que nos precederam, para sermos relegados a números de estatísticas, ou resumidos a um simples registro no escaninho de algum poder.

Planeta Terra
Nós temos sobre os ombros a responsabilidade pelo futuro, e não se constrói um futuro decente com os grilhões da opressão totalitária, seja da fantasia criada pelas promessas de felicidade comunista, seja pelas pretensas maravilhas do consumismo. Somos também fantasia, é verdade, porque somos os seres que inventaram o deslumbramento e o encanto da poesia. Mas, somos também aqueles que criaram a magia da aritmética.

Porém, somos muito mais do que apenas números. Porque mesmo como numerais, nós, essencialmente, somos diversos em nossas expectativas. Somos poesia e somos aritmética, contudo, se nós somos aritmética enquanto membros da tribo, também somos poesia enquanto humanos, eis a verdade.

O humano é, em essência, um ser absolutamente singular, resultado de um processo infinitamente plural.

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