Aí pela terceira cerveja, um dos amigos repisou a ideia – por sinal bem velha – de que a vida é um filme. Cada um bem ou mal protagoniza o seu, e não adianta chorar diante do resultado. Quando se chega aos cinquenta, sessenta anos, o filme está feito, acabou o orçamento. Não há mais tempo senão para exibi-lo e, independentemente do que apareça na tela do tempo, contemplá-lo. Mas a verdade é que poucos têm interesse pelo filme da própria vida. Só aquele ar de déjà vu...
A vida, um filme! E cada qual, animado pela quarta cerveja, tratou de repassar o seu. Fragoso pediu a palavra e foi sincero:
– Uma droga, o filme da minha vida. Faltou um bom argumento. Tudo o que fiz foi raso, medíocre. Houve a expectativa de uma viagem a Gramado com... Não digo o nome dela. Na época, queria se separar do marido e propôs que a gente se encontrasse em Gramado, aonde ela ia para um seminário de Recursos Humanos. Tive medo, não topei. Mas teria sido uma boa oportunidade de melhorar o enredo, apimentar a trama.
– Pois eu – começou Olímpio – quanto a isso não posso me queixar. No caso do meu filme, o problema foi outro: falta de ritmo. Minha vida foi uma espécie de filme americano tipo B – uma barafunda. O material era bom, farto – nasci bonito e rico –, mas faltou alguém que orientasse os planos, selecionasse as sequências, definisse os enquadramentos. De que vale um bom material sem um diretor hábil? Eis o problema do meu filme: incompetência na direção e na montagem.
Fez-se um silêncio compungido e até solene. Cada um parecia ver, numa espécie de projeção interna e retrospectiva, as imagens do filme que protagonizou e que não era mais possível retificar. Faltavam falar Lopes e Macedo. Lopes sentiu-se convocado pelos amigos, era a vez dele:
– Olha, pessoal. O problema do meu filme foi... excesso de câmera lenta.
– Como é?!
– Isso aí. Tudo na minha vida foi sempre muito devagar. Quando era para agir, correr, aproveitar a oportunidade – eu terminava me atrasando. Foi assim que perdi Beatriz para Leonardo, que perdi o concurso no Tribunal. Tinha que ser naquele ano, mas deixei o tempo passar. A medida da minha vida foi a câmera lenta. Terminei perdendo o bonde...
E completou, numa alusão consternada: – O bonde chamado desejo.
Macedo aproveitou a deixa: – No meu caso foi pior, houve uma degradação de gêneros. Eu nasci para protagonizar um épico ou, no mínimo, um drama carregado de paixões e muito sangue. Tive impulsos grandiosos, sede de poder e de conquista – tanto de lugares quanto de mulheres. Mas isso foi antes da rinite. Um dia, ainda cedo, apareceu a rinite. Vocês já imaginaram um herói alérgico, um herói sensível a vento encanado?
Ninguém imaginava.
– Pois é, na minha vida o que devia ser uma epopeia, ou um drama, terminou escorrendo pelo nariz. Virou farsa, comédia. Só eu é que nunca achei muita graça. Disse isto e espirrou. Fragoso mandou vir a quinta cerveja.