Para I e N
Olho atentamente para a borboleta verde-limão que pousa sobre um narciso e penso em nós dois. É começo de primavera e a brisa carrega partículas de gelo das montanhas que me cercam. Microscópicos flocos de neve devem pesar sobre as asas das borboletas, digo enquanto tomo a decisão de me afastar de ti. Hoje eu me concedo um tempo sozinha. Porque preciso; porque às vezes a proximidade sufoca e a presença alheia – mesmo a de um amado –
se torna um ruído na mente, como um rádio tagarelando no carro enquanto a gente está distraído.
O fato é que o teu amor dói em mim. Prende, esmaga, perturba. Minha respiração anda irregular, bem sabes. E o que guardo comigo já não é suficiente para que eu fique. Pele, boca, gosto, gozo e arrepio estão gravados na memória do corpo. A questão, sabemos, é que há intensidade demais. E pedaços de dor decorando o quarto onde nos amamos.
Preciso ir. É necessário. Para desafogar os excessos, corrigir as rotas, plantar novamente as flores esmagadas por passos desastrados. Devo ir agora, enquanto ainda não nos ferimos de forma irreversível.
O tempo é um grande milagreiro. Talvez ele me cure com suas poções invisíveis. Talvez te ensine a virtude da paciência pela primeira vez. Percorrer em passos lentos a rota das perdas. No meu tempo vou reaprender a caminhar, fazer emendas no corpo e no espírito, contemplar liberdade e quietude. Pensei em construir para nós um amor novo, desses embalados em rede, na tarde tranquila dos nossos dias futuros. Sou meio inábil, não consegui. Tu, por tua vez, não sabes sequer iniciar essas coisas (conhecemos bem as tuas urgências). Esse desejo que tenho, guardo bem fechado numa gaveta da qual, de vez em quando, ele escapa e me alcança, como um murmúrio de canção esquecida soando à distância. Eu imediatamente ponho as mãos sobre os ouvidos. Escolho ser surda. Não é possível. Não quando estamos tão quebrados. É indigna do nosso amor tal agonia.
O amor, como o entendo, deve ser pacificador. O que temos é fúria. Bruta e atordoante fúria. Penso em como te dizer essas coisas enquanto olho para as sequoias gigantes da floresta de Muir Woods. Árvores vermelhas. Parecem imponentes e firmes, mas suas raízes são ocas, frágeis. É preciso pisar com cautela em torno delas. O fogo é natural no ciclo de vida das sequoias. Ele vem, devorador, e faz abrir o casulo onde estão as sementes. A árvore se recupera. Produz uma resina que a cura e tapa os buracos nas raízes. Se os incêndios acontecerem em intervalos muito próximos, a árvore não tem tempo de se recuperar. Desaba.
Por isso preciso pedir que me deixes ir. No exato instante em que fecho a porta, ouço a tua voz me chamando do outro lado. O som do teu desespero me espanta e agonia. Temes outras presenças na nossa casa cheia de escombros, tomada pela areia, com marcas de tristeza no chão. Se acontecer, paciência. Não seremos os primeiros a perder um grande amor. Mas isso é futuro incerto.
Eu me despeço de ti carregando um coração pesado. Talvez ele volte, um dia, flutuando como um balão colorido, desses que se compra nos parques. E mesmo que te encontre com placa de ocupado, ele ainda será um pouco teu. Pois amor genuíno deixa traços que não merecem ser postos no depósito do esquecimento. Eu te quero feliz.
Quero ver de novo aquele teu riso tão lindo, de sol nascendo, com pequenas rugas nos cantos da boca e dos olhos.
O que desejo para ti é a mais pura e inocente alegria, como a que sentimos no comecinho da vida, quando tudo é simples. Alegria de cachorrinho que entra no mato sem medo de tamanduá. E tudo isso também desejo para mim mesma. Por isso sigo sem ti.
Aqui de longe, ainda te vejo – não duvides. Eu te trago no peito como um troféu, um colar de felicidades pequenas e grandes. Um rosário de beijos.
Eu te amo. Não esquece.
Este texto foi escrito para um casal de amigos que está separado. Desejo que fiquem bem. Eu o escrevi na floresta de Muir Woods, no norte da Califórnia.
Publicação original em soniazaghetto.com
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