Quando meus pais perderam tudo, não tinham evidentemente condições de contratar um advogado para defender a família nas centenas de causas judiciais que pipocaram por todos os lados. Então, fui estudar Direito e, desde o primeiro dia de aula, já estava atazanando o juízo de amigos advogados para me ajudarem a peticionar.
Meus maravilhosos professores da UFPB muito me ajudaram e fui empurrando com a barriga o quanto pude a avalanche de broncas que só aumentava. Mas isso é história para outros escritos. O que importa hoje é relatar como sobrevivi sem nenhuma fonte de renda naquela longa noite de precisão, já que por toda a vida só tinha me dedicado a uma única profissão: ser filho de rico.
Creiam, estimados leitores, nada se compara a ser filho de rico. Ser rico nem chega perto porque o rico se preocupa com impostos a pagar, negócios a fazer, empregos a manter. O filho de rico tem uma única preocupação: gastar o dinheiro dos pais. E, nessa matéria, sempre fui doutor.
Porém, Dona Necessidade bateu à porta e lá fui eu ganhar dinheiro para sustentar a minha família enquanto estudava à noite. Meu capital era zero. Nem carro possuía. Então, “inventei” a Bolsa de telefones. Por meio de um pequeno anúncio nos jornais, as pessoas tomavam conhecimento de que eu comprava e vendia telefones (na verdade só dispunha de uma única linha, aquela da casa dos meus pais, que usava para os negócios). Então, João ligava oferecendo uma linha telefônica e eu ficava esperando José ligar procurando essa linha. Já dizia o preço acrescentando meus 10%. Juntava os dois na Telpa e fazia a transferência.
Até aquele momento, tanto o vendedor como o comprador ignoravam a existência um do outro. Eu os apresentava, pagava ao vendedor e ficava com minha comissão. Era maravilhoso: não tinha empregados, não pagava imposto e ainda ficava com as ações da Telpa, pelas quais ninguém dava a mínima. Cheguei mesmo a ter alguns milhares daquelas ações. O problema era que, às vezes, uma das partes demorava a chegar e eu ficava enrolando o outro até poder inteirar a transação.
Bronca mesmo era quando um desses falsos milionários daqui pagava em cheque, porque eu não tinha conta corrente e ia para o banco com o vendedor sacar a grana e receber minha comissão. Lembro bem de um dia em que fiz a venda de 4 linhas para um banco. Era o céu. Mas fui parar no inferno porque tive que dar um recibo que foi enviado à matriz que só mandou o cheque dez dias depois. Enquanto isso, os vendedores ficaram mordendo meus calcanhares e eu usava minha única arma: a conversa, que é coisa boa mas não paga dividas.
Ali eu aprendi que o melhor cliente é o humilde. Já chegavam com o dinheiro embrulhado num jornal e eu era feliz por mais um dia. Não é sem razão que deles será o reino dos céus.