Em fevereiro de 1630, os holandeses conquistaram, sem maior esforço, Olinda e o Recife. No ano seguinte, os neerlandeses construíram um...

O Tempo dos Flamengos na Paraíba: a conquista

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Em fevereiro de 1630, os holandeses conquistaram, sem maior esforço, Olinda e o Recife. No ano seguinte, os neerlandeses construíram uma fortificação em Itamaracá e, no final de 1633, tomaram a fortaleza dos Reis Magos, no Rio Grande do Norte. Para o historiador Ronaldo Vainfas, “a Capitania da Paraíba era uma verdadeira cunha no território holandês, entre o Rio Grande, ao norte, e o eixo Pernambuco-Itamaracá. O alto-comando militar da WIC (a Companhia das Índias Ocidentais) decidiu, então, concentrar forças para conquistar a Paraíba”. Além do seu valor estratégico, a Capitania da Paraíba possuía vários engenhos de açúcar, de modo que, conforme escreveu Vainfas, “a sua importância econômica era indiscutível”.

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A barra do rio Paraíba, que dava acesso à então chamada Cidade Filipeia de Nossa Senhora das Neves e ao interior da Capitania, ficava situada entre duas praças-fortes dos batavos, o que tornava muito difícil a resistência das forças luso-espanholas locais às investidas dos flamengos, que já haviam tentado sem sucesso, por duas vezes, no final de 1631 e no início de 1634, se apossarem do território paraibano. A situação era a tal ponto insustentável que, segundo o historiador português Joaquim Veríssimo Serrão, uma carta enviada ao monarca espanhol Filipe IV (na época o reino de Portugal estava subordinado à monarquia castelhana), considerava a “inutilidade de gastar dinheiro com uma terra perdida para a Coroa”.

Mesmo depois da segunda tentativa frustrada em conquistar a Paraíba, que ocorreu em fevereiro de 1634, os holandeses continuaram perseverando no seu intento de se apossar do território paraibano. Em outubro daquele mesmo ano, dois soldados batavos que haviam ficado aprisionados na Cidade de Nossa Senhora das Neves conseguiram fugir e levaram informações valiosas para os flamengos. Segundo o relato de Joannes de Laet, diretor da Companhia das Índias Ocidentais - WIC, que era uma sociedade comercial neerlandesa encarregada da empresa de conquista e exploração das terras do Nordeste brasileiro:

“a sua chegada forneceu occasião aos nossos chefes de se informarem minuciosamente da situação da Parahyba [...] e de outros lugares. E quanto ao que concerne a Parahyba ou cidade Philippéa, deram informações differentes das que os nossos ouviram de outros prisioneiros ou desertores; pois os nossos tinham sido informados que a praça estava toda cercada por um fosso, trincheira e banqueta e aquelles declararam que não havia absolutamente fortificação alguma [...] era uma planície aberta, as casas collocadas em duas fileiras e mais adiante espalhadas aqui e acolá; que viram poucos soldados e a maioria do povo era gente pobre”.

No final de outubro, conforme anotou o Donatário de Pernambuco Duarte de Albuquerque Coelho nas suas “Memórias diárias da Guerra do Brasil”, chegava ao porto do Recife o “socorro esperado” pelos holandeses, que “constava de três mil homens de guerra, em 18 naus, com muitos abastecimentos e munições”, reforço que viabilizaria uma nova incursão contra a Paraíba.

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Holandeses em Pernambuco ▪ Fonte: Rijskmuseum, Amsterdã
Naquela época, as movimentações nos portos paraibanos eram objeto de atenta e vigilante observação pelos holandeses, como registrou Albuquerque Coelho:

“Em 7 de novembro, saiu do Recife Domingos Fernandes Calabar com quatro naus e um patacho, para com ele e com as lanchas entrar no rio Mamanguape, por ter notícia de nos terem chegado ali algumas embarcações [...] meteu pelo rio o patacho e quatro lanchas, e queimou uma caravela descarregada; e um patacho meio carregado de açúcar foram levando a reboque [...]

Voltou Calabar ao Recife com o seu patacho e o nosso, deixando as quatro naus naquela paragem, para guardá-la, para que não nos pudesse entrar por ali socorro para a Paraíba, que já tinha resolvido sitiar, desde que lhes chegou aquele grande socorro”.

Os fatos e as ocorrências de uma nova armada que foi aprestada pelos flamengos com o objetivo de conquistar a Paraíba são apresentados de forma mais detalhada em duas obras: do lado batavo, na “História ou anais dos feitos da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais”, escrita pelo geógrafo Joannes de Laet, e, da parte dos ibéricos, nas “Memórias diárias da Guerra do Brasil”, da lavra de Duarte de Albuquerque Coelho. Laet e Albuquerque Coelho alternam-se, aqui, na descrição dos episódios da terceira expedição dos flamengos à Paraíba.

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Capas das obras de Joannes de Laet e Duarte de Albuquerque Coelho ▪ Fonte: Biblioteca Nacional
Segundo Joannes de Laet, com a chegada ao Recife dos reforços enviados pelos Países Baixos “a expedição á Parahyba tendo ficado resolvida [...] e havendo-se provido cuidadosamente do que era preciso no mar como em terra, foi emprehendida finalmente no dia 24 de novembro [...] a força compunha-se de 22 companhias [...] montando ao todo 2.354 homens [...] a esquadra compunha-se de 29 velas”.

Para Laet, a armada batava com destino à Paraíba “foi tão atrazada por ventos contrarios que só no dia 4 de dezembro poude chegar no ponto de destino”. Duarte de Albuquerque Coelho foi mais preciso:

“Em 4 de dezembro, muito cedo, a armada inimiga deu vista ao Cabo Branco, trazendo já a infantaria nas barcaças e lanchas, que todas seriam 50, seguindo um patacho [...] entrou o patacho na enseada de Jaguaribe, dando fundo muito perto da terra [...] o patacho deitou pela quadra uma bandeira roxa, que era o sinal para que as barcaças e lanchas fossem deitar gente na mesma enseada”
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Litoral sul da capitania da Paraiba, da Barra de Abiá ao Cabo Branco, em mapa elaborado pelo cartógrafo holandês George Marcgraf, 1600s
Naquela época, o rio Jaguaribe tinha um curso diferente do que tem hoje e desembocava no mar. A “enseada de Jaguaribe” descrita por Duarte Coelho seria localizada, atualmente, na praia do Bessa. Na narrativa de Joannes de Laet, os flamengos, após o desembarque, “marcharam primeiro até um logar chamado Cambohyna (onde suspeitavam ser o ponto mais estreito da peninsula em que está situado o forte), a distancia cerca de uma legua do forte (de Cabedelo) e depois que a força se refrescou e descançou um pouco, seguiram avante até o rio (Paraíba), onde se podia ver bem ambas as fortalezas (Cabedelo e Santo Antônio), assim como a bateria na ilhota, situada no meio do rio”.

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A defesa da barra do rio Paraíba era constituída pelos Fortes de Cabedelo e de Santo Antônio e por uma bateria de sete peças que fora instalada na “ilha dos Monges Bentos”. Além disso, outras defesas foram providenciadas, conforme o relato de Duarte de Albuquerque Coelho:

“Do forte do Cabedelo para o Sul, na distância de mais de quatro léguas de praia, havia muitos ramais de trincheiras e alguns redutos, onde se presumiu que o inimigo desembarcaria; como no Guaramame (Gramame), que é um rio ao sul do Cabo Branco, por ser este o caminho para a cidade da Paraíba, por onde o inimigo podia deitar gente para distrair-nos da defesa dos fortes. Havia outro reduto no passo do Boisos (Boi só) com algumas peças [...]

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A cidade também estava fortificada como se pôde, tendo em torno algumas trincheiras e outras no varadouro, onde surgiam os navios; e um reduto com suas peças [...] A gente que havia para defender esta praça eram 800 homens, com os moradores”.

Embora possuíssem um exército cerca de três vezes maior do que as forças locais, os holandeses estavam conscientes, conforme a narrativa de Joannes de Laet, de que o sucesso daquela terceira investida para conquistar a Paraíba dependia, inicialmente, não da tomada do Forte de Cabedelo (como foi tentado quando da primeira expedição de conquista) ou do Forte de Santo Antônio (o que ocorreu na segunda tentativa frustrada), mas de uma ação para anular uma bateria defensiva que fora instalada em uma ilha fluvial próxima à foz do rio Paraíba. Nas palavras de Laet:

“na ilhota, situada dentro do rio, chamada ilha dos Frades, o inimigo montara uma bateria ou reducto para impedir que os nossos entrassem no rio, tirando-lhe aquella vantagem (sendo avisado sem duvida alguma por um ou outro desertor ou vendo o designio dos nossos na expedição anterior) pois assim como da outra vez procurariam occupar aquella posição, pelo que agora eram quasi forçados a tomal-a ao inimigo antes de se poder garantir o exito da empresa”.

E foi por isso que os holandeses investiram, inicialmente, contra a “ilha dos Frades”. Após cinco dias de combates, Albuquerque Coelho anotou nas suas “Memórias”:

“Era o quarto de alva (Nota: termo marítimo que designa o período de quatro horas a partir das 4h da manhã) de 9 dezembro, quando decidiram entrar na barra; e foi em tão boa ocasião, que até uma neblina, que se fez com o vento, e a maré foram a seu favor; por não serem vistos dos fortes, a não ser quando já passavam por eles [...] Já quando amanhecia, iam passando pela Restinga para deitar gente pela nossa retaguarda [...] saltou gente em terra; de modo que, já dia claro, viram, do forte de Santo Antônio, marchar para a nossa bateria [...] porque investindo-a resolutamente o inimigo, e sendo os nossos menos de 40 não puderam resistir por muito tempo.

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Com esta nossa perda, ficou ao inimigo mais fácil a empresa, fazendo ali uma bateria contra o nosso forte de Cabedelo, além de privar-nos dos socorros que por ali nos vinham”.

Após a conquista da “ilha dos Frades”, os neerlandeses concentraram os seus ataques contra o Forte de Cabedelo. Segundo Albuquerque Coelho, a força flamenga “resolveu apertar o forte com a continuação das baterias e morteiros; o que fizeram tão perfeitamente, que nem de dia, nem de noite cessavam”. Além disso, os holandeses, com a finalidade de desviar a atenção das forças de defesa, passaram a saquear propriedades, e engenhos de açúcar localizados na região. No registro das “Memórias” de Albuquerque Coelho:

“Calabar e dois negros [...] foram os que guiaram essa correria; com o que não só fizeram isto, como distraíram os moradores da defesa em que assistiam nos fortes, para acudir à de suas casas, receando que fossem frequentes essas correrias”.
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Os ataques ao Forte de Cabedelo prosseguiram por mais alguns dias e os defensores da fortaleza, no relato de Albuquerque Coelho, “eram apertados de tal modo, de dia e de noite, com baterias e bombas, que não havia homem que pudesse dormir; e os batimentos e munições já pouquíssimos”. A fortificação resistiu bravamente até o dia 19 de dezembro, quando, enfim, os seus defensores renderam-se aos holandeses. Para Duarte de Albuquerque Coelho, “E a verdade era que, não fossem tais os capitães e soldados que estavam dentro, cinco dias havia que se poderiam ter rendido, porque já neste não havia munições, abastecimentos, artilharia, parapeitos, nem defesa alguma mais daqueles ânimos”.

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No relato do Donatário de Pernambuco, “Morreram neste sítio 82 homens [...] Os feridos foram 103. Do inimigo, dentre uns e outros, excedeu de 600”, Na versão de Joannes de Laet, foram 32 os mortos holandeses. Para Laet, após a conquista do Forte de Cabedelo os batavos tinham uma “questão difficil para decidir”: “se deviam ir atacar sem demora alguma a cidade da Parahyba ou se deviam se virar primeiro contra o forte do Norte”, o Forte de Santo Antônio, localizado na Enseada de Lucena.

Segundo Joannes de Laet, os holandeses já estavam decididos em atacar, inicialmente, a Cidade da Paraíba, quando foram informados por dois franceses que haviam deixado o Forte de Santo Antônio que a fortificação dispunha de poucos defensores, a maior parte tinha desertado, e que “os que ficaram não tinham disposição alguma de combater e tinham apenas umas 40 vasilhas de pólvora e pouco chumbo; e acreditavam firmemente que se a nossa gente se apressasse em chegar lá, o inimigo imediatamente entregaria a praça”.

Na narrativa de Joannes de Laet, os holandeses decidiram, então, enviar ao Forte de Santo Antônio um “tambor” (um mensageiro que ia tocando o instrumento) com uma intimação ao comandante da fortificação para a rendição nas mesmas condições que haviam sido dadas aos combatentes do Forte de Cabedelo. Segundo Albuquerque Coelho, o próprio Capitão do Forte já informara ao Governador da Capitania da Paraíba Antônio Albuquerque da impossibilidade de defesa da fortaleza pela escassez de munição, pela falta de artilheiros
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“que tinham fugido ao ver a perda do Cabedelo, como também, pelo mesmo motivo, o haviam feito alguns moradores” que fugiram “para acudir suas mulheres, filhos e casas”.

O Governador Antônio Albuquerque, curiosamente, não se encontrava no Forte de Santo Antônio comandando as suas forças, mas instalado (a salvo dos ataques dos flamengos), na Ermida de Nossa Senhora da Guia, que ficava a “um quarto de légua” da Enseada de Lucena, onde ficava a fortificação. Ao receber a intimação, segundo Albuquerque Coelho, o Capitão do Forte “deu conta ao Governador [...] que lhe ordenou que respondesse que lhe havia enviado a carta, sem dizer aonde se achava; e enquanto não tivesse resposta sua, não podia resolver nada sobre o que o inimigo lhe propunha”. Foi feito um pedido aos holandeses de três dias de prazo pra poder fazer a comunicação ao Governador, embora ele se encontrasse resguardado bem próximo ao Forte. Os holandeses não concederam o prazo requerido e, no dia 22 de dezembro, conforme o relato de Laet:

“O tambor foi mandado mais uma vez, recusando a concessão do prazo pedido [...] Entretanto, Deus incutio tal medo naquella gente que mandaram emissarios para negociar a rendição do forte. Os habitantes e os soldados saltaram pelas muralhas e fugiram contra a vontade do capitão [...] Demoraram muito em abrir a porta [...] para assignar a capitulação [...] permittiram-lhes sahir com suas armas e bagagens [...] Eram em numero de 36 homens com o Commandante Magalhaes”

Vencidas todas as defesas instaladas na barra do rio Paraíba, Joannes de Laet relata, em seguida, a jornada dos holandeses no rumo da Cidade Filipeia:

“e nessa mesma noite os dous Coroneis subiram o rio com cerca de 1600 homens até a Tambiá Grande (uma angra situada a meio caminho entre a cidade e o forte do Sul – Nota: localizada na bacia hidrográfica do rio Mandacaru) onde desembarcaram a gente e marcharam ao amanhecer do dia 23 para a cidade.
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O Donatário de Pernambuco registrou nas suas “Memórias” que, depois da rendição dos fortes na barra do rio Paraíba, não houve mais ânimo na Cidade Filipeia para a defesa da localidade:

“visto o estado em que aquilo estava, e as demonstrações que havia na cidade, por ter muitos tratos com o inimigo para render-se, logo que os dois fortes o fizessem, com o que já alguns iam saindo dela e desamparando-a. Resolveu-se que se deitasse bando para que todos pusessem em cobro suas famílias e fazendas, porquanto não se podia defender a cidade.

Logo queimaram-se as casas em que havia muita fazenda, açúcar, pau-brasil e tabaco. O mesmo nos navios que já estavam carregados. Ordenou-se ao capitão do Varadouro [...] que retirasse dele a artilharia e as munições que pudesse, para fortificar-se em algum posto de onde se fizesse a guerra ao inimigo”.
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Joannes de Laet descreveu a chegada dos holandeses à Filipeia de Nossa Senhora das Neves:

O inimigo, receando ou sendo informado da vinda dos nossos, fugira de sorte que não encontraram um só homem no entricheiramento que fizeram [...]

Chegaram ao meio dia na villa, não encontrando lá ninguem, todos haviam fugido e carregado tudo que puderam”

“o capitáo mór ou Governador da Parahyba, Antonio de Albuquerque, com uma companhia de Italianos e de Hespanhóes partira para o matto depois de haverem incendiado tres navios cujos destroços os nossos ainda viram (um delles estava carregado com 500 caixas de assucar) encontrando juntamente dous armazens de assucar á margem do rio, ainda fumegantes e correndo pelo rio o assucar derretido; alguns diziam que se queimaram nelles 2.000, outros 1.500 caixas de assucar [...]

Assim apoderaram-se os nossos finalmente da Parahyba (da qual havia muito procuravam e tentavam apossar-se) e de todas as fortalezas nas proximidades dalli”.

Nas palavras de Frei Manoel Calado, contemporâneo dos fatos, “a Paraíba depois de muitas batalhas e encontros perigosos, e muito derramamento de sangue, assim da sua como da nossa parte”, passava para o domínio neerlandês. Após quase cinco anos estabelecidos em Pernambuco e depois de duas tentativas frustradas, os flamengos conquistavam, afinal, as terras paraibanas, onde permaneceriam por cerca de duas décadas.

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